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sábado, 27 de agosto de 2016

HORIZONTE DE EXPECTATIVAS






















Quem me segue no Twitter (ou acompanha a página do blog no Facebook) já deve estar careca de saber que eu fui completamente fisgado pela proposta de No Man’s Sky, o joguinho de “andar e minerar coisas” criado por Sean Murray e sua Hello Games.
De fato, parece que o jogo foi feito sob medida para loucos como eu, que passam mais tempo olhando pras paredes e detalhes do cenário, do que estourando miolos em FPSs dos mais diversos.

Bem, o fato é que o jogo gerou uma hype (partindo do pressuposto que “hype” possa ser traduzido como “empolgação, euforia”) absurda por parte dos jogadores, que criaram expectativas (muitas vezes) irreais com a obra indie da desconhecida desenvolvedora.
A despeito da razão dos jogadores em reclamar do que foi prometido mas não foi cumprido, tenho visto vídeos e lendo textos com pessoas defecando pela boca quando o assunto é No Man’s Sky. 
E nesses dias, ao dedilhar a gordurosa tela do meu celular em busca de um twitt que me distraísse antes da ida ao trabalho, eis que me deparo com este ótimo artigo do nem sempre ótimo site Kotaku, falando mais ou menos tudo que eu vinha pensando a respeito de toda essa questão.

Nunca pensei que os gamers fariam tanta questão
por causa de uma cobra enorme num jogo...

Não, a tradução deste post do Kotaku, de forma alguma, anula a minha vontade de escrever sobre o excelente jogo que é No Man’s Sky, então esperem (sabe-se lá deus quando) por uma análise mega detalhada do jogo aqui no Mais Um Blog de Games.
Fiquem agora com a minha tradução livre do artigo, lembrando que o texto original pode ser conferido no link a seguir: http://kotaku.com/no-mans-sky-doesnt-need-to-be-the-ultimate-video-game-1785712618?utm_campaign=Socialflow_Kotaku_Twitter.

P.S: como é de costume em posts de tradução, gostaria de lembrar que o formato original do post, bem como a ordem de algumas sentenças, será mantido para preservar a identidade do texto.


No Man’s Sky não precisa ser o jogo definitivo.
          


Caso você ainda não tenha notado, No Man’s Sky não é exatamente o jogo que muitos queriam que ele fosse. Mas o que é esse jogo exatamente?

Eu acho que todos nós, de um jeito ou de outro, ansiamos pelo Jogo Definitivo.
A ideia de um jogo que forneça a todos uma mistura habilidosa de duração infinita e incontáveis estilos de jogo, em uma intangível argamassa que junte tudo isso, é irresistível. Mesmo antes dos jogos estarem tecnicamente sofisticados o suficiente para realizar esta ideia, obras de sci-fi como Snow Crash já imaginavam tal jogo, tal mundo.

Não é de se admirar que muitos desenvolvedores estejam tentando criar este jogo. Eles sempre estiveram. Antes mesmo da moderna safra de jogos como Star Citizens, já tínhamos de Spore a Dwarf Fortress. Antes deles eram os estreantes MMOs, como Ultima Online, ou os cada vez mais abundantes jogos single player, como The Elder Scrolls II. Antes de tudo isso, eram os massivos Multi-User Dungeons (MUDs).
Quão excitante seria se alguém alcançasse tudo isso num jogo só?


“É um problema, contudo, quando este jogo hipotético 
acaba se tornando o padrão pelo qual muitos jogos existentes são julgados.”


É um problema, contudo, quando este jogo hipotético acaba se tornando o padrão pelo qual muitos jogos existentes são julgados. Permita-me deixar uma coisa bem clara, de uma vez por todas: eu não tenho nada contra as pessoas que estão desapontadas com No Man’s Sky. Muito embora que muitas de suas expectativas não sejam razoáveis, a Hello Games, definitivamente, se gabou de muitos recursos que estariam presentes no jogo e falhou completamente em entregá-los. Eu pessoalmente aprecio este tipo de jogo psicodélico de turismo espacial que é No Man’s Sky (mais sobre ver do que tocar), mas há visíveis buracos de facções, multiplayer e cobras gigantes nessa colcha procedural.
É muito natural se sentir decepcionado com isso.



Mas os grandiosos sonhos de algumas pessoas sobre o No Man’s Sky perfeito  são um ideal platônico, ou Trono de Homem Algum, se você prefere assim, e não têm nada a ver com o que o jogo se propunha a ser. Eu tenho visto a zombaria de pessoas que mentalizaram coletivamente um No Man’s Sky que se parece mais com um cruzamento de Star Citizen com Minecraft 2, do que com o devaneio febril idealizado por Sean Murray.
Multiplayer em larga escala, total destrutibilidade, construção de bases, coleta de itens, criação de gado, guerra, paz, romance, economia gerenciada pelo jogador, um ovo cósmico no centro do universo contendo um número infinito de cobras monstruosas, cada qual mordendo o próprio rabo... Eles queriam o jogo de videogame definitivo.
A Hello Games prometeu algo grande, mas eu não tenho certeza se ela prometeu algo DESSE tamanho.

Não é muito difícil traçar a descendência dessa ideia com relação a No Man’s Sky.
Jogos de espaço sideral como Star Citizens e Elite: Dangerous gravitam naturalmente em torno de grandiosidade, e No Man’s Sky acabou pagando o pato. Ele almejou às estrelas. TODAS as estrelas. Mas, ao passo que Star Citizens e Elite prometeram um MMO espacial (que eles mesmos falharam em cumprir em diversos aspectos), No Man’s Sky sempre teve mais a ver com exploração e descoberta, desde que Sean Murray e os outros o demonstraram à imprensa em quartos de hotel. Em momento algum eles disseram “estamos criando o sucessor espiritual de EVE online...

Só porque um jogo de espaço sideral é ambicioso, isso não quer dizer que ele tenha que ser igual a outros jogos de espaço sideral, exceto em tamanho. Eu acredito, entretanto, que as pessoas associaram as duas coisas. Pelo fato de No Man’s Sky não ter os mesmos recursos que todos os outros jogos, visivelmente, têm, esses recursos estão “faltando”, de alguma forma. Como se faltassem as peças-chaves do Jogo Definitivo. Esse é um declive escorregadio, que confina jogos com pegadas diferentes a uma mesma fórmula.



Os jogos de sobrevivência da Steam talvez sejam um combustível ainda maior à ira a No Man’s Sky do que a recente explosão de jogos de exploração espacial super ambiciosos.
Novamente: por alto, No Man’s Sky soa muito parecido com esses jogos.
Conteúdo procedural? Confere. Algum tipo de Multiplayer? Confere. Tenho visto incontáveis argumentações afirmando que, porque No Man’s Sky não se assemelha a esses jogos em particular já em seu lançamento, ele pisou feio na bola.
Por que No Man’s Sky não é um parquinho de diversões de fantasia e construção de bases? Ele DEVIA ser uma evolução de Day Z, Rust and Ark: Survival Evolved, logo, não é um bom jogo.” Bem assim ...


“Os jogos de sobrevivência da Steam talvez sejam um combustível 
ainda maior à ira a No Man’s Sky do que a recente explosão de jogos 
de exploração espacial super ambiciosos.”


E eu sei o porquê de alguns jogadores enxergaram No Man’s Sky como uma extensão desses jogos. O gênero moderno de sobrevivência é um dos mais fracionados no qual eu consigo pensar. Ele nasceu do fracionamento, da visão de desenvolvedores que olhavam para jogos como Minecraft ou Day Z e pensavam “ok, eu vou fazer igual, só que sem os recursos X, Y e Z.”
Mais, mais e mais. Cada jogo visando a ser maior que o anterior. Mais uma vez, nos deparamos com um gênero que muitos esperam que se transforme no Videogame Definitivo, uma esperança reforçada pelo fato de que mecânicas de sobrevivência já começaram a se instalar em incontáveis outros gêneros.



Muitas das marcas registradas das mecânicas de sobrevivência de jogos Multiplayer, entretanto, estariam diretamente pareadas com a ênfase na exploração serena e na admiração de arredores. Claro: construir bases com seus colegas e partir pra guerra significaria mais coisas a fazer, mas seria um mais do mesmo que você já pode fazer em incontáveis outros jogos. Qual o sentido de toda aquela enorme paisagem se todos se enfurnassem no mesmo planeta, escavassem buracos e estourassem os miolos uns dos outros? No Man’s Sky tem a ver com exploração, então é mais do que apropriado que ele incentive que você explore além dos limites a que esses outros gêneros se limitam.

Ao enxergar No Man’s Sky como uma falha em ser o Jogo Definitivo, as pessoas acabam perdendo as formas interessantes com as quais ele subverte o gênero e questiona as bem-estabelecidas fórmulas do estilo de sobrevivência. Eu vou mais pela análise do crítico (e amigo meu) Brendan Keogh, quando afirma que:


“Muito títulos dão uma ideia central do que você pode fazer no jogo (Minecraft, por exemplo). No Man’s Sky soa mais como um aviso do que você NÃO pode fazer no jogo. Você não pode se apropriar daqueles lugares. Esse não é o ‘céu de uma pessoa apenas’. Você pode visitá-los, e explorá-los, e coletar uma minúscula fração dos recursos que eles têm a oferecer (os planetas), mas você não finca nenhuma bandeira, ou constrói nenhuma casa.
Você sempre segue adiante, e raramente volta a um lugar. Tudo que você deixa são pegadas digitais que mostram que você ‘descobriu’ aquele planeta antes de outro jogador. 
A vastidão crua gerada proceduralmente pelo universo de No Man’s Sky existe para incitar um senso de solidão e pequenez em face de um universo muito, mas muito maior.
A transitoriedade do jogo, entretanto, assegura que você encare essa solidão e pequenez pela constante movimentação a lugares que, ainda assim, nunca serão seu lar de verdade.”


Ele complementa que, como resultado, No Man’s Sky faz oposição aos tradicionais jogos de sobrevivência de fantasia, onde você fica colonizando planetas e depenando seus recursos:


“Este não é jogo de fantasia no qual você reivindica um mundo, levanta uma base gigantesca e forma alianças para conquistar diferentes partes da galáxia. Assim como os colonos afirmavam que a Austrália estava ‘vazia’ antes deles virem e encherem tudo com suas ‘coisas familiares’, muitos jogadores de jogos tradicionais de mundo aberto olham pra No Man’s Sky e veem uma experiência vazia. ‘Mas o que tem pra fazer em No Man’s Sky’?, o coro se repete. Você sai pra dar uma volta. Ou pra voar de nave. Você aprecia belos visuais que ninguém, nem mesmo seus desenvolvedores supremos, pôde apreciar antes. É como dizem as placas de um parque: ‘você só pode tirar fotos (e alguns recursos necessários à sobrevivência) e deixar apenas as suas pegadas.”


De várias formas, No Man’s Sky não é uma evolução dos massivos jogos de sobrevivência espacial. É uma resposta a eles, uma crítica. Não é a encarnação do que poderia ser, mas se mantém por si mesmo. Desbrava um novo território. É único e merece ser apreciado por seus méritos, especialmente quando nos faz questionar o sentido por trás das mecânicas de outros jogos parecidos que jogamos.



Em muitos aspectos, então, No Man’s Sky também serve de crítica à nossa atual visão de “Jogo Definitivo”. Essa foi a intenção da Hello Games? Vai saber... Mas só por existir como algo marcantemente diferente, ele nos força a levantar questões.
O jogo Definitivo precisa ser sobre busca e obtenção de poder, mesmo que seja uma busca pacífica (supremacia econômica, por exemplo)? Precisa ser algo que possamos conquistar plenamente, ou isso destruiria nosso senso de deslumbramento, minando o objetivo de criar um jogo que possamos jogar indefinidamente?


“Mas só por existir como algo marcantemente diferente, 
ele nos força a levantar questões.”


E o mais importante: é possível haver o Jogo Definitivo, especialmente no caso de No Man’s Sky, onde cada pessoa parece ter uma ideia ligeiramente distinta do que seria esse tal Jogo Definitivo? A procura de tal jogo leva por água abaixo elementos que poderiam gerar uma experiência única, mais concentrada?

Ultimamente, contudo, tudo é muito paradoxal. Como eu disse antes, só porque um jogo é grande e ambicioso, isso não significa que ele precise ser o Jogo Definitivo na dita “Corrida dos Jogos Definitivos”. Os jogos mais interessantes emergem ao confrontarem expectativas, não ao concordarem com elas. No Man’s Sky não é pra todo mundo. Estou ok com isso.

Nathan Grayson.

XXX


Diferentemente do que eu costumo fazer no fim dos posts de tradução, não tenho muito a acrescentar ao que já foi dito no artigo original. Já que a proposta do jogo é a de levantar questões sobre o que define um jogo, ou sobre o que um jogador gosta de fazer ao jogar um jogo, eu termino o texto neste ar de contemplação e reflexão. Espero que tenham gostado, e até a próxima tradução.


Au Revoir!!!