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sábado, 6 de outubro de 2018

ANÁLISE: THE SEXY BRUTALE (PS4)






















Se agosto é uma época do ano na qual tudo pode dar errado, outubro é o mês onde as bruxas estão soltas, vampiros anseiam por jugulares alheias e zumbis se levantam de seu sono inquieto para caçar cérebros. E ainda tem o agravante das eleições, onde monstros não tão divertidos quanto os da ficção tentam de todas as maneiras continuar a sugar o sangue do brasileiro e perpetuar seu reino de terror e destruição. Mas isso é assunto pra outro blog...

Nos games, apesar da abundância de modos zumbi em diversos jogos de tiro, o gênero horror não vem contando com muitos representantes de qualidade nos últimos anos. Apesar de insta fenômenos como Five Nights At Freddy’s, Slender ou Amnesia, eu sinto a falta de bons representantes do gênero survival horror.

Eu, assustado? Imagina. Por quantas horas um ser humano consegue prender o xixi mesmo?

Oba, então The Sexy Brutalle é um jogo de horror com muita brutalidade e cenas de sexo?” Claro que não, troll da internet! Pode ir tirando o cavalinho da chuva de sangue. Longe disso, The Sexy Brutalle foi apenas o mais perto que eu cheguei a encontrar de um jogo de terror pra falar aqui neste mês de outubro, no Mais Um blog de Games. E acho que depois dessa ficou mais que óbvio que eu não fazia ideia de como abrir esse post, não é mesmo? Pra não prolongar mais a encheção de linguiça, fiquem com as minhas impressões do game de uma vez por todas.


HISTÓRIA (8,5)


O relógio bate quinze para as quatro. O estampido de um rifle de caça ecoa pelos cômodos da velha mansão. Às dezenove horas começa o baile.  Enquanto isso, uma vida humana se encerra no balanço de uma corda e o corpo de uma bela cantora é dilacerado por cacos vidro e aço. Às vinte uma e quinze, uma aranha se dedica ao que seria sua última refeição. Às vinte e duas horas o show já havia começado. O preço a se pagar pelo espetáculo? Uma repentina queda de energia e o ceifar das vidas de dois jovens rapazes.

Às vinte duas e meia um vencedor comemora sua vitória brindando com sua mais amarga derrota. O relógio badala vinte e três horas, espalhando uma chuva de sangue e cheiro de carne queimada pra onde quer que se vá. Mas o horário de ouro é mesmo às quatorze e dez, quando um corpo atravessa um vitral e reinicia todo o ciclo que trará de volta à vida aqueles que nunca deveriam ter partido...

A bizarrice rola solta. Vai por mim.

The Sexy Brutalle conta a história de Lafcadio Boone, um aristocrata que acorda em uma mansão onde os convidados parecem estar sendo assassinados pelos empregados do local. Como se não bastasse, cada uma dessas pessoas (inclusive você) usa máscaras irremovíveis que estão relacionadas a esses assassinatos.

Uma misteriosa figura banhada em sangue se ergue do chão pra te alertar de que o dia está se repetindo, sempre começando pelo meio-dia e indo até a meia-noite, quando todo o ciclo de mortes começará mais uma vez, sem previsão de quando irá terminar. Cabe a você tentar descobrir não só o que está causando esse fenômeno, como impedir que os assassinatos aconteçam. Pra apimentar as coisas, as máscaras usadas por todos na mansão parecem estar possuídas por entidades malignas que te atacam ao menor sinal da sua presença, impedindo que você alerte qualquer pessoa do perigo real que as espreita.

The Sexy Brutalle é o tipo de jogo onde fica impossível falar mais do enredo sem recair no crime dos spoilers. De fato, o jogo sofre daquele problema de ser bem melhor aproveitado quando tudo ainda é novidade pra quem segura o controle, visto que (como é comum a esse tipo de obra) boa parte da motivação de jogar se esvai quando você já desvendou o mistério central da trama.

Se quiser descobrir o que o Lucas fez, vai ter que jogar!

Mas, de forma geral, cabe uma observação acerca do enredo que não se enquadra no campo dos spoilers propriamente ditos: é bem frustrante saber que os personagens que você se esforçou tanto pra salvar vão acabar morrendo de qualquer jeito, muito embora que sua missão de salvá-los tenha sido cumprida. Ainda bem que, depois que você lida com a inevitabilidade dos eventos e compreende seu sistema, fica mais fácil seguir em frente e aproveitar o game da forma como ele foi planejado pra ser jogado (não se apegue muito e siga pra próxima vítima, pois shit happens...).

Há uma boa dose de morbidez no jogo, vá se acostumando.

Esse tópico do post é um sobre o qual eu já sabia que iria pisar em ovos ao escrever, pois The Sexy Brutalle é uma daquelas obras que você ganha mais por entrar de cabeça sabendo o mínimo possível sobre ela. O final do jogo, sem estragar a surpresa de ninguém, é bem mind blowing e vai dar um nó quase indesatável na sua cabeça, cobrando uma das decisões mais difíceis que eu tive que tomar num jogo nos últimos tempos (encerro por aqui ou uso o relógio pra voltar no tempo?).

Ainda em tempo, os conflitos psicológicos do protagonista e a história como um todo me lembraram muito a finada franquia Silent Hill em sua forma de lidar com distorções de realidade e tragédias envolvendo atos questionáveis de pessoas com sérios problemas de relacionamento para lidar com.


GRÁFICOS (8,0) E SOM (9,5)


Quando se fala em visuais, The Sexy Brutalle dá um cavalo de pau e entra na contramão do padrão de jogos indie a que estamos acostumados a ver: ele possui gráficos espetaculares, com personagens surpreendentemente realistas e bem animados, sem abrir mão de belos efeitos de luz e sombra. A escolha do design SD (super deformado) de personagens, por incrível que pareça, não tira a seriedade dos temas abordados no enredo ou o impacto das mortes dos convidados da mansão.

A perspectiva de câmera escolhida aqui foi a de “casinha de bonecas”, onde o jogador enxerga os ambientes meio que de cima, meio que de lado, com zoom out em alguns momentos para facilitar o entendimento do que se passa em cômodos adjacentes da mansão. Para bisbilhotar o que as vítimas (ou seu futuro agressor) estão aprontando, Lafcadio conta com o recurso de espiar pelo buraco da fechadura, entrar em armários e ouvir por trás das portas (ações essas muito bem representadas, com ícones de passos e balões de diálogo para cada contexto que as situações exigem).

Uma linda casinha de bonecas...

Sobre o som, eu poderia começar dizendo que logo na primeira cena do game, onde Lafcadio está inconsciente perto de um relógio, você já percebe que vem algo de promissor pela frente (no tocante a qualidade sonora). Mas isso seria um desserviço ao design de som idealizado para este jogo: LOGO NA TELA PRINCIPAL você se dá conta da qualidade musical que o game tem guardado pra você. Não é exagero dizer que você vai adiar o ato de “PRESS START” só pra ficar curtindo a batida tema principal do cassino.

A certeza que fica é que, quando um estúdio não precisa se preocupar com números de vendas ou contagem de polígonos de um título, sempre sobra mais tempo pra dedicar à qualidade de outros aspectos técnicos de um projeto. A OST aqui é da mais alta qualidade. Não é à toa que vem o disco com as músicas na versão física em blu-ray.

Finalmente. Uma porra. De foto. Que combina. Com o tópico. Som!

Além de puro deleite com sua qualidade, o som em The Sexy Brutalle exerce papel fundamental na experiência do jogador (o que eu acho que sempre devia acontecer com todos os jogos), como na parte da cantora Tequila Belle ou em vários outros momentos (apesar de que nenhum dos diálogos são dublados). E não é só com relação a músicas não: de uma forma geral, parar para ouvir os sons de passos e outros detalhes é fundamental (e enriquecedor) para um melhor aproveitamento de sua experiência de jogo (se meu fone 7.1 não tivesse ido pro beleléu, provavelmente eu recomendaria seu uso nessa parte do texto).


SISTEMA (9,0)


É raro um jogo aqui no blog ganhar nota alta no quesito Sistema por sua originalidade, ao invés de ganhar por uma boa execução. Bem, chegou a hora de mudar um pouco o cardápio, pra variar.

Imagine um episódio de CSI com a limitação cronológica do filme Feitiço do Tempo (se ainda não viu, assista!). Tudo no jogo acontece simultaneamente, não importa quão avançado você se encontre no enredo ou o que os personagens secundários estejam fazendo (é meio perturbador saber que, assim que o jogo começa, ele meio que já está se encaminhando para seus eventos finais... só pra começar tudo outra vez!).

Pra evitar os assassinatos é preciso coletar informações e itens, a fim de enganar o assassino da vez (é sempre um mordomo) ou impedir seu acesso à cena do futuro crime. Muitas vezes você vai perder os itens que conseguiu encontrar no cenário, só restando a frustração (boa) de tentar de novo, desta vez munido de mais conhecimento sobre a situação. Apesar do sistema de reinício de tempo parecer sufocante no começo, The Sexy Brutale foi um dos poucos jogos em que eu joguei com um contador de tempo acima da minha cabeça e isso não foi um problema, muito pelo contrário: a obrigação de ter que recomeçar faz parte da diversão do game!

É preciso ler. Muito.

Pra tentar resumir como funciona The Sexy Brutale, pense da seguinte forma: imagine que o filme Feitiço do Tempo teve um filho com o jogo de tabuleiro Detetive ao som de Imitation of Life, da banda R.E.M. A prole desse casal inusitado seria The Sexy Brutale, uma quimera espaço-temporal que brinca com a sua capacidade de refazer sem repetir, de descobrir algo que já sabia, só que por uma ótica totalmente nova (e holística) que pode fazer toda a diferença.

Quem me conhece sabe que geralmente eu detesto limite de tempo em jogos (morrer afogado com o Sonic vinte mil vezes deixa uma pessoa meio traumatizada, sabe como é...), mas aqui ele (o tempo) é usado de forma inteligente, em favor da mecânica da qual gira em torno. É reconfortante, empolgante, saber que, não importa o que aconteça, erros do passado podem ser corrigidos com um toque no botão de retroceder o relógio a qualquer momento. Até a minha falta de memória deixou de ser um problema jogando esse jogo (errou o caminho? Aperte L2, volte no tempo e seja feliz tentando pela milésima vez!).

Dá pra se esconder, mas não é a temática do jogo.

Mas esteja avisado de que é preciso ter tolerância com backtracking e tentativa-e-erro pra se dar bem com esse game. Sim, há muito backtracking em todo o gameplay, mas o que você esperava de um título com mecânicas de retroceder no tempo? Felizmente, é deliciosamente divertido ver como situações que você presenciou no começo do jogo, quando você não fazia ideia do que estava acontecendo na mansão, se encaixam no contexto geral do enredo.

Por exemplo, depois de horas ouvindo música de jazz no cassino, você finalmente descobre quem era a banda responsável pela melodia. “O que eu faço pra abrir o cofre antes que o assassino entre na sala? E pra que serve aquela cápsula vazia que eu achei no chão”? É bem legal o exercício de ligar os pontos e descobrir como lidar com os problemas que envolvem evitar as mortes dos convidados.

É frustrante quando o tempo acaba e você não descobriu onde usar a corda do relógio...

Uma grata surpresa que eu tive com The Sexy Brutale foi que, acima de tudo, ele é um jogo de investigação. No começo ele é até meio que simples e fácil demais (como na primeira morte, a do rifle de caça). Mas, quando chegar ao caso da sensitiva que se enforca no sino, dúvidas reais e genuínas de como montar as peças do quebra-cabeça que rodeia as mortes vão se apoderar da sua sanidade (peraê: se a chave só aparece DEPOIS que ela morre, como eu vou fazer pra evitar que isso aconteça?).

O jogo salva automático depois de certos eventos e quando você usa a máscara de Reginald nos relógios antigos espalhados pela mansão. Essa mecânica, a dos relógios de checkpoint, funciona muito bem. Com um pouco de atenção à ordem dos eventos, é possível até usá-los em seu próprio benefício, seja pra testemunhar cenas que ajudam na resolução dos enigmas quanto na possibilidade de encurtar distâncias no mapa. E a cada morte evitada, uma máscara com uma nova habilidade é desbloqueada, então aproveite para explorar e descobrir mais detalhes (mesmo de casos que você já solucionou) acerca dos convidados da mansão.

Tem muitos itens, mas a máscara de xeretar conversas sussurradas é o meu favorito.

Uma crítica vai para a máscara da penúltima vítima, um dos arquitetos do lugar: ela, teoricamente, revela detalhes dos ambientes, mas eu sinceramente não percebi mudança nenhuma depois de sua aquisição. Também critico o delay irritante para abrir algumas portas, coisa que só pode ser uma enrolação para disfarçar telas de carregamento.

Em alguns momentos nosso personagem chega ao cúmulo de ficar de costas para uma porta a qual você está com a maior pressa de atravessar, ignorando completamente o comando que você acabou de inserir. Isso vai te obrigar a apertar o botão xis mais vezes do que devia ser necessário, pra ter certeza que a ação será realizada.


O MORDOMO É O CULPADO...


“A indústria de games não inova.  Só saem as mesmas continuações de velhas e rentáveis franquias. O mercado de games está saturado criativamente.” Com certeza você já deve ter ouvido esse discurso em mais de um lugar na internet inclusive, talvez, até aqui no meu blog. Mas você já parou pra pensar quantas chances você deu, neste ano, a jogos com propostas diferentes? Jogos onde o foco não é deixar o jogador estupefato com gráficos ou contagem de polígonos na tela?

Então, The Sexy Brutale é o tipo de jogo que me deixa feliz em saber que existem empresas com coragem para apostar em conceitos diferentes, mesmo que estejam fadados a não encabeçar listas de mais vendidos do ano.

NOTA FINAL: 8,8

É um jogo maravilhoso e surpreendente, um sopro de criatividade a quem procura experiências diferenciadas nos games. Nunca pega o jogador pela mão, sempre atiçando sua curiosidade do que precisa fazer pra prosseguir (cada detalhe novo descoberto sobre seu próximo alvo vai ser comemorado com aquele ar de “huuumm, então era isso que ele estava fazendo às X horas no local Y...”).

"Hum, será que eu já passei por aqui antes?"

O game consegue arranjar um casamento perfeito entre interface gráfica e sonora (aliadas a elementos Metroidvania de jogabilidade) que poucas vezes eu vi trabalhar tão bem a favor de uma proposta de jogo (o que é intencionado pelos criadores funciona, simples assim). 

Há um agradável tom de “”Resident Evil” clássico em sua exploração, um charme em desbloquear novas áreas ou a intrigante curiosidade de saber o que há por trás daquela porta trancada (mesmo com a possibilidade de espiar pelo buraco da fechadura) que vai segurando o jogador até o momento da aterradora verdade sobre o destino dos convidados do cassino The Sexy Brutale.

Paciência sem abusar da boa vontade do jogador, capacidade de observação, atenção aos detalhes: The Sexy Brutale é um daqueles jogos que não se joga às pressas, sem parar pra raciocinar ou tentar juntar os pontos do que o sistema do game quer que você saiba em determinado momento da aventura.

Sabe aquele tipo de jogo que dá vontade de jogar de novo,
pra ver como tudo se encaixa?

Toda sua experiência é regada a um senso de urgência que, em outros jogos, seria motivo de rejeição imediata da minha parte. Aqui, como os eventos são bem planejados (e os personagens cabeçudinhos são super carismáticos), o resultado final é uma corrida contra o relógio (literalmente) pra fazer o melhor possível dentro do menor tempo disponível.

Como já deu pra perceber que minha criatividade pra elogios se esgota com uma velocidade constrangedora, vou encerrar o post por aqui e recostar a cabeça no travesseiro com tranquilidade esta noite, pois tenho a certeza de que cumpri a missão (do Mais Um Blog de Games) de indicar títulos desconhecidos que podem significar uma ótima experiência de jogo aos de coração mais aberto a propostas menos main stream da indústria.

Au Revoir.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

ANÁLISE: YU-GI-OH! LEGACY OF THE DUELIST (PS4)






















Yu-Gi-Oh! É aquele tipo de franquia que todo mundo já ouviu falar. Até pela quantidade de títulos lançados, fica impossível não saber, mesmo que levemente, do que se tratam os jogos. Lançado em 1996 por um japa chamado Kazuki Takahashi, o card game que com certeza se inspirou em obras como Magic The Gathering foi lançado para praticamente todos os consoles da década de 90 até agora (acho que só não saiu Yu-Gi-Oh! pra Sega Dreamcast porque não deu tempo...).

Não é novidade pra ninguém que os jogos eletrônicos dessa franquia são feitos mais pra servir de propaganda para o chamado TCG (trading card game), um jogo de cartas reais que arrebata cada vez mais jogadores ao redor do mundo. E o pior é que a estratégia vem dando certo: em conjunto com as séries animadas, os games são responsáveis por ingressar ao mundo de papel e sleeves jogadores que só estavam acostumados a ver as cartas na telinha de uma TV ou computador.

Jogadores de Yu-Gi-Oh!: gastando dinheiro em "pedaços de papel" desde 1996...

Em quase tudo que está à disposição pra jogar na franquia eu passei ao menos os olhos: o clássico Forbidden Memories, de Psone; quase toda a franquia GX, para PSP; as versões de PS2; e algumas tentativas desajeitadas de inserir a franquia nas gerações mais atuais, com versões para PS3, PS4 e mais recentemente, PC (por meio da Steam).

Apesar de todo esse know-how que eu tenho com a série, aqui no blog o único jogo analisado até agora tinha sido o primeiro GX de PSP, post esse que pode ser lido AQUI. Entretanto, nem só de passado vive o espírito de um faraó, e ao jogador assíduo dos certames de cartas sempre bate aquela vontade de conferir os jogos mais recentes disponíveis pra jogar.

Mesmo com o suporte ferrenho da Konami com o TCG (ou joguinho de cartas “de verdade” para os íntimos) e sua avalanche de coleções especiais e listas de banimento quase trimestrais, é impossível não ficar com aquela sensação de que o jogador (dos games eletrônicos) vem sendo deixado de lado pela Konami, uma empresa que resolveu jogar a toalha e abandonar suas eternas franquias (Castlevania e Metal Gear, por exemplo) pra se dedicar a outras formas de lucro mais fácil.

Um Yu-Gi-Oh! de graça? Sinto cheiro de carta-armadilha virada pra baixo...

Diante desse panorama nada animador, quais as opções ao jogador que não liga muito pras cartas de papel e quer apenas continuar acompanhando a série por meio de fótons e cartas digitais? As opções são várias: mesmo que você não leve em conta as “não oficiais” (emuladores e sites clandestinos que oferecem uma interface de jogo muitas vezes superior aos produtos oficiais da Konami), sempre há um jeitinho de continuar disparando rajadas de trovão branco na cara de seus oponentes ou obliterar completamente suas existências com a força do poderoso Exodia.

Yu-Gi-Oh! Legacy of the Duelist é uma dessas alternativas aos fãs mais cativos (muito embora que atualmente deixados de lado) da franquia milionária da Konami. Apesar de ser um jogo sem muitas novidades no quesito sistema ou interface, é sobre ele que eu pretendo tecer algumas poucas (muitas) linhas de considerações agora, no Mais Um Blog de Games.


HISTÓRIA (NULA)


Eu costumo dizer que existem alguns jogos que não precisam, necessariamente, de uma história pra acontecer. Algumas franquias, a exemplo de God of War, Castlevania ou Megaman, são impulsionadas mais pelo simples prazer de jogar em si do que por motivações narrativas ou avanço de lore como um todo.

Quem liga pra falta de lógica nos robôs do Dr. Wily enlouquecerem pela milésima vez? Quem quer saber da falta de desconfiômetro de Kratos em ter seu tapete puxado pelos deuses trinta vezes seguidas? O que importa é poder decepar cabeças de medusa e ganhar as habilidades dos chefes derrotados e seguir jogando sem pensar no amanhã.

Yu-Gi-Oh! segue a mesma lógica: não espere nada muito profundo em qualquer um dos jogos, muito menos em títulos praticamente sem interface como é o caso do Duel Links ou deste aqui, o Legado do Duelista. Apesar de haver tentativas de engrossar um pouco o caldo narrativo da série, como no caso do Duelist of the Roses, nada interessante no tocante a enredo jamais vai brotar de um dos games dessa franquia.

INF-N8: um robô de tanguinha que pesquisa a história dos duelos. Foi pra isso que a ciência evoluiu?

No caso do Legacy of the Duelist (PS4, Steam e Xone) temos apenas uma desculpa para justificar os elementos de jogabilidade (caso não tenha ficado muito claro, JOGAR CARTAS): uma espécie de robô bibliotecário está compilando dados sobre os maiores duelos de todas as franquias clássicas da série e cabe a você reviver esses grandes momentos do mundo dos duelos.

Pra quem jogou praticamente todos os jogos, como é o meu caso, e assistiu boa parte das séries animadas, o jogo cumpre bem seu papel saudosista de te fazer relembrar alguns momentos marcantes da saga. Lembra daquele duelo onde Mai passa perfume nas cartas pra saber o que iria puxar em seguida? Ou aquela parte do GX onde Jaden massacra Bastion com o combo de Kuriboh alado? Então, quase todas essas partidas poderão ser revividas no modo campanha do jogo.

A razão da palavra “quase” que eu escrevi na linha acima reside no fato de que nem todos os duelos clássicos estão representados no jogo. De fato, alguns duelos presentes na campanha deixam aquela interrogação na nossa cabeça de “por que eu estou travando aquele duelo onde Jaden batalha contra um macaco quando eu poderia estar encenando algo de mais relevância pro legado da série? ”

A Other Ocean odeia a fase Arc-V. Só pode ser isso.

Eu sei que provavelmente essa lacuna é pra “impulsionar” a compra de conteúdos de DLC, aspecto esse que eu vou criticar apropriadamente na parte do Sistema. Mas acho que nada justifica o fato de algumas campanhas (como a do Duel Monsters e GX) estarem quase completas, com vários duelos, e outras (como a do Arc-V) só contarem com UM DUELO DE TUTORIAL QUE NEM MODO REVERSO NÃO POSSUI. 

Sobre as campanhas que de fato estão completas, há uma quantidade quase cavalar de duelos pra serem desbloqueados. Se você não for um fã saudosista da série, é mais fácil enjoar e parar de jogar do que sentir falta de alguma coisa. Mas fica a queixa registrada sobre a falta de congruência na escolha dos duelos.

De resto, não espere nada de original nos eventos retratados aqui (daí a nota inédita no blog): até pelo título, Legado do Duelista, a ideia é fazer um tour pelas principais séries animadas lançadas até então acerca do universo de Yu-Gi-Oh! (são cinco campanhas: Duel Monsters, GX, 5D’s, Zaxal e Arc-V). E, mesmo que aos tropeços, nessa parte o jogo até que não deixa muito a desejar em questão de conteúdo disponível.


GRÁFICOS (5,0) E SOM (3,5)


Sempre que eu tento analisar os gráficos de um Yu-Gi-Oh! eu me deparo com um problema. Esse problema existe por causa de uma peculiaridade com esse tipo de jogo: não importa se o título não tem uma interface muito boa ou um personagem controlável pra te guiar pelos cenários, se a interface e os gráficos dos duelos estiver a contento, está tudo bem. É como se os gráficos fossem representados sob dois pontos de vista: o que realmente interessa (o dos duelos) e todo o restante.

Num jogo de cartas, o que importa são as cartas, não é mesmo? No caso do Legacy, a interface está toda ok: a forma como você navega pelas opções durante os duelos, coloca cartas em campo e ativa efeitos está de acordo com os padrões GX de qualidade exigidos aqui no blog. Em tempo, a ferramenta de busca de cartas, na edição de decks, não chega a ser tão completa como no GX, mas não decepciona em facilitar a sua vida diante da enxurrada de cartas que você vai encontrar pela frente.

Alguns efeitos são até "legaizinhos", mas você sabe que o PS4 consegue entregar muito mais.

Os visuais das cartas em si estão a contento: a resolução é boa, o texto é grande (você vai precisar ler MUITO se quiser aprender a jogar Yu-Gi-Oh! de forma geral) e tudo é muito claro e sem muitas complicações (o modo de editar decks vai dar um pouco de trabalho aos menos habituados, mas nada que o tempo não cure).

Já o visual das animações, dos cenários e os efeitos como um todo são um show de horrores. Sabe aquela expressão batida que eu sempre uso pra desmerecer os gráficos de um jogo (visuais dignos da era 32-bits)? Então, esse é exatamente o caso do Legado do Duelista, não importa em qual aparelho você o execute. As texturas dos cenários são tenebrosas, fazendo vergonha a jogos de Playstation 2 no começo de geração.

A opção de zoom com o botão triângulo seria um recurso mais que bem-vindo aos portáteis.

Os cenários possuem poucos detalhes e lembram muito porcamente alguns palcos clássicos (como o Reino dos Duelistas ou a Batalha da Cidade) vistos nos animes. As animações de invocação de monstros clássicos (Mago Negro, Blue-Eyes, Neos...) são tão pobres e desajeitadas que vão te fazer ligar o PS2 com Final Fantasy 10 dentro só pra relembrar do que um trabalho dedicado e artistas 3D competentes são capazes de entregar quando se comunicam entre si. 

Já o prazer de abrir pacotinhos de cartas, a exemplo do modelo-a-seguir GX, foi completamente estragado pela falta da animação que havia nas lojas de cartas dos games anteriores. E só pra constar: a crise se abateu sobre Domino City e o vendedor do Card Shop perdeu seu emprego...

Sobre o som, aqui temos outro tropeço da Konami: fica evidente que, apesar da demanda saudosista que este game exige, a empresa delegou para o desenvolvimento um estúdio que visivelmente não fez sua lição de casa em detalhes básicos que são conhecidos até pelo fã mais desatento da série.

Alguns backgrounds não são muito indicados aos mais fracos de estômago.
Imagina passar vinte minutos olhando pra essa parada gay fora de época?

A trilha sonora do game é totalmente sem vida, com faixas originais que dão sono ao invés de entreter durante os duelos (quem joga sabe que alguns combates nessa franquia podem passar de meia hora de duração). Nem a ideia óbvia de reutilizar as músicas próprias de cada fase dos jogos (Forbidden Memories, GX, etc.) os criadores tiveram (ideia essa que qualquer Youtuber iniciante na edição de vídeos conseguiria ter).

Eu sei, reciclar criativamente pode não ser uma coisa muito boa a se fazer. Mas, se for pra colocar uma trilha que nem fede nem cheira, que não acrescenta nada à experiência de jogo, eu preferia que eles reutilizassem as músicas clássicas, visto que Yu-Gi-Oh! no geral sempre contou com OSTs de alta qualidade (ouça à faixa Sebek & Neku, do Forbidden Memories, e volte aqui pra concordar comigo).

No mais, a despeito de experiências como a do Duel Links, abandone quaisquer esperanças de diálogos dublados, temas que tocam em momentos específicos do duelo ou qualquer outra periquitagem desse nível.


SISTEMA (7,1)


Nada muito diferente do que o jogador está acostumado será entregue aqui: um jogo de cartas 1 contra 1 onde vence aquele que reduzir os pontos de vida do oponente a zero. Há uma caralhância de cartas para todos os gostos, desgostos, opções sexuais e idades que vai te fazer urrar de desespero em meio a tantos arquétipos e estratégias possíveis que o jogo possibilita. E acredite, isso é algo muito bom.

Antes de começar a revelar as minhas cartas-armadilha de descontentamento viradas pra baixo, eu preciso desabafar que o Legado do Duelista, infelizmente, ainda é o mais completo e atual modo de jogar Yu-Gi-Oh! com o máximo de cartas disponíveis. Desabafo sim, pois a Konami não esboça nenhuma intenção de lançar novos jogos pra console no estilo dos excelentes GX ou Duelista das Rosas.

Se você gosta de Yu-Gi-Oh! vai ter que se conformar com o atual modelo de negócio que a Konami está disposta a empurrar goela abaixo das duas gerações de fãs que curtem seus produtos: jogos sem interface alguma, com baixa interatividade e zero de enredo, focados no nefasto modelo de microtransações que rasteja tentando passar despercebido pelas frestas das carteiras dos jogadores de videogame.

Quantidade de cartas avassaladora, mesmo com alguns poréns...

Enfim, voltando ao tópico: no Legado dos Duelistas, como já citado, há um modo Campanha no qual você vai ajudar o robô INF-N8 a registrar os duelos clássicos vistos nos animes. Nesse modo você usará decks de história, aqueles usados pelos personagens em seus respectivos momentos do enredo (por exemplo, a primeira batalha é Yugi usando deck de Exodia contra Kaiba e seus Blue-Eyes).

Some a esses confrontos a possibilidade de inverter as posições de batalha (vencendo ao menos uma vez é possível trocar de lado e dar o troco no personagem que tava te dando trabalho pra derrotar) ou usar um deck criado por você mesmo, caso esteja com muita dificuldade de prosseguir, e você terá à sua disposição uma quantidade bem satisfatória de duelos pra revisitar.

Também há os Challenges, desafios contra os personagens derrotados no modo Campanha, só que com baralhos tunados ao extremo, capazes de transformar até a Téa na mais perigosa oponente. Mentira, NADA no mundo é capaz de tornar Téa um desafio sério, mas o que eu quero dizer é que esses desafios vão trazer as novas mecânicas (como Synchro ou Xyz) a personagens com decks manjados.

Alguns desafios são realmente... desafiadores!

Então, não se surpreenda ao ter seu traseiro chutado por um Pegasus usando um deck de Madolche, fazendo uma Xyz Summon atrás da outra; ou um Mako Tsunami colocando DUAS cartas de 3200 de ataque logo no primeiro turno do duelo. Esteja avisado e monte um deck personalizado o quanto antes, se quiser encarar esses desafios.

A fim de completude de informações, não posso esquecer de falar que há um modo online com leaderboard e tudo, mas as partidas possuem um lag sem lógica que triplica o tempo de um duelo desnecessariamente, mesmo enfrentando oponentes a uma rua de distância da sua casa (por que raios eu consigo jogar um jogo com DOZE participantes online, sem lag, como no caso do Overwatch, mas um jogo com DOIS duelistas roda devagar quase parando?). 

E o nível das opções de busca de partida ou customização das mesmas é quase nulo. Pra desestimular ainda mais os dueleiros profissionais, há regras ocultas tiradas da bunda da Other Ocean que te impedem de usar alguns de seus baralhos personalizados sem que haja nenhuma explicação do porquê acontecer (pra não falar das cartas com regras erradas, como no caso da Fluffal Owl).

Falando sobre quantidade de cartas, mesmo com as confusas interfaces da Loja de Cartas (há avatares dos personagens clássicos, mas você não faz ideia do tipo de carta que pode vir em cada um deles), ela é bastante satisfatória, trazendo um leque de opções que vai te permitir jogar com arquétipos clássicos (como o Blue-Eyes e seus protetores) até os mais recentes decks de Xyz ou o Pêndulo e seus Camarartistas. Quanto a isso, pode ficar tranquilo.

Por que, Konami, por quê?

O conteúdo em DLC adiciona alguns duelos meio que desnecessários, em alguns casos (como os da Batalha da Cidade) e, em outros casos, que servem pra tapar um buraco que nem deveria existir no modo Campanha (como na fase Arc-V). Isso pra não falar da falta de lógica em algumas escolhas (que foram feitas propositalmente para forçar o jogador a comprar): por que raios eu tenho que duelar QUATRO vezes contra Alexis quando faltam duelos como a batalha de Jaden contra Darkness ou o excelente duelo de Axel contra um emissário de Darkness?

Mas a pior crítica aos DLCs deve ser feita mesmo com relação ao seu custo-benefício: são 17 conteúdos (que adicionam, além dos combates extras, receitas de baralho que muitas vezes destoam completamente dos decks que você viu nos animes) custando de R$10,00 a R$15,00 cada (season pass? Esqueça!).

R$15,00 pra jogar duelos de uma temporada filler? VTNC, Konami.

Mas Shadow, o jogo custa R$39,00 na Steam e R$40,00 nos consoles. Se eu comprar todos os DLCs eu vou pagar quase cinco vezes o valor do jogo!!!” É exatamente isso que acontece, caro troll da internet. Seja bem-vindo ao modelo insidioso de negócio que a Konami tenta, ano após ano, empurrar goela abaixo do jogador não muito bom em matemática.

Felizmente, se você é um jogador casual de Card Games e está pouco se lixando pra’quele duelo onde Yuya chuta o traseiro de Sora sem dó nem piedade, o conteúdo disponível no jogo-base é mais que suficiente pra você enjoar de jogar.


O LEGADO DO DUELISTA AO CUSTO DO LEGADO DA KONAMI


É com muita tristeza que eu afirmo que Yu-Gi-Oh!, ao menos nos consoles, está jogado às traças. Já que lucra milhões com a venda de cartas reais e angaria fãs e mais fãs a cada dia que passa, a Konami não vem demonstrando nenhum interesse em lançar jogos de qualidade (a exemplo do GX e do Duelista das Rosas) para consoles ou PCs (o PS Vita foi eutanasiado pela própria Sony sem ver um jogo sequer da franquia).

Se você parar pra pensar no tratamento frio e monetarista com que a Konami vem tratando suas marcas, vai se dar conta de que a atual situação de Yu-Gi-Oh! nos games nem é tão incompreensível assim: pra quê ela vai se dar ao trabalho de contratar uma desenvolvedora minimamente interessada em fazer um jogo de qualidade se o que mais importa a ela, as verdinhas, vão continuar a entrar na sua conta de qualquer jeito?

NOTA FINAL: 6,6

De um jeito meio torpe, Yu-Gi-Oh! continua a pleno vapor e oferecendo conteúdo constantemente atualizado a quem curte esse estilo de jogo (seja no TCG, seja nos jogos eletrônicos). Entretanto, a Konami parece ter encontrado seu porto seguro ao lançar jogos praticamente inacabados, sem diálogos ou um personagem pra controlar. Jogos esses que apenas mantêm acesa a lúgubre chama da esperança dos jogadores de ver um título de peso, de primeira linha, lançado na geração atual de games (ou na próxima. Pelo menos por sonhar eu não vou pagar R$15,00 via DLC...).

A carta mais forte do jogo, a Konami Negra de Olhos Puxados,
carregando um poderoso ataque pra destruir as expectativas do jogador...

O Legacy of the Duelista vale a pena ser jogado? Sim, vale, mesmo que eu ainda ache que seu preço devia ser cortado pela metade, visto que uma empresa merece receber pelo seu produto na proporção da dedicação que direcionou a ele. Apesar da nota mediana, é um jogo sobre o qual eu tinha uma opinião das piores antes de jogar, mas que se mostrou uma grata surpresa a quem quer apenas se manter no ramo dos duelos num console/PC de geração atual.

ATUALIZADO: pelo seu enorme fator replay e pela grande disponibilidade de conteúdo (mesmo a versão padrão sem DLCs), achei mais justo subir um pouco a nota final (um ponto extra além da média aritmética dos tópicos) pra não ficar parecendo que meu julgamento se baseou apenas em aspectos técnicos. Espero que os leitores entendam.

Au Revoir.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

ANÁLISE: HERE THEY LIE (PS4)






















Apesar de ter começado como um exercício de imaginação sobre até onde a tecnologia do entretenimento seria capaz de nos levar (lembra do Holodeck?), a realidade virtual é uma ferramenta maravilhosa que vem transformando diversos campos do conhecimento humano. Desde um tour virtual por um imóvel do seu interesse até uma simulação de cirurgia, as possibilidades abertas com esse segmento tecnológico estão num mesmo nível de “encurtamento de distâncias” que o e-mail significou no começo da década de 90.

E é claro que os games não ficariam de fora dessa festa. Não mais vistos como brincadeira de criança há um bom tempo, os videogames sempre caminharam lado a lado com as inovações tecnológicas e de mercado, impulsionando segmentos completos que, muitas vezes, só faziam sentido se analisados pela ótica de quem joga (como no caso da corrida por melhores placas de vídeo, nos PCs).

Se você nasceu na década de 2000 e começou a jogar videogames há não muito tempo, termos como Playstation VR, HTC Vive ou Hollow Lens podem soar como novidade para você. E na verdade devem soar como novidade mesmo: apesar dos games já flertarem com as três dimensões desde a década de 80, a realidade virtual é um ramo dos games tão novo que acaba despertando certa desconfiança aos mais habituados a jogar da forma mais ortodoxa: em frente à TV, com um controle (normal) na mão.

The Witcher XV rodando no Playstation VR 10

A Playstation Plus, como todo mundo deve saber, é um serviço de assinatura anual que brinda mensalmente, com jogos “gratuitos”, os gamers dispostos a pagar R$130,00 no serviço. É fato que a maioria deles são umas verdadeiras bombas, aquele tipo de jogo com cara de free to play pra celular que você só baixaria por engano. Não é exagero dizer que na PlayStore você encontra jogos melhores que os dados em alguns meses na Plus.

Entre os jogos gratuitos, a Sony sempre tenta trazer alguns títulos para PS3, PSVita (o console morto-vivo esquecido pela sua própria fabricante) e o já citado no texto, o Playstation VR (pra quem é lento nas associações, esse VR é de Virtual Reality, ou Realidade Virtual em bom português/BR). É nesse contexto que eu pretendo falar um pouco de Here They Lie, um dos jogos gratuitos do mês de setembro.

Será que é realmente a hora da indústria de videogames apostar neste novo segmento tecnológico? Jogar um jogo que foge dos padrões, mais focado em exploração e experiência real em três dimensões, é necessariamente uma coisa boa? E o papel de Here They Lie nisso tudo: será que esse título é o jogo que vai fazer você gastar R$1800,00 num PSVR e ingressar na realidade virtual de uma vez por todas? Veremos...


HISTÓRIA (2,0)


O jogador começa o jogo no controle de um completo estranho, o típico protagonista silencioso de jogos em primeira pessoa (TODOS os jogos em realidade virtual são, quase que obrigatoriamente, em primeira pessoa, e acho sim essa uma falha). Você desce de um trem numa estação abandonada, guiado por uma linda mulher negra que, de alguma forma, parece te conhecer pessoalmente. Ao explorar um pouco mais, parece que tudo está deserto e abandonado. Seu contato com outros humanos se dará apenas por meio de textos encontrados em páginas espalhadas aleatoriamente nos cenários (ao menos na primeira parte).

Mas as semelhanças com Slender param por aí. As cartas, poemas, devaneios ou seja lá o que você achar que elas sejam, não trazem nenhuma mensagem que faça algum sentido ou que digam respeito ao “enredo” do jogo como um todo. Elas falam, de forma muito vaga, sobre questionamentos e dúvidas existenciais que todo ser humano tem, como vida após morte ou a existência de realidades alternativas.

"Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão. Eu gosto do Mais Um Blog de Games, é um blog muito bão!"

No meio de todo um sentimento de “eu não faço ideia do que porra está acontecendo aqui”, há uma tentativa dos roteiristas em oferecer algumas escolhas morais que, em teoria, afetarão o resultado final da jornada de seu personagem. Você empurraria num abismo um cara que acabou de espancar até a morte, com um cano de ferro, uma outra pessoa? Vale a pena se esforçar pra salvar uma pessoa (de muitas) que está sendo enforcada para a diversão de uma plateia sádica, em um teatro lotado?

O final do game traz uma escolha que, além de não fazer sentido nenhum no enredo (não importa se você escolha a mão ou a marreta), não altera em nada na sua experiência, pois o jogo não se dá ao trabalho de contextualizar nada, deixando apenas as coisas insinuadas. Isso quando não parte pra exposição barata propriamente dita, com a personagem principal da trama te dizendo EXATAMENTE o que aconteceu com a cidade onde você se encontra, sem muito rodeio.

"Espelho, espelho meu: existe um jogo mais nonsense do que eu?"

O enredo de Here They Lie tenta fazer um julgamento de suas ações durante seu curto gameplay mas não tem os colhões de apontar o dedo na sua cara te dizendo o que você fez de errado. Não importa sua decisão final, o jogo acaba passando um pano nos seus atos moralmente questionáveis (como jogar uma lajota na cabeça de uma pessoa 20 metros abaixo de você). Se era pra colocar um dilema moral sem as devidas consequências, qual o sentido de colocar, pra começo de conversa?

Atrair a atenção do jogador como um burro que vai sendo puxado pela cenoura na ponta de uma vara, sem dar a devida recompensa no final, é um mau costume detestável que eu adoraria que a indústria de videogames (e a indústria de entretenimento em geral) perdesse de uma vez por todas.


GRÁFICOS (8,9) E SOM (3,5)


Eu sei que tudo tem que ter um começo, um ponto de partida. Se a Sony ficasse esperando os polígonos perfeitos para adentrar no mundo do 3D, não teríamos em 1997 jogos como Final Fantasy 7 ou Tekken (não teríamos também o Polygon Man, detalhe esse que eu acho que compensaria o atraso tecnológico...). Sendo assim, a indústria de games não pode (e nem deve) esperar que a tecnologia de Realidade Virtual esteja a preço de banana para começar a brincar com suas possibilidades.

Entretanto, quando penso em adquirir um PSVR, eu não consigo me livrar da sensação de “ainda não é o momento” que o ato carrega consigo próprio. Dessa forma, é fácil constatar que eu não tenho um PSVR e, provavelmente, nunca vou chegar a comprar um (ao menos não na geração atual). Portanto, eu joguei Here They Lie sem poder aproveitar o melhor que ele tem a oferecer: seus gráficos e proposta de experiência em realidade virtual.

A atmosfera da cidade é muito boa. Se bem aproveitada, renderia
um excelente jogo de terror.

Mesmo com essas considerações e com o possível aviso que meu julgamento pode não ser dos mais isentos, chega uma hora que a novidade proporcionada pela tecnologia precisa baixar seu fogo e dar lugar aos verdadeiros aspectos que fazem um jogo de videogame ser bom: diversão, imersão e interatividade. Como Here They Lie se sai nesses quesitos?

Os gráficos do jogo são lindos, mas com uma ressalva. Provavelmente ele é bem-sucedido em sua proposta de embasbacar os pouco acostumados com RV arremessando coisas que se contorcem, derretem, se montam e pegam fogo bem na cara do jogador. Entretanto, não adianta ter visuais quase fotorreaslísticos e texturas de alta qualidade num jogo que não tem nada pra fazer, lembrando mais uma atração de parque de diversões que um jogo eletrônico interativo.

Apelar pra fractais é um indício de que o processo visual-criativo foi pro saco.

Here They Lie não se preocupa em te explicar quase nada do enredo e conta com doses cavalares de psicodelia. Quero deixar bem claro que eu não tenho nada contra psicodelia. Quando bem utilizada, é uma ferramenta narrativa bastante eficaz (a exemplo de jogos como Farcry 3 ou filmes como Dredd). O problema é que a psicodelia visual aqui não tem nenhum nexo, parecendo mais um clipe do Tears for Fears que um jogo, em alguns trechos.

Do som não tem nada pra falar. Há apenas dois personagens dublados e com diálogos (fora as cartas e fotos que trazem diálogos que parecem terem sido gravados de pessoas aleatórias passeando na rua). O resto são grunhidos dos “monstros” e sons ambientes caóticos, como coisas desabando, se desconstruindo ou pegando fogo (não espere que o jogo te explique quem diabos é aquele carinha de chapéu que taca fogo em tudo que encontra pela frente...).

Sowing the Seeds of Love versão videogame...

O jogo não traz nada que possa ser reconhecido como música, falha essa que eu considero não só grave como um desperdício, visto que a intenção desse tipo de proposta é mais contemplação que interatividade e gameplay como um todo.


SISTEMA (3,0)


Contrariando o padrão dos meus textos, onde o tópico Sistema é onde eu aproveito pra soltar o verbo sobre cada detalhezinho do jogo analisado, com Here They Lie essa parte vai ser bem curta, pra casar com a falta de coisas a fazer no game. Aqui você não vai encontrar armas, enigmas ou qualquer espécie de combate. Não há nada pra fazer além de andar, coletar pilhas pra uma lanterna que se gasta num ritmo surreal e ler mensagens desconexas com os momentos pelos quais você está passando no game.

As ameaças também são bem inconsistentes, com um teor de aleatoriedade que não faz muito sentido: numa hora um cara com um cano na mão te espanca até a morte (o game over desse jogo é super legal!) apenas por te avistar; e numa outra, um exato cara do mesmo tipo te deixar passar sem relar um dedo em você (culpa sua se não adivinhou que o caminho certo a seguir era justamente o do carinha com o cano na mão...).

Peraê: esse bicho tá tentando me matar ou não tá?

Toda essa falta de ritmo, associada a checkpoints ocultos e perda de conteúdo (você demora pra descobrir que as reticências que aparecem em algumas telas escuras é justamente quando o jogo salva seu progresso) transformam Here They Lie num legítimo “walking simulator” da melhor qualidade.


TIC, TOC, SÃO DEZ HORAS QUE PARECEM DUZENTAS...


Here They Lie é um jogo que parece durar muito, por causa do eterno sentimento de “preciso descobrir o que acontece a seguir” que permeia toda sua jornada, mas que se revela desconcertantemente curto quando você descobre que “era só isso”? É um título feito propositalmente pra servir de outdoor de um deslumbramento com a realidade virtual que, certamente, não segura a empolgação com uma tecnologia, depois que o gosto de novidade sai da boca.

Pelo menos o game over é da hora!

Ele não funciona narrativamente e também não funciona como stealth (visto que a maioria dos inimigos pode ser ignorada ou deixada pra trás com sua “velocidade” de corrida). Uma hora é inevitável que o tédio te vença pelo cansaço: você segura o botão de “corrida” (mais parece um leve caminhar apressado) e só quer seguir em frente pra ver onde toda aquela loucura vai dar.

NOTA FINAL: 3,6

Jogos como Here They Lie são a prova mais irrefutável de que tecnologia avançada sem boas ideias por trás dela não serve pra nada, a não ser exibir visuais sem substância nenhuma, colocados lá de forma aleatória e desleixada pra arrotar poder gráfico na cara do jogador. Se a experiência de jogos como Here They Lie é o melhor que a atual realidade virtual tem a oferecer, prefiro poupar meus R$1800,00 e seguir jogando da maneira que vem dando certo pra mim desde a década de 90...

Au Revoir.