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domingo, 9 de agosto de 2015

PENSANDO NAS TAMPINHAS...
























Eu não sou um escritor lá muito competente quando o assunto é comentar notícias, fazer textos sobre tendências da indústria de games ou da forma como os jogadores se relacionam com seus objetos de desejo (os games, caso você tenha clicado no blog por engano). A minha praia mesmo são as análises, e confesso que mais de uma vez a ideia de tornar o blog exclusivo para esse formato de texto passou pela minha cabeça ao longo desses quatro anos à frente do site.
Mas volta e meia eu me sinto na necessidade de comentar sobre um assunto que chamou muito a minha atenção, seja pelo fato de eu achar que o tema não foi tratado com a justiça que merecia, ou pelo fato de perceber que eu tenho uma linha argumentativa que, aparentemente, ninguém tinha pensado antes.

O tema do post não é novo. Eu já o abordei num texto alguns meses atrás, mas por algum motivo que desconheço, uma súbita vontade de abordar o tema novamente tomou conta do meu ser enquanto jogador de games/escritor.

Cobro pouco porque sou bonzinho ou sou bonzinho porque cobro pouco?


É fato que a forma como os jogadores interagem com os jogos, por causa da velocidade e acessibilidade de informação, vem sendo drasticamente alterada nos últimos anos. Pro bem ou pro mal, não jogamos mais da mesma forma de antes. Isso é fato. Algumas empresas insistem em nadar contra a correnteza, ao passo que outras enxergam nisso novas oportunidades de negócio antes impossíveis de serem exploradas.
E é algo muito natural de se esperar que, mudadas as regras do jogo, mude também a mentalidade tanto de quem consome quanto de quem fabrica um determinado produto.

No mês da E3 2015, o anúncio do Fallout 4 trouxe não só altas doses de ansiedade para o metabolismo dos nerds fãs de mundos pós-apocalípticos, como também algumas “polêmicas” envolvendo certos aspectos do game. Ignore reclamações infundadas sobre gráficos vindas de jogadores que simplesmente não conhecem a escala do produto que estão criticando, ou a discussão gerada sobre a falta de detalhes no traseiro do protagonista do game. Eu me refiro mesmo a questões mais abrangentes e democráticas que envolvem todo e qualquer jogador: o bolso!

A inflação e o ágio são por conta da Brotherhood of Steel


Fallout 4 foi anunciado com preços mais altos que o de costume, tanto para o preço final do jogo quanto para transações de pré-venda. E a discussão que foi levantada é justamente a esse respeito: é justo uma empresa cobrar mais caro pelo seu jogo levando em conta tempo de produção, custo, dedicação ao projeto ou relação custo-benefício para o consumidor? Antes de continuar com o tema, é preciso colocar alguns pingos nos is: desenvolver um jogo não é algo barato.

Na década de oitenta e noventa, e até meados dos anos 2000, a regra era que jogos costumavam ser feitos por equipes compostas por meia-dúzia de pessoas com cifras modestas custeando todo o processo. Mega produções como Final Fantasy 7, com uma equipe de 100 funcionários apadrinhados por cifras milionárias, de fato constituíam a exceção a essa regra.

Hoje em dia, salvo uma maioria de games do gênero indie (e projetos de Kickstarter), a exceção se tornou a regra e é preciso estar ciente de um fato antes de começar a entrar neste mérito: desenvolver games é algo bastante caro, que envolve altos riscos tanto para empresas já consolidadas no mercado quanto para estreantes ou estúdios mais modestos (não foi por acaso que o sucesso da Square se apegou a tantas convenções pré-estabelecidas na franquia). Há o aluguel (ou compra) de maquinário (entenda-se: computadores, ferramentas de software), contratação de funcionários e manutenção de custos como aluguel de instalações ou equipamento.

Será que esse aqui vai ser feito por apenas 100 pessoas? Duvido...


Quando vai encabeçar um projeto, uma empresa de grande porte precisa escolher o caminho que vai seguir: começar tudo “do zero” (criando um projeto novo, com motor gráfico novo) ou aproveitar algo pré-existente (um motor gráfico pronto ou a continuação de uma franquia já enraizada no mercado). Muitas empresas grandes como a Activision ou EA se utilizam desta última estratégia e conseguem relativo sucesso mercadológico. Ou você achava que pra cada Assassin’s Creed lançado (todo ano), uma nova equipe e um novo motor gráfico eram utilizados no projeto? Claro que não.

Para alcançar o sucesso, nem todas as empresas utilizam a estratégia de vencer pela quantidade (sem necessariamente se preocupar com a qualidade) que os estúdios citados acima. A Bethesda é uma dessas.
Para desenvolver um jogo do naipe de Skyrim, Fallout ou Dishonored (tá, esse último nem tanto...) é necessário um time de produção da magnitude dos três dígitos, trabalhando por pelo menos três anos em dedicação total ao projeto. É claro que estratégias como a da EA também são utilizadas por empresas que se favorecem desse tipo de desenvolvimento. Caso contrário, não veríamos games completos (e complexos) como Fallout New Vegas sendo lançados apenas dois anos depois do produto principal que lhe deu origem (o Fallout 3). Isso sem entrar no mérito dos DLCs.



O que perde em quantidade de jogos lançados, empresas que se utilizam desse modelo de negócio ganham em cativar os fãs e na qualidade final de seus produtos em si (Fallout 3 e seus mais de 8 milhões de cópias vendidas que o digam...). Pelo menos essa é a minha visão das coisas, e acho que jogos como GTA 5 e The Witcher 3 estão em favor do meu ponto de vista. E é aqui que podemos voltar ao questionamento inicial do texto: uma empresa que tem noção do valor artístico do seu produto, bem como da relação custo-benefício da sua obra (os jogos usados como exemplo levam uma média de 80 a 150 para serem completados), teria o “direito” de cobrar dez dólares a mais do que o restante da indústria estabeleceu como padrão? A resposta é o clássico “depende”.

Como eu já falei no texto original (e no vídeo), essa não é uma postura que eu aconselhe enquanto consumidor e comprador de jogos. É um terreno bastante perigoso abrir o precedente de cobrar mais por um jogo “só” por achar que seu produto agrega um valor subjetivo (e anedótico) considerado superior a outros produtos do mercado. Por exemplo, ao argumento de que um jogo da série Fallout costuma levar uma média de 100 horas para ser completado, um jogador pode dizer que boa parte desse tempo é gasto com tempo de carregamento de dados (AKA Loading Time), diálogos e andanças "sem sentido" pelos mapas.
A um jogador que só está interessado em finalizar a campanha principal e estourar alguns miolos de super mutantes, de pouco valem as centenas de side quests e conversas banais sobre Mirelurks e Chupa-cabras.

Você chamaria uma paisagem dessas de "andança sem sentido"?


Por um lado, se a postura de empresas como Bethesda, CD Project Red ou Rockstar pode abrir um precedente perigoso para o (bolso do) jogador, acredito que o assunto deva ser tratado com uma imparcialidade que privilegie ambos os lados, não apenas o do consumidor.
Eu sei, estou me contradizendo nesse ponto, pois eu sempre afirmo que o jogador tem sempre razão e é ele quem deve ser mimado. Isso se as produtoras quiserem continuar a ver o nosso dindim entrando em seus cofres como de costume. Mas como diria o poeta: o certo é o certo.

Pra ser sincero, foi o tipo de reação que descreverei a seguir que me fez sentir vontade de escrever esse texto: em um dos canais de games que eu acompanho no Youtube, o locutor ficou totalmente revoltado com a iniciativa da Bethesda, dizendo que ela só podia estar louca por querer cobrar um pouco a mais, desconsiderando os argumentos que eu apresentei ao longo dos dois textos (custo de produção; tempo de desenvolvimento que, querendo ou não, reflete na qualidade do produto; custo-benefício ao jogador; fator replay...).

"100 tampinhas a mais pelo Fallout 4? Isso é uma falta de absurdo!"


Sim, o consumidor tem sempre razão... quando a razão, de fato, está ao seu lado. Você não pode se considerar uma pessoa razoável, que sabe pesar os argumentos e chegar à conclusão mais racional, se você se comporta como uma mulher traída só porque uma empresa está querendo cobrar mais caro por um produto que ela acha que vale aquele preço.

Games são produtos, e devem ser tratados como tal. Essa é uma frase minha que costumo usar com bastante freqüência. Mas, se games são produtos, por que ficar tão transtornado com o fato de uma desenvolvedora vê-lo como tal na hora de etiquetar o seu preço? Você não fica revoltado quando vai ao supermercado e tem que pagar dez vezes mais por uma mercadoria da qual você está levando dez vezes mais em questão de quantidade ou de peso. Então, por que essa revolta toda com a ideia de que algumas empresas acharem justo receberem um pouco a mais por um produto bastante planejado e de qualidade superior aos demais encontrados no mercado?

"Compra, vai! São só dez biscoitos Scooby a mais..."


Não me entendam mal. O motivo do post não é fazer apologia à empresa X ou Y. As duas frases que eu citei no texto devem ser levadas como um axioma supremo por qualquer consumidor que se preze: games são produtos, e devem ser tratados como tal. O consumidor tem sempre razão e é ele quem deve ser mimado. O equilíbrio entre essas duas forças é o que vai determinar a relação entre a empresa e o jogador que vai adquirir um determinado jogo.

Pra finalizar, é claro que eu não fico nem um pouco feliz com o fato de um jogo que será compra certa pela minha pessoa custar dez dólares a mais, principalmente em momentos de crise econômica como esses. Mas eu não acho a atitude da Bethesda (e outras do mesmo nível) tão incompreensível assim: confiar na qualidade do seu produto, e na certeza de que está oferecendo uma experiência única ao jogador, é um sentimento admirável que talvez possa justificar o aumento de umas doletas a mais no preço final de um game.
Eu não fico feliz com o aumento de preços, seja em que área for. Mas fico feliz por ainda existirem empresas com essa dedicação aos games, que têm segurança do que fazem e têm também a certeza de que não estão nessa só pelo dinheiro, ou fazendo só por fazer.


Au Revoir! 

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