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quinta-feira, 13 de agosto de 2020

ANÁLISE: THE LAST GUARDIAN














O Playstation 2 foi um dos meus consoles favoritos, junto com o Super Nintendo. O motivo disso, longe de apenas ter a ver com números de vendas, é por causa de sua vasta biblioteca de excelentes títulos e variedade dos mesmos. 

Já nos primeiros anos depois de sua estreia o console nos presentearia com jogos que viriam a se tornar verdadeiros clássicos da indústria, como Final Fantasy 10 (leia AQUI o post), Metal Gear Solid 2 (falei dele AQUI), GTA 3 e por aí vai. Outro desses títulos notáveis foi o ICO. 

Lançado nos EUA no dia 22 de março de 2002 (fonte das datas: Wikipedia), o jogo trazia uma visão artística, progressão e atmosfera que iam justamente na contramão do show de luzes e animações frenéticas que o novo console da Sony fazia questão de esfregar na cara do jogador do que era capaz de entregar. 


Teste
Os jogos se passam no mesmo mundo, isso é indiscutível.

ICO, basicamente, é um jogo de plataforma em 3D cujo objetivo é escoltar uma mulher (princesa?) em meio a cenários colossais e paisagísticos enquanto evita o encontro com seres das sombras que demonstram um interesse quase animalesco em capturá-la. 

Como o garoto que nós controlamos e a princesa foram parar naquele lugar? Esse detalhe, assim como outros elementos de enredo (que seriam esperados de um jogo em 2002) não eram esclarecidos durante o jogo. E essa era uma das características mais marcantes de ICO, a sua história contada mais por ações e contextos que por palavras. 

Lançado em 2005, no Japão, e no começo de 2006 nos EUA, Shadow of the Colossus (Wander and the Colossus no Japão, daí o protagonista ser conhecido como “Vander” nas fases iniciais de desenvolvimento) chegava às lojas cravando o termo “sucessor espiritual” mais firme que nunca em nossas mentes. 

O clássico exemplo onde os acertos mais
que compensam as falhas.

Se a proposta de ICO era nos colocar em cenários fechados e labirínticos, com inimigos comuns em relativa abundância e sem nada que pudesse ser chamado de “chefe de fase”, Shadow of the Colossus trazia uma pegada completamente contrária: um jogo majoritariamente de “mundo aberto” sem combates contra inimigos corriqueiros. 

A ideia aqui era fazer um tipo de sandbox onde lutássemos apenas contra “chefes de fase”, cujos corpos e topografia dos cenários (e a forma como os derrotávamos) se constituíam como um quebra-cabeças per si só. 

Contando com gráficos espetaculares pra sua época, alto teor artístico/contemplativo e uma trilha sonora simplesmente inigualável, Shadow of the Colossus se tornou um clássico instantâneo da indústria, arrebanhando uma legião de fãs e fazendo sucesso comercial suficiente para lhe render um completo remake para PS4 (para ler a análise do remake, clique AQUI). 


Se o original já era bonito, o remake vai
tirar seus globos oculares das órbitas.

Com o sucesso de críticas e público dos dois primeiros jogos (mais o segundo que o primeiro, sejamos realistas) nada mais natural que uma continuação (mesmo que indireta) fosse anunciada. The Last Guardian, ainda durante o ciclo de desenvolvimento ativo do PS3, foi confirmado estar em produção pelo talentoso time de ICO no ano de 2009, com lançamento programado para 2011. 

Onze anos depois e uma novela de adiamentos maratonada, foi lançado em 2016 The Last Guardian, um dos jogos mais aguardados da atual geração do PS4. O jogo ficou à altura de seus antecessores? Ou foi além, conseguindo superar obras-primas do nível de Shadow of the Colossus em execução, jogabilidade e trilha sonora original? 

Então, antes de falar a velha frase “são essas e outras perguntas que eu pretendo responder agora, na análise de The Last Guardian aqui no Mais Um Blog de Games”, eu pretendo começar a analisar os aspectos técnicos desta obra abrindo com uma reflexão. 

As ilustrações do load são bem legais.
Pena que não exercem nenhum papel relevante à trama.

Não me leve a mal. Eu amo de paixão jogos japoneses. Soa até ridículo precisar dizer isso, visto que dois dos meus jogos favoritos de todos os tempos EVER, Kingdom Hearts (review AQUI) e Crono Trigger (clique AQUI para ler a análise) são oriundos desse país. 

Entretanto, é indiscutível que os nipons possuem um jeito bastante... pitoresco de fazer as coisas que os diferem das pessoas de outras nações do mundo. Sim, o que muitas vezes é uma falha se configura como uma das maiores qualidades do povo japonês: a tenacidade e persistência em se manter fiel a uma ideia ou jeito de se fazer algo, não importam as críticas. 

O problema é que games são produtos feitos para serem consumidos por pessoas de diferentes partes do mundo e, em casos como o do Team ICO, fica bastante evidente que projetos como The Last Guardian foram tremendamente prejudicados por causa dessa “visão” peculiar que desenvolvedores japoneses aparentam ter com relação a suas criações. 

"Princesa emplumada? Eu?"

Onde eu quero chegar com essa enrolação toda? É que eu acho que Fumito Ueda (o cabeça por trás do projeto) é o tipo de criador que parece só ser capaz de ter uma única ideia a cada reencarnação e, a menos que a crítica especializada deixe bastante claro que houve algum problema, ele vai continuar fazendo as coisas exatamente do mesmo jeito que ele julga ser o mais correto. 

Depois de finalizar ICO e Shadow of the Colossus, penso eu que um dia Ueda acordou e matutou consigo mesmo: “e se a gente fizesse um ICO onde fôssemos acompanhados por um colosso miniatura ao invés de uma princesa?” Seus colegas de trabalho assentiram, o projeto ganhou luz verde da Sony e assim surgiu The Last Guardian, o jogo cuja análise, agora sim, você vai poder conferir no Mais Um Blog de Games. 

 

HISTÓRIA (2,5) 

Quem leu meu texto sobre Silent Hill (texto AQUI) e outros jogos sabe como eu sou pouco fã dessa coisa de fazer um jogo/filme/história qualquer-porra-que-seja onde os roteiristas não se esforçam em explicar nada, deixando a história aberta a interpretações. Não estou dizendo que isso não possa dar certo, apenas que prefiro enredos mais diretos. 

Mesmo não sendo uma continuação categoricamente falando, The Last Guardian seria o que podemos chamar de terceiro jogo do universo ICO. De fato, mesmo sem o jogo explicar joça nenhuma, um bom observador vai perceber que existe um padrão no que é visto aqui com relação aos outros jogos. 

Por exemplo, o design dos ambientes e artefatos encontrados na aventura segue um padrão visto nos outros jogos (superfícies pedregosas com runas entalhadas nelas). O escudo que o protagonista usa lembra a espada mágica do Shadow of the Colossus, bem como a forma que o jogo retrata magia e elementos de fantasia. 

As dicas do narrador: ora só dizem o que
você já sabe, ora desaparecem quando você mais precisa.

Entretanto, já vamos no terceiro jogo dessa franquia e as coisas simplesmente não andam pra frente na lore do universo criado pelo Team ICO. O máximo que você pode fazer (além de pesquisar na internet, o que eu particularmente não gosto) é tentar amarrar as pontas pelas migalhas que te são oferecidas. O moleque de chifres do ICO é o bebê do final do Shadow of the Colossus? E as sombras que aparecem depois que você mata um colosso, são da mesma natureza daquelas que atacam o garoto em ICO? 

É por essa razão que eu sou contra esse recurso de não contar uma história ativamente e deixar que o espectador tire suas próprias conclusões. Quando feito da forma correta, o resultado pode ser um enredo misterioso e sutil de se acompanhar. Da forma que Ueda e seu time fazem fica parecendo apenas que houve preguiça de desenvolvedor relaxado que quer passar a responsabilidade de contar uma boa história ao jogador (ou à imaginação dele).

 

Eu esperava um maior aproveitamento
das capacidades colossais de Trico.

Infelizmente, ao persistir nesse recurso narrativo detestável, The Last Guardian perde uma excelente oportunidade de contar solidamente a história do elo entre uma pessoa e um ser fantástico que é visto por uns como um monstro, e por outros como um salvador. Oportunidade essa que, sejamos sinceros, games como Majin and the Forsaken Kingdom se saem bem melhor em aproveitar (análise desse excelente jogo AQUI). 

A impressão final, depois de aproximadamente 15 horas de jogo (eu só sei disso porque abri um troféu por finalizar o game em menos de 15 horas), é um enredo sem nexo, que parte do nada pra chegar a lugar nenhum e espera que o jogador entenda por osmose a mensagem que ele quer passar. 

Nem o óbvio de fazer um gancho deste com os jogos passados os criadores pensaram em fazer. Se fizeram, me desculpe, ou eu não percebi ou estava chateado demais com os problemas de jogabilidade pra prestar atenção a ele (várias vezes eu precisei respirar fundo pra me recuperar da vontade de desistir, enquanto jogava).

 

O clichê de que você era só mais um.
Sério isso, Team ICO?

Como se não bastasse, os roteiristas usaram o recurso narrativo manjado de terminar o jogo da mesma forma que você começou. E, pensando nisso, por que raios disparados pela ponta da cauda o game se chama O Último Guardião, se o final deixa claro que o ciclo recomeça, na cena onde um habitante da vila levanta o espelho ao céu? 

Não estou dizendo que é impossível não se apegar à história do jogo ou à relação de Wandinho com Trico. Há, inclusive, quem relate que até suou pelos olhos ao testemunhar o final do game, coisa que eu simplesmente não me senti sensibilizado a fazer. 

Só acho que, se um jogo decide tolher um aspecto qualquer de sua obra (gráficos, música, interatividade, variedade de gameplay ou complexidade de sistema) em prol de uma experiência focada em apenas um objetivo (aqui é a jornada e relação dos dois personagens principais), que ele seja abundante e competente em outros pontos, coisa que The Last Guardian não conseguiu realizar, ao menos pra mim. 

 

GRÁFICOS (8,5) E SOM (3,0) 

Pra falar dos visuais de The Last Guardian eu preciso contextualizar o leitor, da mesma forma que o fiz logo no começo do post. Esse jogo foi planejado pra ser lançado na geração do Playstation 3, como já deixei escapar acima. 

Eu não vou entrar no mérito ou detalhes do histórico de atrasos e da novela de desenvolvimento do jogo, já que esse tipo de problema parece fazer parte do modus operandi do TeamICO/Japan Studio. Se duvida de mim, lembre-se que ICO foi planejado para ser um jogo de Psone originalmente. 

Então, partindo pros visuais, não é que The Last Guardian seja um game feio, longe disso. A seu modo, ele é impressionante e grandioso. Possui animações suntuosas em alguns momentos e traz locações dignas de obras de fantasia como The Elder Scrolls ou filmes como A história sem fim (filme da década de 80) e O Senhor dos Anéis.

 

Dê um desconto pra minha rabugice: mesmo
uma geração atrasado, TLG é bem bonito.

O problema aqui é que ele saiu numa época em que já tínhamos obras como The Witcher 3 e Fallout 4, só pra citar dois exemplos bem óbvios de games competentes da atual geração. Então fica meio que na cara os sinais do tempo que este jogo aqui traz com seus problemas de desenvolvimento. 

ICO saiu pra PS2. Shadow of the Colossus também. The Last Guardian pulou uma geração (a do PS3) e saiu logo pra PS4, mas parece que a desenvolvedora esqueceu disso e nem sequer tentou dar uma atualizada nos visuais. Não me leve a mal. Eu não estou julgando um grifo pela cor de suas penas. 

Um dos meus jogos favoritos dessa década é Stardew Valley (análise AQUI), um game com visual de 16-bits (era do SNES, pra quem não sabe o que esses números significam) em pleno PS4. Sendo assim, a última coisa da qual eu posso ser acusado é de ser um jogador superficial que só liga pra visuais. 

As partes na água são particularmente legais.

Gráficos não importam tanto quando o produto final está a contento e, mesmo que eles apresentem problemas (como a série XCOM), eles podem ser facilmente relevados quando o produto final compensa suas falhas com qualidades inquestionáveis. Infelizmente não foi o caso aqui. 

Trico, o minicolosso-gato-grifo-cachorro gigante seria um personagem digital surpreendente se tivesse aparecido na geração adequada. Mesmo com um comportamento meio errático, ele é admirável de se assistir e esbanja carisma e personalidade (mesmo sem dizer uma palavra). Disso ninguém discorda. 

O problema é que os sinais de idade do jogo não se restringem só a texturas. A animação do protagonista parece que ficou estacionada no tempo desde que a equipe trabalhou no ICO, sendo EXATAMENTE A MESMA DAQUELE PRIMEIRO JOGO.

 

A animação de Wandinho é bizonha.
Parece que ele é feito de papel.

Eu sei que a ideia era fazer movimentações pretensamente realistas (quedas, tropeços, ameaça de cair de beiradas) pra dar uma cara de naturalidade ao jogo, mas o resultado é um personagem que engasga em tudo em seu caminho e se comporta como um boneco de pano bêbado com problemas neurológicos. 

Agora a parte do som. Deus, faça com que 2020 acabe mais rápido que o planejado pois parece que todos os jogos mais problemáticos e cabulosos da minha biblioteca de games resolveram entrar na fila pra serem jogados todos ao mesmo tempo (XCOM 2, Cuphead, este aqui...). 

Enfim, depois de me recompor desse desabafo eu posso afirmar que The Last Guardian não traz quase nada de música a jornada inteira. Mesmo nos momentos onde ela existe, não apresenta muita personalidade própria, muito embora que seja de boa qualidade, devo admitir.

 

"Eu quero a música do game anterior de voltaaaaaaa!!!"

Essa falta, a da OST, foi o maior balde de água fria que eu poderia levar na cabeça com esse jogo, já que Shadow of the Colossus é um jogo inigualável em trilha sonora e o esperado por mim, nesse caso aqui, era um “sucessor” que ao menos tentasse ficar à altura do título passado. 

Sim, eu saquei que a pegada The Last Guardian era trazer uma proposta de jogo parecida com a de ICO, com o protagonista sendo acompanhado por um filhote de colosso (no lugar de uma princesa inútil que precisa ser arrastada pelo braço) embalado apenas por sons ambientes. 

Mas, depois de uma trilha sonora que marcou época, privar o jogador desse aspecto técnico é um tiro no pé enquanto decisão artístico-criativa por parte do Team ICO. Sim, meu inocente leitor, desenvolvedores de games, do alto de seus pilares de deuses da indústria, também tomam decisões ruins... 

 

SISTEMA (1,5) 

 

Já sabe a regra: o tópico final, Sistema, é aquele com o qual eu vou finalizar o texto e onde vou tecer as maiores críticas sobre o game. E eu juro que tentei gostar da experiência de The Last Guardian, mas acho que o próprio jogo estava bastante empenhado na tarefa de não permitir que isso acontecesse... 

Pra começar, os caras do Team ICO conseguiram o que parecia ser impossível: criaram um protagonista com controles, animação e movimentação piores do que o Wando do Shadow of the Colossus. De fato, se eu não tivesse jogado Martian Gothic antes desse aqui eu arriscaria dizer que The Last Guardian tem uma das jogabilidades mais anacrônicas que eu experimentei num jogo. 

Antes que eu me esqueça, que bosta de ideia foi aquela de apertar mil botões pra sair da tela de game over? O que diabos isso acrescenta a um jogo? Parece aquelas macaquices do Kojima que todo mundo fica batendo palma como se fosse a reinvenção da roda, mas que só servem pra irritar o jogador.

 

A mira corre feito louca na hora de usar o escudo.

Pressionar botões pra se livrar de runas malégnas depois que você é capturado por uma das estátuas autômatas faz completo sentido (pois representa a luta física de Wandinho pra se livrar de seu algoz). Mas essa bosta na tela de continue, a mim só serviu pra me irritar ainda mais e maltratar os botões do meu controle. 

Além desses pequenos detalhes, The Last Guardian apresenta mecânicas datadas acompanhadas de uma das câmeras mais teimosas e abomináveis que eu já experimentei num jogo. Tiveram a brilhante ideia de fixar a visão no protagonista e, mesmo que você a corrija com o analógico direito, ela teima em fixar no garoto. 

A câmera desse jogo torna as horas com The Last Guardian desnecessariamente cansativas. Várias vezes eu me peguei pensando “uma personagem como Lara Croft, do Psone, passaria por esses obstáculos com uma mão amarrada nas tetas.”

 

Wandinho bem que podia ter tetas maiores e um par de pistolas automáticas...

Mas Shadow, você quer comparar uma tchutchuca altamente treinada e armada até os mamilos com um moleque catarrento que mal saiu das fraudas? Tá ficando louco?” Então, lembra daquela coisa que eu sempre falo, que um conceito só deve ser levado em conta até o ponto onde ele não atrapalhe a execução prática das coisas? Pois é... 

Eu confesso que se não tivesse o compromisso de nunca analisar um jogo que não finalizei, dificilmente eu jogaria esse jogo até o fim. E fico tentando me colocar no lugar de um jogador desavisado que comprou esse game sem fazer ideia do que se tratava... 

Falando em mecânicas simplórias e datadas, é triste precisar escalar dois lances de escada pra dar de comer a Trico um barril só porque ele não consegue esticar o pescoço e comer algo que você arremessa na cara dele. Às vezes ele até surpreende e acerta essas tarefas corriqueiras de primeira. Às vezes não, o que me faz lembrar do adjetivo “errático” que eu uso ao longo desse texto.

 

Mecânica de se equilibrar em madeiras em pleno 2016?
É sério isso, Team ICO?

Mas não pense que esses queixumes aparentemente bobos são tudo de ruim que o jogo tem a oferecer. Seus problemas reais vão começar quando Wandinho (o apelido que eu dei ao protagonista moleque alcoolizado com mal de Parkinson) ganhar a “habilidade” de dar comandos a Trico. 

Por “dar comandos” entenda-se: você muitas vezes vai colocar pra um lado com o controle e o personagem vai apontar numa direção nada a ver. Ou então ele vai escalar pra um lado quando você está tentando ir pra outro. E sobre comandos, prepare-se: tudo que você leu sobre a desobediência de Trico era a mais pura verdade. 

Tanto faz ele subir de primeira num canto (muitas vezes você apenas sobe nele e espera chegar ao seu destino) como levar 20 minutos (juro que isso não é uma hipérbole) pra ele entender aonde você quer chegar. Trico, nesse sentido, é completamente de lua. Tanto faz ele sair pulando e te levar automaticamente a seu objetivo quanto ignorar friamente um comando óbvio que você está dando a ele.

 

Wandinho: "Trico, é pra você comer o barril!"
Trico: "O quê? Morder o funil? Qual funil?"

Nesse contexto, a tarefa mais simples (como dar um salto numa plataforma à sua frente) vira um quebra-cabeças de Silent Hill no nível Very Hard de dificuldade. Isso pelo fato de Trico se tratar de uma versão colosso de Agro, o cavalo teimoso e lazarento do Shadow of the Colossus. 

The Last Guardian é um jogo bastante pretensioso nesse sentido. Ele cobra que você tenha um saco de ferro pra resolver enigmas simplórios, com a dificuldade aumentada artificialmente pela jogabilidade ruim (como subir um declive com um barril nas mãos), só pra depois escoltar Trico do ponto A ao ponto B e ficar tentando adivinhar o que tem que fazer pra avançar (os desafios, na maior parte do tempo, não são nada intuitivos). 

Um dos elementos mais marcantes do jogo deveria ser o ato de subir em Trico e usá-lo pra alcançar lugares, visto que ele é um colosso em miniatura (o enredo do jogo não afirma isso categoricamente, mas tá na cara). Entretanto, a escalada no bicho é conturbada e problemática, com comandos imprecisos e desobedientes. O protagonista chega ao cúmulo de ficar de cabeça pra baixo e ir na direção oposta à que você inseriu no controle (a mesma falha que eu apontei no Shadow of the Colossus).

 

"Trico, sua mãe é uma galinha!"

Gideon, quer dizer, Trico tem uma inteligência artificial que tenta ser realista (como a do xenomorfo de Alien Isolation), mas que consegue no máximo ser errática e aleatória. Muitas vezes você vai ficar preso num cenário por causa de uma coisa que você sabia que ele podia fazer, mas por algum motivo ele decide ficar olhando pra parede com uma concentração quase autista. Na parte final do jogo, na hora de pular pra torre branca com a antena da Oi, eu fiquei preso porque ele passou horas pra realizar a ação de saltar. 

O jogo, cinicamente, te propõe a resolver enigmas de exploração e interagir com objetos, mas a exploração é prejudicada pelos terríveis controles e animação “realista” de Wandinho (ele tropeça, cai sem motivo e entala com tudo no cenário) e os enigmas são simplórios num nível Goofy & Troopy, do SNES, o que acaba meio que contrastando com o trabalho que você tem pra realizá-los. 

MEIA. HORA. PRA FAZER. ESSE ARROMBADO.
PISAR. NA GANGORRA!!!

Por causa desses problemas de controles, um reles pulo em linha reta numa plataforma (corriqueiro em outros jogos) vira um martírio de se executar, e momentos grandiosos acabam sendo sabotados pela jogabilidade horrorosa do jogo. The Last Guardian não deixa você gostar dele, visto que quando você começa a sentir empatia pelos acontecimentos do enredo, o game te tortura com problemas de jogabilidade que assombravam jogos de duas gerações atrás. 

A título de completude de texto, a física de objetos é tão confusa que vai te fazer duvidar se você está no caminho certo  pra resolver um enigma (como na parte onde temos que empurrar um cilindro de ferro rampa acima) e acho que ela, assim como os gráficos, é o que mais denuncia que The Last Guardian é um estranho no ninho, um jogo que devia ter saído uma geração atrás mas chegou atrasado à festa.

 

Wandinho: "Trico, se eu cair e morrer você vai me enterrar na areia?"
Trico: "Não, não, VOU ATOLAR!"

Claro, seria desonesto dizer que tudo está errado com o sistema de The Last Guardian. O jogo tem sim seus momentos bem sacados, como na parte que precisamos fazer Trico pular na água pra Wandinho alcançar uma alavanca mais alta. Mas esses momentos são muito esparsos e, definitivamente, não pagam o estresse que você vai aguentar até chegar neles. 

 

O ÚLTIMO GUARDIÃO, ASSIM ESPERO... 

The Last Guardian, como já deu pra perceber ao longo do texto, não consegue se igualar nem a seu antecessor, Shadow of the Colossus, um jogo de PS2 lançado em 2005. 

A beleza e o potencial do jogo se perdem no meio de uma execução desastrosa, com uma jogabilidade que parece fazer homenagem aos mais retrógrados títulos do PS1, ausência de música e experiência de jogo desagradável de se atravessar. 

Claro, ao mais inclinados a gostar do jogo ainda existe a alternativa de tentar enxergar os problemas de uma forma mais poética e simbólica a fim de colocar panos quentes no desastre que é The Last Guardian. Mas eu aconselho, sinceramente, que você não faça esse tipo de coisa. É por causa desse tipo de complacência que erros continuam sendo perpetuados na indústria.

Não vejo problema num jogo que pretende ser simplista em sua proposta (o próprio Shadow of the Colossus é um perfeito exemplo de quando isso funciona). O problema é ele não conseguir executar essa proposta de forma convincente em seus aspectos mais básicos (não se espera, em pleno 2016, um jogo no qual você tem dificuldade de andar em linha reta sem tropeçar em tudo). 

NOTA FINAL: 4,0

Ninguém pode acusar Trico de não
usar a cabeça pra resolver os enigmas.
 

É como se a mentalidade e os padrões de qualidade de seus criadores tivessem ficados congelados no tempo e eles não tivessem aprendido nada com os erros de seus próprios projetos passados, algo que denota no mínimo acomodação e falta de interesse em se superar por parte do time de desenvolvimento do game (na esperança que a mídia faça vista grossa às falhas). 

É lamentável ter que rebaixar a nota de um jogo tão aguardado por mim dessa forma, mas eu estaria sendo desonesto se recomendasse ao jogador uma experiência que não foi agradável nem pra mim mesmo (2020, eita ano difícil...). Dessa forma, mesmo sabendo que a mensagem nunca chegará ao destinatário, eu gostaria de deixar um recado ao diretor do jogo: 

Sr. Fumito Ueda, se isso foi o melhor que você e seu time conseguiram colocar no mercado, depois de 11 anos de lacuna entre seu último jogo e esse, pode deixar pra lá. Não precisa mais fazer jogos. Sua equipe visivelmente não tem nada de bom a acrescentar à indústria de games, seja na parte meramente técnica de elementos que compõem um jogo, seja em valor narrativo.” 

Trico sofre da síndrome de Mumm-Ra.

E é isso, pessoal. Sinto ter que trazer mais um texto negativo sobre um jogo dessa forma sequencial aqui no blog, mas fazer o quê. Parece que as mais pessimistas expectativas e o ano de 2020 resolveram andar de mãos dadas sem medo de expor seus sentimentos mútuos. E não seria o frágil mundo dos games a escapar desse matrimônio diabólico. 

Espero que você tenha lido essa análise em tempo de não comprar The Last Guardian desavisado, que o texto (apesar de negativo) tenha sido proveitoso a quem chegou até aqui, e nos vemos na próxima bomba a ser analisada aqui no blog (dica: tem a ver com xícaras e cassinos).

 

Au Revoir!


2 comentários:

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