Há pouco mais de vinte anos os jogadores brasileiros viviam uma dura realidade que assolava não só a economia do país mas tudo relacionado ao seu meio de entretenimento preferido, muito embora que muitos naquela longínqua época ou fossem crianças demais para se darem conta, ou simplesmente ainda não fossem nascidos.
Jogos originais custavam cifras milionárias, literalmente, e a maneira
mais comumente adotada para jogar por aqueles que presenciaram o nascer de
estrelas como Sonic, Ryu ou Jill Valentine era frequentar fliperamas ou
locadoras que cobravam pela hora (da morte).
Diante de um panorama no qual ficava impossível prever qual seria o
preço de um mesmo produto uma semana após a compra, adquirir um console daquela
geração era carta fora do baralho para 99% dos jogadores de videogame.
Não havia empresas representadas oficialmente no Brasil, salvo alguns
consoles obsoletos da Sega que custavam “apenas” alguns milhares de Cruzeiros
Reais.
Da indústria brasileira de games nem se fala: os títulos produzidos aqui
se resumiam a meras trocas de skins de clássicos dos grandes consoles em
vigência, a exemplo dos jogos da Turma da Mônica, Os Trapalhões e alguns outros
mais.
BRAZIL, I KNOW BRAZIL...
Com o tempo veio o amadurecimento da indústria e dos próprios
jogadores. A empresa dominante levou uma grande rasteira da ambiciosa estreante, uma outra veterana responsável por ouriços azuis saiu da jogada e o resto é
história.
O que se sucedeu aconteceu de forma natural: com consoles populares
batendo recordes de venda (e de “desbloqueio”), uma lampadazinha começou a bruxulear
na cabeça dos magnatas que seguravam as rédeas da indústria: “se um número tão
significativo de pessoas compram consoles para desbloquear e adquirir dezenas
de discos piratas em um ano, isso pode significar que uma pequena (mas ainda
assim relevante) parcela desses mesmos consumidores esteja disposta a pagar alguns
múltiplos mais para ter seus escassos, mas legalizados, jogos originais”.
Esse, provavelmente, foi o pensamento que se passou pela cabeça dos
magnatas da indústria, que deixaram escapar que “conheciam o Brazil” e que
talvez o idioma português BR não fosse assim algo tão impossível de se instalar
no sistema operacional de um console...
Mais uma década se passou, algumas centenas foram adicionadas à
contagem dos parâmetros de resolução de tela e eu tive que morder a língua, dar
o braço a torcer em um ângulo que desafia os dogmas da anatomia moderna e
deixar pra trás a minha ideia ranzinza de que “eu nunca vou ver um jogo
original sendo vendido por menos de R$150,00”.
Mas o que mudou na produção e desenvolvimento de jogos dos anos 1990
pra cá?
Não se preocupe: você não verá aqui uma análise tétrica (desculpem,
não resisti a tentação do trocadilho) sobre a evolução da indústria brasileira
e o que mudou na economia brasileira e no mercado de games verde-e-amarelo nos
dias atuais. Apenas uma descompromissada visita a alguns dos mais recentes
títulos desenvolvidos aqui no país que ganharam destaque na última década. Aperte
os cintos e venha com o titio Shadow em mais um passeio nos devaneios da
Shadowlândia.
P.S: antes de começar, de factu
o texto, gostaria de salientar que as opiniões presentes no texto a seguir são
o mais puro reflexo do meu modo de ver as coisas e da minha experiência de
vida. Se você quiser bancar o intelectual caga-regras falando coisas como “mas Mônica no castelo do dragão vendeu na
verdade 10.001 cópias, ao invés das 10.000 que afirma o texto”, te
aconselho a ir praticar sexo oral em um canavial de falos e me deixar ser feliz
na minha demência costumeira. Estamos conversados? Que bom...
CUIDADO COM O HOMEM DO SACO...
O começo dos anos 2000 foi marcado por uma bolha de MMORPGS, aquele
velho estilo de jogo que você passa horas matando inimigos que te dão 0,000000001
de XP até você enjoar e partir pro próximo. Como invejosos inveterados que são, os brasileiros não podiam ficar de fora da festa e lançaram, em 2004, Erinia,
um jogo de gráficos toscos e datados mas que contava com um diferencial bem
pitoresco: ABORDAR O FOLCLORE BRASILEIRO.
Claro que naquela época a coisa mais próxima de um console com conexão
à internet que eu possuía era um relógio-calculadora de R$10,00 que eu ganhei
de aniversário quando tinha 11 anos, então nada mais natural afirmar que eu
nunca joguei o jogo em questão. Pra quem tiver curiosidade em saber qual era a
sensação de espancar a mula-sem-cabeça ou o Curupira a troco de 0,00000001 de
XP, aqui vai um vídeo de jogabilidade do game:
Eu não sou o sujeito mais patriota que você vai conhecer durante a
vida, mas cultura é cultura e, como conhecimento que é, deve ser registrado,
assimilado e valorizado pelos moradores de um país. E a cultura presente no
folclore brasileiro é riquíssima. Se duvida, leia um daqueles livros infantis
que abordam o tema. Ou melhor, assista a um dos episódios de Cata-lendas, uma
maravilhoso programa de TV realizado por um canal educativo que dá show de como
fazer uma atração (no melhor sentido da palavra), que tem a missão embutida de
educar sem estorvar.
Se Erinia fez sucesso ou não, apenas a Ignis Games e os especialistas
no mercado é quem podem dizer. Mas nunca se esqueça: jamais confie em pessoas
de meia-idade carregando um saco nas costas...
UMA ESPADA QUEBRADA LOGO NOS
PRIMEIROS MINUTOS DE JOGO...
Se tem uma coisa que eu detesto é o chamado “coitadismo”. E esse é um
fenômeno que costuma acometer muitas das produções brasileiras quando o assunto
é desenvolvimento nacional de jogos.
Toren, game brasileiro (gaúcho, pra ser mais exato tchê!) em
desenvolvimento desde o ano de 2011, foi produzido como incentivo da nefasta
Lei Rouanet e ganhou vida apenas no presente ano de 2015. E onde fica a parte
do coitadismo nessa história toda? Simples: se o governo do Brasil saísse do
caminho, parasse de classificar games como jogos de azar e de cobrar impostos
em cascata, o próprio mercado e os consumidores dariam conta de presentear
títulos brasileiros com o sucesso que eles merecem. Ao menos quando merecerem.
Toren foi um jogo mediano que sofreu comparações irrefutáveis com
títulos como Shadow of the Colossus. Mas a alegria de ver a bandeira do Brasil
pululando na tela de sites como IGN ou Game Trailers parece ter nublado todo e
qualquer senso de julgamento de alguns analistas brasileiros, que se apressaram
em colocar panos quentes nos defeitos indiscutíveis de jogabilidade e
criatividade que o título apresenta.
Não joguei e nem pretendo jogar Toren, e dificilmente vou me deixar me
levar pelo entusiasmo e pela emoção que arrebatou os críticos brasileiros, que
acham que o game merece ser jogado “nem que seja para prestigiar uma produção
feita no Brasil”.
Já passou a época do deslumbramento. Os jogos vieram pra ficar e
participam cada vez mais em diversos aspectos da nossa cultura. Não acho nada
justo ou honesto comprar um jogo que de outra forma não chamaria a minha
atenção se não ostentasse as cores da bandeira brasileira em sua capa.
De qualquer forma, fica um vídeo pra quem não conhecia e ficou curioso
em saber como é esse Shadow of the Colossus regado a trilhas de sal e espadas
quebradas logo no início da aventura.
FALHA CRÍTICA PRO CAVALEIRO DE
PAPEL
Existem algumas categorias de jogos brasileiros que devem ser levadas
em consideração quando analisamos um título. Há aqueles jogos, como parece ser
o caso de Erinia, que mesmo sendo toscos tentam brilhar por mérito próprio na
injusta competição entre superproduções AAA da indústria e modestas iniciativas
nacionais. Também existem aqueles lobos em pele de cordeiro, que mesmo sendo
brasileiros procuram se disfarçar de produtos made USA para colher os louros
sem precisar aprender nem o "the book is on the table" básico. Knights of Pen and Paper
é um desses casos.
Com um humor escrachado típico das grandes comédias americanas, Knights
of Pen and Paper conquista o jogador com toneladas de referências à cultura pop
americana e mundial (Gremlins, Tartarugas Ninja, O Senhor dos Anéis, Super
Mario Bros, Power Rangers...) e alguns gramas de referência ao folclore e
cultura brasileiros, como um certo morador da floresta viciado em tabaco que
anda em uma perna só.
Mesmo não conquistando pela familiaridade com elementos da nossa
cultura, o jogo nos brinda com uma das melhores idéias já realizadas em um jogo
para celulares: nós controlamos um grupo de jogadores de RPG que participam de
uma sessão legítima de jogo de tabuleiro, com direito a falhas críticas,
batalhas repetitivas em busca de XP e um Mestre de sessão que faz de tudo para
acabar com a raça dos participantes com as fichas de inimigos mais apelativas
já vistas em um live action.
Desse aqui eu falo com conhecimento de causa: terminei todas as quests
disponíveis na versão integral do jogo (sem os DLCs) e me orgulho de ter
deixado o Carinha que entrega pizzas e o E.T feiticeiro em um nível de evolução
de causar inveja ao mais experiente jogador de GURPS. É incrível como esse tipo de jogo pra celular pode nos dar uma dimensão do tempo que perdemos no médico ou em filas de banco.
Eu fiz um texto sobre esse e outros jogos de celular aqui no post. A qui vai o link para quem quiser saber, com mais detalhes, minha impressão sobre
este ótimo game. Mas se sua praia é assistir ao invés de ler, aqui vai um vídeo
com um pouco do gameplay do game.
COLANTES PRA TODOS OS GOSTOS...
Você sabe o que é um Tokusatsu? Não? Mas você sabe quem são os Power
Rangers, não é mesmo? Tokusatsus são aqueles seriados japoneses com lutadores
espremidos em colantes constrangedores (ah, Ranger Rosa e Amarela...
Protuberâncias que faltam em cima sobram em baixo, se é que você me entende...)
e que geralmente terminam com uma batalha em cima de robôs gigantes e monstros
feitos de explosivos morrendo ao final de cada episódio.
Então, Chroma Squad é um jogo no qual você comanda um diretor que
decide fundar seu próprio estúdio de gravação de tokusatsus. E tudo isso regado
a muito humor em português BR e toneladas de piadas referentes ao gênero.
Infelizmente não vou poder usar a expressão “com conhecimento de causa”,
visto que esse eu também ainda não criei coragem de jogar. E se a premissa do
jogo não foi o suficiente para despertar a sua curiosidade, deixo um vídeo com
um pouco das sandices pastelonas engendradas pela mesma equipe que
trouxe à vida o Knights of Pen and Paper (o Behold Studios).
DESCENDO MORRO ABAIXO...
Falando em lobo em pele de cordeiro e de jogos que gostam de se
perfumar com o modo americano de desenvolver, paro agora para falar do motivo
de eu ter pensado em escrever esse post e do meu ranço com o atual cenário de
jogos desenvolvidos aqui no país.
Depois que Kojima e Del Toro deram para trás, a vaga de “jogo
assustador que abusa de jump scares que se passa em uma casa imersa nas trevas”
acabou ficando livre. E os produtores brasileiros da... peraí! Um passarinho
acabou de pousar na minha janela para me contar que o game brasileiro Colina
foi totalmente realizado por uma única pessoa, Denis Alvarez, utilizando o
motor gráfico Unity 3D, o mesmo utilizado no célebre Slender. Isso muda tudo! Agora
tudo faz sentido. SQN...
Se eu pudesse entrevistar O criador do game, perguntaria o porquê de
Colina ter passe livre para contar uma boa história ou tentar surpreender, mas
insiste em utilizar fórmulas desgastadas que envolvem jump scares com aumentos
súbitos do volume e ambientes absurdamente escuros.
Quero dizer, os brasileiros desenvolvedores de games sempre vêm com a
mesma conversa da falta de apoio e difíceis condições de mercado (um mimimi que
não deixa de ser verdade, apenas repetitivo), mas quando têm a chance de
colocar uma ideia nova pra fora do papel o máximo que conseguem entregar é uma
cópia de títulos consagrados do gênero?
Eu não ficaria nada surpreso se essa Colina se revelar bastante
Silenciosa com o passar das horas de jogo, se é que você me entende...
CONCLUSÃO
Pelo menos na minha visão das coisas, o mercado de games ainda está em
fase embrionária quando se fala em desenvolvimento de produtos originais, com
uma personalidade própria e que não sejam meros espelhos comerciais dos já
consagrados gêneros vistos nos mercados japoneses e americanos.
E infelizmente posso afirmar que essa frase vale para quase todos os meios de entretenimento, não apenas os games.
E infelizmente posso afirmar que essa frase vale para quase todos os meios de entretenimento, não apenas os games.
Não estou dizendo que jogos brasileiros devam deixar de ser feitos, ou
que seja um pecado mortal representar em um game nacional uma cultura que não a
sua própria (Resident Evil 1 e 2, por exemplo, já faziam isso há muito tempo). Só acho que esse sentimento de “ei, olhem pra mim: sou o
coitadinho que finalmente conseguiu realizar alguma coisa” devia ser deixado
para trás em prol de jogos realmente originais e que tenham a nossa cara (nada
de histórias sobre Amazônia, o cangaço ou a seca no nordeste, for god sake!), nos dando
reais motivos para abrir nossas carteiras em prol do incipiente mercado
nacional que parece estar esperando apenas pela oportunidade ideal de soltar um belo
brado retumbante.
É claro que existem milhares de outros exemplos de jogos nacionais, como o belo Xilo por exemplo. Mas fico por aqui mesmo para não tornar o texto mais extenso do que o normal para um post de improviso. Espero que tenham gostado e até o próximo post.
É claro que existem milhares de outros exemplos de jogos nacionais, como o belo Xilo por exemplo. Mas fico por aqui mesmo para não tornar o texto mais extenso do que o normal para um post de improviso. Espero que tenham gostado e até o próximo post.
Au Revoir!
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