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quinta-feira, 9 de junho de 2016

ANÁLISE: BLOODBORNE






















Quem acompanha o blog desde seus primórdios já deve estar cansado de saber que eu nunca morri de amores pela criação de sucesso da From Software. Demon’s Souls, aclamado como um dos melhores RPGs do Playstation 3, passou pelas minhas mãos assim que adquiri o console, no longínquo ano de 2009. E já naquela época, praticamente o começo da geração do problemático console da Sony, eu sentia uma enorme carência de jogos do gênero RPG. JRPG, pra ser mais preciso.

Se você gosta de jogos como Breath of Fire, Final Fantasy ou Persona, deve estar ciente de que esperar algo parecido com esses jogos de uma série como Demon’s Souls é o mesmo que querer que uma tartaruga levante voo. E foi por causa dessa "decepção" que eu acabei trocando o game pelo Fallout 3, um dos melhores jogos da minha vida, alvo de um Meu Review Supremo (procura na barra lateral que ele tá lá).

Pois bem, o que é decepção para uns pode ser o início de uma bela história de amor para outros. Amor e ódio, pra ser mais exato. E quem acabou se encantando com as agruras medievais da série Souls foi meu irmão, que jogou cada um dos jogos que seriam lançados após o primeiro. E é por causa desse elemento voyuer (de assistir aos gritos de desespero e fúria do meu irmão, enquanto jogava) que eu posso afirmar que, de um jeito ou de outro, eu nunca abandonei a franquia Souls completamente.


A franquia Souls tinha um futuro brilhante guardado para mim...

Com a compra do PS4, um dos problemas que eu via no jogo original foi resolvido: os gráficos de Bloodborne, o sucessor espiritual de Dark Souls 2, eram bastante condizentes com a atual geração de games, conseguindo até arrancar uns elogios da minha pessoa (mesmo com toda a rabugice que eu nutria com relação à série).
Não que eu seja um jogador que só valoriza visuais em uma experiência. Claro que não. Mas a falta de detalhes e efeitos mais bem-acabados atrapalhava a minha imersão com os jogos anteriores da série.

Então, posso dizer que a minha estreia pra valer com a franquia se deu com o Bloodborne mesmo, e a análise dessa experiência você confere a partir de agora.

P.S: eu fiz um vídeo de primeira meia hora de jogo, que pode ser conferido AQUI.


ENREDO























“Uma lua de sangue paira, assustadora, no céu. Estou preso num sonho, um sonho de caçador, forjado a fogo e sangue. Ecos de sangue...”

 Dr. Ghunter (meu personagem no jogo)


Você já deve ter ouvido (ou lido) frases do tipo “o enredo da série Souls é indireto, contado por descrições de itens e diálogos esparsos, durante as fases”.

Durante a minha longa fase de “hater” da série eu achava que isso era uma desculpa esfarrapada que os fãs davam para o fato da From Software não se preocupar em criar uma história sólida para a franquia, deixando que as lacunas do seu desleixo fossem preenchidas pelo fandom dos jogadores.
Pra quem não está familiarizado com a expressão, o “fandom” acontece quando um fã de algo inventa uma explicação para uma falha de um jogo ou filme que nem mesmo a criadora da obra se deu ao trabalho de explicar.


Rola até um momento Detetive no jogo. Nem todos são o que parecem...

Primeiramente, antes de continuar, preciso avisar que as observações feitas serão da minha forma de interpretar o lore do jogo. Eu não li nada sobre o enredo na internet, não falei com outros jogadores ou consultei guias. Portanto, bobeiras interpretativas devem ser perdoadas.

Feitas as devidas ressalvas, o que há pra ver de enredo em Bloodborne?
Lembra do jogo Castlevania Simphony of the Night, quando nós limpávamos uma enorme área com Alucard e encontrávamos Maria, que trocava umas breves palavras sobre as madeixas brancas do vampiro e depois ia embora? Então: é mais ou menos isso que ocorre em todo o jogo.

Em Bloodborne há pouquíssimos diálogos. Tirando a boneca chata, que te cumprimenta como se não te conhecesse toda vez que você vai dar um upgrade nos seus atributos, o máximo de interação que você vai ver pelos cenários é o de outros caçadores iguais a você (alguns deles querem simplesmente arrancar seu couro pra fazer tamborim) e de NPCs trancafiados em suas casas. As pessoas têm medo de deixar seus aposentos. Elas são consumidas não só pelo temor, mas também por uma doença que as transforma em feras irracionais. Então, não espere encontrar garotas vendendo flores em estações de trem ou NPCs inúteis que só existem pra informar o nome de um lugar em Bloodborne.


"Véi, num acredito que essa pirigueti veio aqui
só pra falá do meu cabelo..."

Dos loads em si eu vou falar no tópico sistema, mas no enredo ele é fundamental. As descrições dos itens e de detalhes da história são exibidas enquanto você espera a tela de carregamento, que pode exibir desde uma dica completamente inútil (de começo de jogo), ou falar de um “detalhe” da história que nem o último chefe se deu ao trabalho de te informar. Pena que as mensagens são trocadas de forma muito brusca, não dando tempo para ler tudo da forma que você gostaria.

A progressão do enredo no Bloodborne funciona dessa forma, nunca entregando o ouro em uma bandeja ao jogador, dando apenas dicas do que está realmente acontecendo na cidade de Yharnam.

Mas eu enrolei demais e acabei não falando sobre o lore em si: o jogo conta a história de uma cidade estilo parisiense chamada Yharnam. No local, pessoas se transformam em monstros por causa de uma doença que contamina o sangue dos moradores, transformando-os em bestas assassinas. E é aí que seu personagem entra: para combater o mal do sangue existem os Caçadores, guerreiros que lutam dia e noite para acabar com os males sobrenaturais que afligem a cidade.


O inventário é o melhor amigo de quem curte narrativa embutida.

Durante algumas cenas, liberadas em doses homeopáticas, serão mencionados personagens famosos entre os cidadãos do jogo. A maioria das informações, no entanto, está escondida mesmo na descrição dos itens e telas de carregamento.

E é isso. Não espere cenas em CGI espetaculosas, com NPCs dando aulas sobre o que está se passando na realidade do jogo. Nada parecido com isso vai ser visto em Bloodborne. E mesmo sendo fã de jogos com toneladas de linhas de diálogo (como Persona, Fallout, The Witcher 3 ou a série Final Fantasy), confesso que ao estilo de jogo entregue em Bloodborne essa parcimônia passa longe de ser um problema.


APRESENTAÇÃO






















Lembra da regrinha para reviews normais aqui no blog, não é? Caso não, eu refresco sua memória: apresentação vai englobar todos os aspectos técnicos no tocante a imagem e som no game. Então vamos lá.

Como eu já cansei de dizer, os gráficos da série Souls nunca me agradaram.
É duro ser fã de RPG, estar acostumado a jogos exuberantes que põem à prova todas as matizes do arco-íris (como Final Fantasy 10), e ter que aturar efeitos pobres e pouco criativos em outros jogos. Isso sem falar na pouca variedade de ataques dos inimigos, que se resumiam a tentar acertar uma porrada lenta e destruidora na cabeça do seu personagem.

Felizmente, Bloodborne não me incomodou nesse quesito. As texturas do game são bastante satisfatórias, de um modo geral. Os efeitos de golpes e ataques não são muito variados, mas os que existem contam com um visual bem interessante (como a mágica de raios brancos teleguiados lançada por certos oponentes).
Como eu sempre digo, Bloodborne não é o jogo que vai te fazer esfregar a exclusividade do game na cara daquele seu vizinho caixista rancoroso, mas nem de longe chega a ser mediano como os games anteriores.


Excelentes visuais em cenários super detalhados.

Sobre visuais eu nunca gosto de me prolongar muito. É um quesito bastante direto, então o melhor elogio que eu posso fazer ao jogo é o de que eu não só gostei do trabalho da From Software com o design desse jogo, como em alguns momentos fiquei bastante impressionado com o resultado final entregue aqui (muito embora que ficou aquela certeza de que dava pra fazer coisa muito melhor no PS4...).

A parte sonora do game segue a ferro e fogo a tradição da série: nada de lindas faixas de Michiru Yamane para embalar suas andanças pelos ambientes. Música mesmo só nos chefes, ocasião esta que você está ocupado demais traçando estratégias para não ter o couro arrancado pelo chefão que nem vai notar a presença de melodias.
A dublagem do jogo é boa, e os efeitos sonoros em geral são bem ok, mas vale o puxão de orelha na variedade de diálogos daqueles NPCs mais consultados (como a boneca dos upgrades), que poderia (e deveria) ser bem maior, visto que essas são as poucas interações que veremos no jogo.


ATMOSFERA






















Se você não gostava da colcha de retalhos que eram os ambientes dos jogos anteriores, com certeza vai se esbaldar com as localidades de Bloodborne.

Toda a atmosfera do game é inspirada em cidades europeias do século XVIII, e nos cenários impera um clima de Londres medieval que é um verdadeiro espetáculo aos olhos. A construção de ambientes do game também me fez lembrar filmes como A Bruxa (de 2016) ou Gangues de Nova Iorque, além de todos aqueles filmes que falam sobre a Santa Inquisição.

Diferente dos outros jogos, em Bloodborne temos a impressão de estarmos em uma grande área interconectada, elemento que dá uma sensação maior de continuidade aos ambientes. Ao explorar os cenários, é possível avistar, ao longe, lugares que você só terá acesso daqui a muitas horas de jogo.


Passar correndo pelos ambientes desse jogo é um crime, embora necessário às vezes.

No jogo não há mapa, então prepare-se para visitar um cenário cheio de portas trancadas e múltiplas passagens sob risco de se perder completamente durante sua jogada (não há nada parecido com linearidade nos ambientes, muito embora que a última fase - aquela da noiva, você sabe - exista apenas para contrariar a afirmação acima).

Pra finalizar este tópico, eu confesso que me apaixonei pelo estilo gótico/medieval de Bloodborne, com cenários cinzentos e sombrios que remetem a obras de H.P. Lovecraft, ou ao personagem Jack the Ripper.
Os ambientes do jogo são permeados por uma onipresente sensação de perigo, acompanhada por um reconfortante sentimento de recompensa ao conseguir desbravar novas áreas sem ser estuprado por um monstro que arranca metade da sua barra de vida com apenas um golpe.


Sério: dá medo só de olhar pra esse lugar...

Entretanto, achei a progressão nos ambientes um tanto quanto confusa. Mesmo quem já está acostumado com a série vai sofrer um pouco para entender a lógica dos cenários labirínticos do jogo. E, em alguns momentos, fica difícil saber qual evento em especial ativou aquele elevador que se encontrava bloqueado, ou como raios eu consegui abrir aquele portão que teimava em barrar o meu progresso. Nessa parte eu me lembrei muito dos jogos clássicos da série Tomb Raider, onde pressionávamos um botão que abriria uma porta lá onde Judas perdeu as botas, com o jogo pouquíssimo preocupado em te dizer aonde você tinha que ir em seguida.

Para não deixar passar outra crítica negativa, percebi que neste jogo não há nenhum tipo de secret nos cenários, como paredes quebradiças, entradas escondidas ou caminhos secretos, o que de fato é um passo pra trás se comparado com outros jogos da série.


SISTEMA






















Bloodborne funciona assim: você joga em um mundo 3D, guiando um personagem em terceira pessoa. É possível alternar entre ataques rápidos (R1), ataques pesados (R2, podendo carregar), ataques de área (L2), e itens de ataque, como coquetel molotov, pedras e etc. Não é possível usar escudos, como nos jogos anteriores, muito embora que dê pra equipar um modesto pedaço de madeira (que não suporta o ataque das feras enraivecidas pela lua cheia, nas palavras do próprio jogo).

É possível esquivar com o botão círculo e alternar sua arma para um modo de uma ou duas mãos (com o botão L1), ocasião essa que permitirá deixar sua outra mão livre para o uso de pistolas e carabinas (nunca usadas por mim, diga-se de passagem).
Poções de cura são usadas com o botão círculo, e uma infinidade de outros itens pode ser equipada nos slots customizáveis do jogo (de itens que previnem a regeneração de alguns inimigos a um papel que adiciona fogo e eletricidade à sua arma).

Ao derrotar um inimigo, você ganha Ecos de Sangue, que nada mais são do que as já manjadas almas usadas como moeda de troca, nos outros jogos. Você precisará de Ecos de Sangue para tudo: comprar itens; melhorar seus atributos; melhorar suas armas; reparar seus equipamentos e etc.
Também existe o Insight, uma espécie de moeda especial e mais rara que serve para invocar ajudantes e adquirir itens mais raros.


Você adivinhou: abusar sexualmente de cadeirantes
faz parte do sistema de jogo de Bloodborne.

Quando você é morto em combate, seus ecos de sangue ficarão no chão, próximo ao local de sua morte. Também pode acontecer deles serem absorvidos por um dos monstros que rondam o local, ocasião em que o bicho ficará com um brilho azulado nos olhos. Para recuperar sua XP você vai ter que encarar o bicho que está possuído pelos seus ecos. Para matá-lo, pode ser necessário limpar a área de outros inimigos antes, para evitar o risco de morrer novamente. Se você morrer sem recuperar seus ecos anteriores, eles serão perdidos pra sempre. Se conseguir recuperá-los, eles são somados ao que você adquiriu depois da morte. Essa regra vale até pros bosses, então fique de olho no chão.

As viagens pelos cenários ficam menos dificultosas com a ajuda das lanternas de teleporte, que te enviam de volta ao Sonho do Caçador (seu QG, por assim dizer) sem perder nada na viagem. Vale lembrar que, nesse quesito, Bloodborne sofre um retrocesso em relação aos outros jogos, que contavam com uma lista de localidades para teleporte presente em qualquer fogueira no cenário. Aqui, toda vez que quiser viajar, você terá que voltar ao sonho do caçador, para depois ir a uma lápide e acessar uma das lanternas (checkpoints).


O teleporte fica por sua conta e risco: até seu
uso deve ser pensado de forma estratégica.

O problema dessa burocracia reside no load, que começa pequeno e vai aumentando, dependendo de quão longe você se encontra da lanterna. Para um jogo de atual geração, que conta com cenários estáticos e pouca variação de elementos, essa é uma falha que eu considero imperdoável por parte dos programadores do game. Felizmente, e pelo que me lembro, esse problema foi devidamente criticado na época de seu lançamento.

O load de Bloodborne acaba contribuindo com a sua frustração na experiência de jogo, visto que muitas vezes haverá uma espera de 30 a 50 segundos pra carregar um ambiente no qual você JÁ SE ENCONTRA, minando a sua já curta paciência diante de desafios que só podem ser classificados como absurdos por aqueles com menos vivência na franquia.

Como eu já havia falado sobre os itens, eles possuem uma descrição indireta. Você precisa descobrir o efeito de alguns deles pela lógica do jogo. Nada em Bloodborne é de graça, entregue de mão beijada ao jogador. Às vezes você contará com uma carta na manga que serve perfeitamente para dar cabo de um boss FDP, que está atormentando a sua jogada, mas não se dará conta disso se não parar e ver o que cada item faz, com calma.


Tela de morte 1 de 1253...

Eu odeio clichês em jogos. Ou melhor: eu tiro meu chapéu para jogos e filmes que se dedicam a se afastarem de lugares comuns de gêneros. E eu fico bem feliz ao afirmar que Bloodborne quebra certas convenções há muito estabelecidas, presentes nos games modernos.
Fica até difícil saber por onde começar a citar as ocasiões nas quais este jogo faz isso, mas vou tentar mesmo assim: em Bloodborne não há mapa; não há seta indicadora de objetivo; os chefes não possuem pontos óbvios destacados em neon, para avisar ao jogador de suas fraquezas (o único ponto brilhante nos chefes que você vai ver será o dos caracteres You Died...).
Esqueça do cara chato que fica dando instruções via rádio comunicador. Isso simplesmente não faz parte do estilo de jogo feito pela From Software...


Um ajudante ao custo de teleporte e saídas trancadas? Você que sabe...

Mesmo tendo gostado de e me dado muito bem com o sistema do jogo, aviso que Bloodborne te passará algumas rasteiras, como lâmpadas que não permitem teleporte, bloqueio de área quando você está com grandes quantidades de XP acumuladas (te obrigando a enfrentar um chefe novo sob risco de perder tudo), por causa da invocação de um ajudante; mortes por acúmulo de comandos e etc.
Vá se acostumando a sofrer esse tipo de trollagem por parte desse universo...

Ao finalizar o jogo e fazer um dos possíveis finais, todo seu progresso é reiniciado (mas os itens e XP permanecem), os monstros ganham um upgrade no dano e defesa, e a vida continua, dessa vez com mais segurança de se enveredar por cenários agora conhecidos. 

Por último, preciso ressaltar que o modo online do game é bastante burocrático, apesar de divertido: é possível jogar com um amigo, ver outros jogadores levando a pior nos chefes e cenários (por meio de seus fantasmas), ou bancar o troll de marca maior, invadindo a partida dos outros jogadores pra acabar com a raça deles. 
Infelizmente, todas as interações acontecem por meio de sinos, que devem ser tocados em uma ordem certa e sob determinadas condições, para conseguir convidar alguém pra sofrer junto contigo. Um atraso, diante de modos online de jogos como GTA 5 ou Bioshock 2.


A LUA DO CAÇADOR...






















Sim, eu já deixei bem claro que meu compromisso com os leitores do blog está fundamentado em dizer a verdade. E eu fico bastante feliz em confessar que mordi a língua deliciosamente com a franquia Souls.

Lembra daquela história de que Dark Souls é recompensador, ao menos àqueles que perseveram? Ela é a mais pura verdade. Se você conseguir superar as falhas do jogo, e resistir às suas dificuldades, encontrará um jogo charmoso, difícil pra caramba, mas que impele o jogador a se aperfeiçoar para não ser destruído pelos inimigos mais banais.

Durante a minha jornada, tive a oportunidade de conferir o ponto de vista de quem detestava a série, de quem estava jogando pela primeira vez, e de que ainda não juntou coragem suficiente para embarcar nas aventuras propostas pela From Software.

Um desses pontos de vista surgiu em um debate na seção de comentários do blog Retina Desgastada, onde uma inspirada discussão acerca da dificuldade da série foi levantada por mim e pelos participantes. O post era sobre Doom. Eu sei, nada a ver. Mas eu colocarei o link AQUI de qualquer forma, pra quem quiser testemunhar por conta própria a argumentação em torno da dificuldade da franquia Souls.


O único lugar onde você está seguro nesse jogo.

E muito do que foi dito no debate é a mais pura verdade: a série Souls é sobre superação: cada minuto a mais que você permanece vivo; cada poção de cura adquirida; cada chefão que por pouco não te derrotou; tudo isso significa um tapa na cara de um mundo que não tolera a sua presença, e quer te ver debaixo de sete palmos de terra o mais rápido possível...

E essa é a essência vista também em Bloodborne, um jogo com personalidade e estilos próprios, que está 0% preocupado em guiar o jogador pela mão. Cobrar níveis mais baixos de dificuldade nessa série faz tanto sentido quanto protestar contra o limite de caracteres de um site como o Twitter, se é que você entende onde quero chegar.

Em sua jornada em Bloodborne você se sentirá: injustiçado, frustrado, roubado pelas estatísticas de sistema, empolgado, ludibriado e até mesmo desestimulado a continuar a jogar. Mas o sentimento que fica, mesmo depois que o chefão final tomba (no meu caso literalmente: ele ficou preso entre os túmulos do cemitério e caiu em um abismo. Bugs acontecem nas melhores famílias...), é o de recompensa. O sentimento de que os desafios impostos pelo game não foram páreo para sua determinação.
O sentimento último é o de que valeu a pena o esforço, e de que você está pronto pra uma segunda rodada de perigos, agora sabendo um pouco mais o que fazer, mas nunca deixando a guarda aberta. Isso é único nos jogos de hoje. E Bloodborne executa essa premissa com perfeição, sem se importar com a opinião de jogadores que enxergam dificuldade alta como uma falha, seguindo em frente e entalhando por conta própria um nicho único na indústria de games.


NOTA FINAL: 8,0






















Confesso que no começo eu fiquei irritado com a estratégia da From Software, ao perceber como Dark Souls 3 é parecido com Bloodborne. Por que lançar um jogo da mesma série com outro nome, eu me perguntava? Mas depois percebi que a atitude da empresa foi para o bem dos jogadores. De certa forma...

Com Bloodborne, a From Software teve a sacada genial de lançar um subproduto mais acessível a um público que não conhecia a franquia Souls, apresentando um jogo com dificuldade menos excludente, a fim de conquistar novatos. Funcionou comigo.
Eu não vou mentir, dizendo que virei um super mega fã da série, e que vou correndo comprar o Dark Souls 3 assim que acabar de escrever este texto. Mas é indiscutível que a desenvolvedora alcançou seu objetivo de expandir a base de fãs da franquia, e com certeza eu vou me aventurar no terceiro (e último) jogo criado pelas mentes sádicas da From Software, assim que o disco estiver à minha disposição aqui em casa.

Onde antes só havia espaço para frustração e julgamentos precipitados, abre-se lugar para o desbravamento de novos horizontes. Um horizonte sombrio, iluminado por uma lua cheia de ódio bestial e temor pela própria vida...

Que a caçada continue...

Au Revoir!

sábado, 4 de junho de 2016

FINAL BATTLE: SEPHIROTH



















Jogos de videogame são uma coisa fantástica. Mas, como tudo na vida, um dia eles acabam. Por mais longeva que seja a sua experiência com um game, e por mais que seu arquivo de save passe fácil dos dois dígitos de duração, um dia a princesa precisa ser salva; o lorde das trevas precisa retornar às profundezas de seu reino sombrio; e o ditador nazista zumbi terá que se recolher à sua própria insignificância, momento este que ele usará para bolar mais um de seus esquemas de dominação mundial. E a vida continua...

Pensando nisso, eu sempre me pego relembrando momentos grandiosos nos quais nós fazemos justamente isto: salvar a princesa, o mundo e, de quebra, dar descanso a um pobre ditador zumbi nazista. Para tanto, é preciso enfrentar primeiro o Final Boss do jogo. E não é exagero dizer que alguns melhores momentos da história dos games habitam justamente nesses combates de vida e morte.

Alguns bosses simplesmente não fazem jus
à qualidade do jogo em questão.

Não, esta nova série de posts não vai ser uma espécie de lista do tipo “top 10 melhores chefes finais nos games”. Pra isso já existe o canal do Youtube Watchmojo, que realiza a função a contento.
A ideia desse post (e de outros que virão) é dar vida a uma sugestão que foi dada na seção de comentários do blog Retina Desgastada (sempre ele...), no qual um dos participantes lançou o desafio para que o autor do blog descrevesse uma cena de um game da forma mais narrativa e artística possível.

Na ocasião, eu sugeri ao camarada do Retina que transformasse a ideia em um quadro no blog, visto que o resultado foi bastante recompensador. Como a ideia não foi tomada pelo site, eu me resguardo ao direito de usá-la aqui, no Mais Um Blog de Games, para estrear este novo marcador de posts.

Inicialmente a ideia seria lançar um desafio, para que os leitores tentassem adivinhar qual batalha de final boss eu estava descrevendo. Mas aí eu percebi que isso iria tolher a possibilidade de fotos entre os parágrafos, o que tornaria o post indigesto de ler.
Então, na estreia deste meu exercício narrativo em forma de homenagem a grandes chefes que tombaram diante do meu joystick, eu começo a brincadeira narrando a batalha final entre Cloud e cia. e um dos vilões mais icônicos dos games.


Outros, nem final boss não possuem...

Cabe o aviso de que eu colocarei, no fim do post, o vídeo que usei para me basear na confecção do texto. Também é bom ressaltar que o post é voltado a quem já terminou o jogo. Então, mesmo indiretamente, haverá spoilers. 
Também cabe salientar que o texto será melhor aproveitado por quem passou pelas mesmas experiências com o game que eu. Se você cometeu o pecado de gostar de JRPGs e nunca ter jogado FF7, volte daqui a 50 horas de jogo para poder aproveitar melhor o meu texto. 

Pra finalizar a enrolação, sugestões de batalhas contra chefes finais podem ser feitas nos comentários ou na página do Facebook. Claro que elas estarão sujeitas a avaliação, visto que inspiração não vende na farmácia, e pra escrever eu preciso ter jogado o jogo e ter criado um vínculo com o mesmo.


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Como que saído de uma escuridão que antecede a própria criação, uma enorme criatura com aspecto písceo paira no alto, arrogando a si mesma uma posição de superioridade, como o predador que avista sua presa de uma ótica privilegiada...

O ser, que é parte homem, parte abominação e uma outra parte que não consigo distinguir, parece estar completamente indiferente à nossa presença.
Essa impressão inicial é logo quebrada por um de seus ataques devastadores, lançado sobre mim e meus companheiros com a mesma emoção de um peixe de olhar vítreo, sem se preocupar em simular quaisquer sinais de vida...

Meus esforços parecem causar efeito algum ao colosso abissal, que se mantém inabalado diante de ataques que poderiam culminar na destruição de mundos. Seus olhares são vazios, com uma indiferença quase autista, protegida por um uma aura de aparente invencibilidade...


















Mas a solução da charada para derrotar a criatura finalmente se torna clara, e ela tomba lentamente, se desfazendo em si mesma, mergulhando na mesma escuridão que parece ter lhe concedido o sopro da vida.

Por breves momentos, o silêncio inunda o ar. O confronto parece ter acabado, quando de repente eu começo a ouvir gritos de lamento. Gritos oriundos das próprias profundezas do inferno. Lamentos de almas inocentes, que parecem protestar por terem de dividir espaço com tamanha monstruosidade.

E é nesse momento que eu me dou conta de que não estamos mais sós. Ele está aqui. Ele chegou. O Salvador chegou...

Um zumbido insuportável parece querer abrir caminho entre meus tímpanos, tornando o simples ato de permanecer de pé uma tarefa de proporções hercúleas.
A loucura de toda uma raça aniquilada pela ambição humana tenta se apoderar da minha mente, quando a tortura é finalmente interrompida por trombetas anunciando que Ele está aqui, e está voltando sua atenção exclusivamente para mim...





















O céu é rasgado por tons agradáveis de roxo e carmesim, que adornam o firmamento com o único propósito de desviar a nossa preocupação da real fonte do perigo.
Um coro de anjos entoa cânticos em sua homenagem. Cânticos de beleza e esplendor, que chegam aos ouvidos dos impuros como um aviso da imprudência de não se curvar à existência do Salvador.

Sephiroth abre os céus, pondo fim à escuridão.

Um gesto do anjo de asas corrompidas procura trazer proteção a ele mesmo. Proteção contra a malícia do homem. Outro gesto do Salvador inverte a polaridade entre o tempo e o espaço, causando um escuro e devastador frio que alcança os limiares da minha alma.

Os céus continuam, em uníssono, a clamar: meu filho, venha. Nunca me deixe morrer. Meu filho, venha, e me traga a segunda morte...

Uma carícia de sua asa negra é o suficiente para convidar a morte para entrar. E não adianta invocar a vida, pois tudo converge para que ela seja desfeita, seguindo a vontade do Salvador...


















O anjo de cabelos brancos paira no ar, ainda mais majestoso do que antes. De repente, o próprio tempo parece congelar. Sephiroth me encara. Me olha diretamente nos olhos, de um azul tão límpido que falsamente me dá a impressão de que essa semelhança física nos revela algo em comum. Então eu compreendo...

Eu tento atingir o inalcançável, golpeando apenas o vazio deixado pela falta de Sua presença. É então que eu vejo o espaço, eu vejo a imensidão do espaço trazida a mim por um segundo vislumbre do olhar de Sephiroth...

O universo parece compreender uma coisa que eu mesmo lutava para não aceitar: a vontade do anjo de várias asas reina suprema. Seu capricho é lei primeira, que rege tudo que se move, destrói planetas e chega para conquistar... e destruir.

O calor de um astro que já desistiu de resistir chega até mim. Minha pele arde diante da imprudência de desafiar um deus. Mas o pequeno planeta azul me ensina uma lição: a de acreditar no impossível.















De pé, eu e meus amigos tentamos aferir o imensurável estrago que foi causado em nossos corpos e mentes. Sephiroth carrega em suas mãos o poder de um deus. Mas o que é um deus guiado por fúria cega e ódio contra tudo que vive, comparado à benevolência de Gaia e tudo que n’Ela habita?

A vinda do Salvador me mostrou algo: que o impossível é alcançado quando você tem alguém em quem se apoiar, em quem acreditar...

A divindade prepara mais um ataque, um daqueles capazes de partir a própria existência ao meio. Mas agora é tarde...
Já nos encontramos de pé. Somos a prova altiva de que nem mesmo deuses, ou falsos deuses, são capazes de se colocar diante da nossa determinação e força de vontade. Até o coro de anjos parece mudar de opinião, concordando com meus sentimentos. Sephiroth cairá...


















Eu devo isso a Zack. Eu devo isso a Tifa, a Marlene e até a mim mesmo, um homem que ou nunca existiu de verdade, ou jamais deveria ter fingido que chegou a existir. Eu devo isso ao espírito da Terra, que toca com ternura em minha mão, me dando forças pra continuar, pra seguir em frente.

Um brilho radiante percorre a ponta da minha espada. Parece que a minha própria alma abandonou meu corpo, dando força a um último ataque que corta o ar e faz os anjos silenciarem. O impossível se transforma em um mero conceito distante, e Sephiroth tomba.

Se tem a capacidade de sentir o desespero ou a dor da morte, Sephiroth não parece ser capaz de demonstrar. Um poder avassalador começa a deixar seu corpo, em protesto, diante da blasfêmia que foi cometida através das minhas mãos.

Um som ensurdecedor, mais uma vez, perpassa meus ouvidos. A própria Criação parece se desfazer, levando consigo o corpo inerte de Sephiroth. Enfim, o tormento chegou ao fim. Mas por que eu sinto esse incômodo vazio, essa sensação de que algo de extrema importância e periculosidade foi esquecida, deixada para trás?















Então eu mergulho, rumo aos recônditos da minha mente. Agora tudo faz sentido.
Um barulho que incomoda apenas em minha cabeça dá o tom do que está por vir.
Não acabou. O quase impossível de se alcançar não viria assim tão fácil...

Se apegando à realidade através dos recônditos do meu ser, eu vejo um guerreiro e sua enorme espada. Ele está aqui, com a diferença de que “aqui” agora significa apenas dentro de mim.

Do nada, o silêncio. O único sinal de vida que eu sinto são as batidas do meu coração, que tentam me avisar de que a visão diante de mim não faz parte deste mundo. Sephiroth não está vivo. Não pode estar. Não é possível que ele ainda persista, a não ser na minha cabeça.

Um fogo queima cada célula do meu corpo, dando lugar a uma legião de heróis contaminados pela pureza da energia Mako e pelos erros da ambição humana. Um senso de urgência se apodera das minhas faculdades mentais, deixando espaço apenas para a técnica e a perfeita habilidade, pura e simples.














Meu corpo se move sem que eu perceba, e num piscar de olhos eu desfiro um sem número de ataques que rasgam o ar, o silêncio e a própria vida de Sephiroth.
Se é que essa criatura algum dia pôde ser confundida com algo remotamente parecido com vida...


O campeão de um mundo alienígena tomba, novamente. Dessa vez para sempre, para nunca mais retornar. E eu sinto o calor pueril do espírito de Gaia. Mais do que isso: eu sinto a presença de uma velha amiga, me dando a certeza de que agora eu não estou mais só. Não mais...




Au Revoir!