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quinta-feira, 13 de agosto de 2020

ANÁLISE: THE LAST GUARDIAN














O Playstation 2 foi um dos meus consoles favoritos, junto com o Super Nintendo. O motivo disso, longe de apenas ter a ver com números de vendas, é por causa de sua vasta biblioteca de excelentes títulos e variedade dos mesmos. 

Já nos primeiros anos depois de sua estreia o console nos presentearia com jogos que viriam a se tornar verdadeiros clássicos da indústria, como Final Fantasy 10 (leia AQUI o post), Metal Gear Solid 2 (falei dele AQUI), GTA 3 e por aí vai. Outro desses títulos notáveis foi o ICO. 

Lançado nos EUA no dia 22 de março de 2002 (fonte das datas: Wikipedia), o jogo trazia uma visão artística, progressão e atmosfera que iam justamente na contramão do show de luzes e animações frenéticas que o novo console da Sony fazia questão de esfregar na cara do jogador do que era capaz de entregar. 


Teste
Os jogos se passam no mesmo mundo, isso é indiscutível.

ICO, basicamente, é um jogo de plataforma em 3D cujo objetivo é escoltar uma mulher (princesa?) em meio a cenários colossais e paisagísticos enquanto evita o encontro com seres das sombras que demonstram um interesse quase animalesco em capturá-la. 

Como o garoto que nós controlamos e a princesa foram parar naquele lugar? Esse detalhe, assim como outros elementos de enredo (que seriam esperados de um jogo em 2002) não eram esclarecidos durante o jogo. E essa era uma das características mais marcantes de ICO, a sua história contada mais por ações e contextos que por palavras. 

Lançado em 2005, no Japão, e no começo de 2006 nos EUA, Shadow of the Colossus (Wander and the Colossus no Japão, daí o protagonista ser conhecido como “Vander” nas fases iniciais de desenvolvimento) chegava às lojas cravando o termo “sucessor espiritual” mais firme que nunca em nossas mentes. 

O clássico exemplo onde os acertos mais
que compensam as falhas.

Se a proposta de ICO era nos colocar em cenários fechados e labirínticos, com inimigos comuns em relativa abundância e sem nada que pudesse ser chamado de “chefe de fase”, Shadow of the Colossus trazia uma pegada completamente contrária: um jogo majoritariamente de “mundo aberto” sem combates contra inimigos corriqueiros. 

A ideia aqui era fazer um tipo de sandbox onde lutássemos apenas contra “chefes de fase”, cujos corpos e topografia dos cenários (e a forma como os derrotávamos) se constituíam como um quebra-cabeças per si só. 

Contando com gráficos espetaculares pra sua época, alto teor artístico/contemplativo e uma trilha sonora simplesmente inigualável, Shadow of the Colossus se tornou um clássico instantâneo da indústria, arrebanhando uma legião de fãs e fazendo sucesso comercial suficiente para lhe render um completo remake para PS4 (para ler a análise do remake, clique AQUI). 


Se o original já era bonito, o remake vai
tirar seus globos oculares das órbitas.

Com o sucesso de críticas e público dos dois primeiros jogos (mais o segundo que o primeiro, sejamos realistas) nada mais natural que uma continuação (mesmo que indireta) fosse anunciada. The Last Guardian, ainda durante o ciclo de desenvolvimento ativo do PS3, foi confirmado estar em produção pelo talentoso time de ICO no ano de 2009, com lançamento programado para 2011. 

Onze anos depois e uma novela de adiamentos maratonada, foi lançado em 2016 The Last Guardian, um dos jogos mais aguardados da atual geração do PS4. O jogo ficou à altura de seus antecessores? Ou foi além, conseguindo superar obras-primas do nível de Shadow of the Colossus em execução, jogabilidade e trilha sonora original? 

Então, antes de falar a velha frase “são essas e outras perguntas que eu pretendo responder agora, na análise de The Last Guardian aqui no Mais Um Blog de Games”, eu pretendo começar a analisar os aspectos técnicos desta obra abrindo com uma reflexão. 

As ilustrações do load são bem legais.
Pena que não exercem nenhum papel relevante à trama.

Não me leve a mal. Eu amo de paixão jogos japoneses. Soa até ridículo precisar dizer isso, visto que dois dos meus jogos favoritos de todos os tempos EVER, Kingdom Hearts (review AQUI) e Crono Trigger (clique AQUI para ler a análise) são oriundos desse país. 

Entretanto, é indiscutível que os nipons possuem um jeito bastante... pitoresco de fazer as coisas que os diferem das pessoas de outras nações do mundo. Sim, o que muitas vezes é uma falha se configura como uma das maiores qualidades do povo japonês: a tenacidade e persistência em se manter fiel a uma ideia ou jeito de se fazer algo, não importam as críticas. 

O problema é que games são produtos feitos para serem consumidos por pessoas de diferentes partes do mundo e, em casos como o do Team ICO, fica bastante evidente que projetos como The Last Guardian foram tremendamente prejudicados por causa dessa “visão” peculiar que desenvolvedores japoneses aparentam ter com relação a suas criações. 

"Princesa emplumada? Eu?"

Onde eu quero chegar com essa enrolação toda? É que eu acho que Fumito Ueda (o cabeça por trás do projeto) é o tipo de criador que parece só ser capaz de ter uma única ideia a cada reencarnação e, a menos que a crítica especializada deixe bastante claro que houve algum problema, ele vai continuar fazendo as coisas exatamente do mesmo jeito que ele julga ser o mais correto. 

Depois de finalizar ICO e Shadow of the Colossus, penso eu que um dia Ueda acordou e matutou consigo mesmo: “e se a gente fizesse um ICO onde fôssemos acompanhados por um colosso miniatura ao invés de uma princesa?” Seus colegas de trabalho assentiram, o projeto ganhou luz verde da Sony e assim surgiu The Last Guardian, o jogo cuja análise, agora sim, você vai poder conferir no Mais Um Blog de Games. 

 

HISTÓRIA (2,5) 

Quem leu meu texto sobre Silent Hill (texto AQUI) e outros jogos sabe como eu sou pouco fã dessa coisa de fazer um jogo/filme/história qualquer-porra-que-seja onde os roteiristas não se esforçam em explicar nada, deixando a história aberta a interpretações. Não estou dizendo que isso não possa dar certo, apenas que prefiro enredos mais diretos. 

Mesmo não sendo uma continuação categoricamente falando, The Last Guardian seria o que podemos chamar de terceiro jogo do universo ICO. De fato, mesmo sem o jogo explicar joça nenhuma, um bom observador vai perceber que existe um padrão no que é visto aqui com relação aos outros jogos. 

Por exemplo, o design dos ambientes e artefatos encontrados na aventura segue um padrão visto nos outros jogos (superfícies pedregosas com runas entalhadas nelas). O escudo que o protagonista usa lembra a espada mágica do Shadow of the Colossus, bem como a forma que o jogo retrata magia e elementos de fantasia. 

As dicas do narrador: ora só dizem o que
você já sabe, ora desaparecem quando você mais precisa.

Entretanto, já vamos no terceiro jogo dessa franquia e as coisas simplesmente não andam pra frente na lore do universo criado pelo Team ICO. O máximo que você pode fazer (além de pesquisar na internet, o que eu particularmente não gosto) é tentar amarrar as pontas pelas migalhas que te são oferecidas. O moleque de chifres do ICO é o bebê do final do Shadow of the Colossus? E as sombras que aparecem depois que você mata um colosso, são da mesma natureza daquelas que atacam o garoto em ICO? 

É por essa razão que eu sou contra esse recurso de não contar uma história ativamente e deixar que o espectador tire suas próprias conclusões. Quando feito da forma correta, o resultado pode ser um enredo misterioso e sutil de se acompanhar. Da forma que Ueda e seu time fazem fica parecendo apenas que houve preguiça de desenvolvedor relaxado que quer passar a responsabilidade de contar uma boa história ao jogador (ou à imaginação dele).

 

Eu esperava um maior aproveitamento
das capacidades colossais de Trico.

Infelizmente, ao persistir nesse recurso narrativo detestável, The Last Guardian perde uma excelente oportunidade de contar solidamente a história do elo entre uma pessoa e um ser fantástico que é visto por uns como um monstro, e por outros como um salvador. Oportunidade essa que, sejamos sinceros, games como Majin and the Forsaken Kingdom se saem bem melhor em aproveitar (análise desse excelente jogo AQUI). 

A impressão final, depois de aproximadamente 15 horas de jogo (eu só sei disso porque abri um troféu por finalizar o game em menos de 15 horas), é um enredo sem nexo, que parte do nada pra chegar a lugar nenhum e espera que o jogador entenda por osmose a mensagem que ele quer passar. 

Nem o óbvio de fazer um gancho deste com os jogos passados os criadores pensaram em fazer. Se fizeram, me desculpe, ou eu não percebi ou estava chateado demais com os problemas de jogabilidade pra prestar atenção a ele (várias vezes eu precisei respirar fundo pra me recuperar da vontade de desistir, enquanto jogava).

 

O clichê de que você era só mais um.
Sério isso, Team ICO?

Como se não bastasse, os roteiristas usaram o recurso narrativo manjado de terminar o jogo da mesma forma que você começou. E, pensando nisso, por que raios disparados pela ponta da cauda o game se chama O Último Guardião, se o final deixa claro que o ciclo recomeça, na cena onde um habitante da vila levanta o espelho ao céu? 

Não estou dizendo que é impossível não se apegar à história do jogo ou à relação de Wandinho com Trico. Há, inclusive, quem relate que até suou pelos olhos ao testemunhar o final do game, coisa que eu simplesmente não me senti sensibilizado a fazer. 

Só acho que, se um jogo decide tolher um aspecto qualquer de sua obra (gráficos, música, interatividade, variedade de gameplay ou complexidade de sistema) em prol de uma experiência focada em apenas um objetivo (aqui é a jornada e relação dos dois personagens principais), que ele seja abundante e competente em outros pontos, coisa que The Last Guardian não conseguiu realizar, ao menos pra mim. 

 

GRÁFICOS (8,5) E SOM (3,0) 

Pra falar dos visuais de The Last Guardian eu preciso contextualizar o leitor, da mesma forma que o fiz logo no começo do post. Esse jogo foi planejado pra ser lançado na geração do Playstation 3, como já deixei escapar acima. 

Eu não vou entrar no mérito ou detalhes do histórico de atrasos e da novela de desenvolvimento do jogo, já que esse tipo de problema parece fazer parte do modus operandi do TeamICO/Japan Studio. Se duvida de mim, lembre-se que ICO foi planejado para ser um jogo de Psone originalmente. 

Então, partindo pros visuais, não é que The Last Guardian seja um game feio, longe disso. A seu modo, ele é impressionante e grandioso. Possui animações suntuosas em alguns momentos e traz locações dignas de obras de fantasia como The Elder Scrolls ou filmes como A história sem fim (filme da década de 80) e O Senhor dos Anéis.

 

Dê um desconto pra minha rabugice: mesmo
uma geração atrasado, TLG é bem bonito.

O problema aqui é que ele saiu numa época em que já tínhamos obras como The Witcher 3 e Fallout 4, só pra citar dois exemplos bem óbvios de games competentes da atual geração. Então fica meio que na cara os sinais do tempo que este jogo aqui traz com seus problemas de desenvolvimento. 

ICO saiu pra PS2. Shadow of the Colossus também. The Last Guardian pulou uma geração (a do PS3) e saiu logo pra PS4, mas parece que a desenvolvedora esqueceu disso e nem sequer tentou dar uma atualizada nos visuais. Não me leve a mal. Eu não estou julgando um grifo pela cor de suas penas. 

Um dos meus jogos favoritos dessa década é Stardew Valley (análise AQUI), um game com visual de 16-bits (era do SNES, pra quem não sabe o que esses números significam) em pleno PS4. Sendo assim, a última coisa da qual eu posso ser acusado é de ser um jogador superficial que só liga pra visuais. 

As partes na água são particularmente legais.

Gráficos não importam tanto quando o produto final está a contento e, mesmo que eles apresentem problemas (como a série XCOM), eles podem ser facilmente relevados quando o produto final compensa suas falhas com qualidades inquestionáveis. Infelizmente não foi o caso aqui. 

Trico, o minicolosso-gato-grifo-cachorro gigante seria um personagem digital surpreendente se tivesse aparecido na geração adequada. Mesmo com um comportamento meio errático, ele é admirável de se assistir e esbanja carisma e personalidade (mesmo sem dizer uma palavra). Disso ninguém discorda. 

O problema é que os sinais de idade do jogo não se restringem só a texturas. A animação do protagonista parece que ficou estacionada no tempo desde que a equipe trabalhou no ICO, sendo EXATAMENTE A MESMA DAQUELE PRIMEIRO JOGO.

 

A animação de Wandinho é bizonha.
Parece que ele é feito de papel.

Eu sei que a ideia era fazer movimentações pretensamente realistas (quedas, tropeços, ameaça de cair de beiradas) pra dar uma cara de naturalidade ao jogo, mas o resultado é um personagem que engasga em tudo em seu caminho e se comporta como um boneco de pano bêbado com problemas neurológicos. 

Agora a parte do som. Deus, faça com que 2020 acabe mais rápido que o planejado pois parece que todos os jogos mais problemáticos e cabulosos da minha biblioteca de games resolveram entrar na fila pra serem jogados todos ao mesmo tempo (XCOM 2, Cuphead, este aqui...). 

Enfim, depois de me recompor desse desabafo eu posso afirmar que The Last Guardian não traz quase nada de música a jornada inteira. Mesmo nos momentos onde ela existe, não apresenta muita personalidade própria, muito embora que seja de boa qualidade, devo admitir.

 

"Eu quero a música do game anterior de voltaaaaaaa!!!"

Essa falta, a da OST, foi o maior balde de água fria que eu poderia levar na cabeça com esse jogo, já que Shadow of the Colossus é um jogo inigualável em trilha sonora e o esperado por mim, nesse caso aqui, era um “sucessor” que ao menos tentasse ficar à altura do título passado. 

Sim, eu saquei que a pegada The Last Guardian era trazer uma proposta de jogo parecida com a de ICO, com o protagonista sendo acompanhado por um filhote de colosso (no lugar de uma princesa inútil que precisa ser arrastada pelo braço) embalado apenas por sons ambientes. 

Mas, depois de uma trilha sonora que marcou época, privar o jogador desse aspecto técnico é um tiro no pé enquanto decisão artístico-criativa por parte do Team ICO. Sim, meu inocente leitor, desenvolvedores de games, do alto de seus pilares de deuses da indústria, também tomam decisões ruins... 

 

SISTEMA (1,5) 

 

Já sabe a regra: o tópico final, Sistema, é aquele com o qual eu vou finalizar o texto e onde vou tecer as maiores críticas sobre o game. E eu juro que tentei gostar da experiência de The Last Guardian, mas acho que o próprio jogo estava bastante empenhado na tarefa de não permitir que isso acontecesse... 

Pra começar, os caras do Team ICO conseguiram o que parecia ser impossível: criaram um protagonista com controles, animação e movimentação piores do que o Wando do Shadow of the Colossus. De fato, se eu não tivesse jogado Martian Gothic antes desse aqui eu arriscaria dizer que The Last Guardian tem uma das jogabilidades mais anacrônicas que eu experimentei num jogo. 

Antes que eu me esqueça, que bosta de ideia foi aquela de apertar mil botões pra sair da tela de game over? O que diabos isso acrescenta a um jogo? Parece aquelas macaquices do Kojima que todo mundo fica batendo palma como se fosse a reinvenção da roda, mas que só servem pra irritar o jogador.

 

A mira corre feito louca na hora de usar o escudo.

Pressionar botões pra se livrar de runas malégnas depois que você é capturado por uma das estátuas autômatas faz completo sentido (pois representa a luta física de Wandinho pra se livrar de seu algoz). Mas essa bosta na tela de continue, a mim só serviu pra me irritar ainda mais e maltratar os botões do meu controle. 

Além desses pequenos detalhes, The Last Guardian apresenta mecânicas datadas acompanhadas de uma das câmeras mais teimosas e abomináveis que eu já experimentei num jogo. Tiveram a brilhante ideia de fixar a visão no protagonista e, mesmo que você a corrija com o analógico direito, ela teima em fixar no garoto. 

A câmera desse jogo torna as horas com The Last Guardian desnecessariamente cansativas. Várias vezes eu me peguei pensando “uma personagem como Lara Croft, do Psone, passaria por esses obstáculos com uma mão amarrada nas tetas.”

 

Wandinho bem que podia ter tetas maiores e um par de pistolas automáticas...

Mas Shadow, você quer comparar uma tchutchuca altamente treinada e armada até os mamilos com um moleque catarrento que mal saiu das fraudas? Tá ficando louco?” Então, lembra daquela coisa que eu sempre falo, que um conceito só deve ser levado em conta até o ponto onde ele não atrapalhe a execução prática das coisas? Pois é... 

Eu confesso que se não tivesse o compromisso de nunca analisar um jogo que não finalizei, dificilmente eu jogaria esse jogo até o fim. E fico tentando me colocar no lugar de um jogador desavisado que comprou esse game sem fazer ideia do que se tratava... 

Falando em mecânicas simplórias e datadas, é triste precisar escalar dois lances de escada pra dar de comer a Trico um barril só porque ele não consegue esticar o pescoço e comer algo que você arremessa na cara dele. Às vezes ele até surpreende e acerta essas tarefas corriqueiras de primeira. Às vezes não, o que me faz lembrar do adjetivo “errático” que eu uso ao longo desse texto.

 

Mecânica de se equilibrar em madeiras em pleno 2016?
É sério isso, Team ICO?

Mas não pense que esses queixumes aparentemente bobos são tudo de ruim que o jogo tem a oferecer. Seus problemas reais vão começar quando Wandinho (o apelido que eu dei ao protagonista moleque alcoolizado com mal de Parkinson) ganhar a “habilidade” de dar comandos a Trico. 

Por “dar comandos” entenda-se: você muitas vezes vai colocar pra um lado com o controle e o personagem vai apontar numa direção nada a ver. Ou então ele vai escalar pra um lado quando você está tentando ir pra outro. E sobre comandos, prepare-se: tudo que você leu sobre a desobediência de Trico era a mais pura verdade. 

Tanto faz ele subir de primeira num canto (muitas vezes você apenas sobe nele e espera chegar ao seu destino) como levar 20 minutos (juro que isso não é uma hipérbole) pra ele entender aonde você quer chegar. Trico, nesse sentido, é completamente de lua. Tanto faz ele sair pulando e te levar automaticamente a seu objetivo quanto ignorar friamente um comando óbvio que você está dando a ele.

 

Wandinho: "Trico, é pra você comer o barril!"
Trico: "O quê? Morder o funil? Qual funil?"

Nesse contexto, a tarefa mais simples (como dar um salto numa plataforma à sua frente) vira um quebra-cabeças de Silent Hill no nível Very Hard de dificuldade. Isso pelo fato de Trico se tratar de uma versão colosso de Agro, o cavalo teimoso e lazarento do Shadow of the Colossus. 

The Last Guardian é um jogo bastante pretensioso nesse sentido. Ele cobra que você tenha um saco de ferro pra resolver enigmas simplórios, com a dificuldade aumentada artificialmente pela jogabilidade ruim (como subir um declive com um barril nas mãos), só pra depois escoltar Trico do ponto A ao ponto B e ficar tentando adivinhar o que tem que fazer pra avançar (os desafios, na maior parte do tempo, não são nada intuitivos). 

Um dos elementos mais marcantes do jogo deveria ser o ato de subir em Trico e usá-lo pra alcançar lugares, visto que ele é um colosso em miniatura (o enredo do jogo não afirma isso categoricamente, mas tá na cara). Entretanto, a escalada no bicho é conturbada e problemática, com comandos imprecisos e desobedientes. O protagonista chega ao cúmulo de ficar de cabeça pra baixo e ir na direção oposta à que você inseriu no controle (a mesma falha que eu apontei no Shadow of the Colossus).

 

"Trico, sua mãe é uma galinha!"

Gideon, quer dizer, Trico tem uma inteligência artificial que tenta ser realista (como a do xenomorfo de Alien Isolation), mas que consegue no máximo ser errática e aleatória. Muitas vezes você vai ficar preso num cenário por causa de uma coisa que você sabia que ele podia fazer, mas por algum motivo ele decide ficar olhando pra parede com uma concentração quase autista. Na parte final do jogo, na hora de pular pra torre branca com a antena da Oi, eu fiquei preso porque ele passou horas pra realizar a ação de saltar. 

O jogo, cinicamente, te propõe a resolver enigmas de exploração e interagir com objetos, mas a exploração é prejudicada pelos terríveis controles e animação “realista” de Wandinho (ele tropeça, cai sem motivo e entala com tudo no cenário) e os enigmas são simplórios num nível Goofy & Troopy, do SNES, o que acaba meio que contrastando com o trabalho que você tem pra realizá-los. 

MEIA. HORA. PRA FAZER. ESSE ARROMBADO.
PISAR. NA GANGORRA!!!

Por causa desses problemas de controles, um reles pulo em linha reta numa plataforma (corriqueiro em outros jogos) vira um martírio de se executar, e momentos grandiosos acabam sendo sabotados pela jogabilidade horrorosa do jogo. The Last Guardian não deixa você gostar dele, visto que quando você começa a sentir empatia pelos acontecimentos do enredo, o game te tortura com problemas de jogabilidade que assombravam jogos de duas gerações atrás. 

A título de completude de texto, a física de objetos é tão confusa que vai te fazer duvidar se você está no caminho certo  pra resolver um enigma (como na parte onde temos que empurrar um cilindro de ferro rampa acima) e acho que ela, assim como os gráficos, é o que mais denuncia que The Last Guardian é um estranho no ninho, um jogo que devia ter saído uma geração atrás mas chegou atrasado à festa.

 

Wandinho: "Trico, se eu cair e morrer você vai me enterrar na areia?"
Trico: "Não, não, VOU ATOLAR!"

Claro, seria desonesto dizer que tudo está errado com o sistema de The Last Guardian. O jogo tem sim seus momentos bem sacados, como na parte que precisamos fazer Trico pular na água pra Wandinho alcançar uma alavanca mais alta. Mas esses momentos são muito esparsos e, definitivamente, não pagam o estresse que você vai aguentar até chegar neles. 

 

O ÚLTIMO GUARDIÃO, ASSIM ESPERO... 

The Last Guardian, como já deu pra perceber ao longo do texto, não consegue se igualar nem a seu antecessor, Shadow of the Colossus, um jogo de PS2 lançado em 2005. 

A beleza e o potencial do jogo se perdem no meio de uma execução desastrosa, com uma jogabilidade que parece fazer homenagem aos mais retrógrados títulos do PS1, ausência de música e experiência de jogo desagradável de se atravessar. 

Claro, ao mais inclinados a gostar do jogo ainda existe a alternativa de tentar enxergar os problemas de uma forma mais poética e simbólica a fim de colocar panos quentes no desastre que é The Last Guardian. Mas eu aconselho, sinceramente, que você não faça esse tipo de coisa. É por causa desse tipo de complacência que erros continuam sendo perpetuados na indústria.

Não vejo problema num jogo que pretende ser simplista em sua proposta (o próprio Shadow of the Colossus é um perfeito exemplo de quando isso funciona). O problema é ele não conseguir executar essa proposta de forma convincente em seus aspectos mais básicos (não se espera, em pleno 2016, um jogo no qual você tem dificuldade de andar em linha reta sem tropeçar em tudo). 

NOTA FINAL: 4,0

Ninguém pode acusar Trico de não
usar a cabeça pra resolver os enigmas.
 

É como se a mentalidade e os padrões de qualidade de seus criadores tivessem ficados congelados no tempo e eles não tivessem aprendido nada com os erros de seus próprios projetos passados, algo que denota no mínimo acomodação e falta de interesse em se superar por parte do time de desenvolvimento do game (na esperança que a mídia faça vista grossa às falhas). 

É lamentável ter que rebaixar a nota de um jogo tão aguardado por mim dessa forma, mas eu estaria sendo desonesto se recomendasse ao jogador uma experiência que não foi agradável nem pra mim mesmo (2020, eita ano difícil...). Dessa forma, mesmo sabendo que a mensagem nunca chegará ao destinatário, eu gostaria de deixar um recado ao diretor do jogo: 

Sr. Fumito Ueda, se isso foi o melhor que você e seu time conseguiram colocar no mercado, depois de 11 anos de lacuna entre seu último jogo e esse, pode deixar pra lá. Não precisa mais fazer jogos. Sua equipe visivelmente não tem nada de bom a acrescentar à indústria de games, seja na parte meramente técnica de elementos que compõem um jogo, seja em valor narrativo.” 

Trico sofre da síndrome de Mumm-Ra.

E é isso, pessoal. Sinto ter que trazer mais um texto negativo sobre um jogo dessa forma sequencial aqui no blog, mas fazer o quê. Parece que as mais pessimistas expectativas e o ano de 2020 resolveram andar de mãos dadas sem medo de expor seus sentimentos mútuos. E não seria o frágil mundo dos games a escapar desse matrimônio diabólico. 

Espero que você tenha lido essa análise em tempo de não comprar The Last Guardian desavisado, que o texto (apesar de negativo) tenha sido proveitoso a quem chegou até aqui, e nos vemos na próxima bomba a ser analisada aqui no blog (dica: tem a ver com xícaras e cassinos).

 

Au Revoir!


sábado, 25 de julho de 2020

ANÁLISE: XCOM 2 (PS4)






















Quando eu joguei o revival de XCOM em 2014 eu saí com duas certezas sobre aquele jogo. Uma era de que ele estava à altura, sendo até melhor em alguns aspectos, que me meu favorito desse gênero (combate tático por turnos), o Final Fantasy Tactics. A outra era que o título mais que merecia alcançar o status de Review Supremo no blog.

Complexo sem enfadar o jogador com pormenores desnecessários; bonito e bem trabalhado no quesito som (muito embora que possuísse lá suas falhas); extenso e profundo, com um enredo capaz de causar arrepios na nuca dos mais aficionados por ficção científica (como este que vos escreve); e tantas qualidades mais que podem ser conferidas AQUI.

Pelo título já deu pra perceber que sua continuação direta, XCOM 2, não caiu no meu gosto na mesma proporção arrebatadora que seu título de resgate da franquia clássica (a UFO: Enemy Unknown, um clássico dos PCs). O que será que aconteceu? Será que os defeitos, dessa vez, pesaram mais que as qualidades?

Olha o Mais Um Blog de Games daqui a 15 anos,
sendo apreciado por todo o mundo em telões de hiper definição.

Será que XCOM 2 é um jogo tão diferente assim do primeiro? Ou foi meu ponto de vista que mudou por causa do sentimento de revisitação que esse aqui carrega? Bem, a resposta a essas perguntas você já sabe como encontrar (dica: tem a ver com rolagem de mouse).

Em tempo, este texto será consideravelmente menor que o Review Supremo do primeiro XCOM (da geração atual, que fique bem claro, visto que eu não joguei os clássicos). Isso se dá, e já spoilando um pouco minha própria análise, pelo fato de que praticamente TUDO que eu falei sobre gráficos, som, sistema e história do outro jogo se aplica aqui, pro bem ou pro mal.

"Mais um gole de germes? O quê? Que porra é isso?"

Não, isso não quer dizer que eu vou escrever um texto apressado e preguiçoso que só vai indicar a leitura do outro post. Longe disso. Essa congruência de aspectos técnicos só significa que eu vou poder tirar do caminho toda aquela verborragia (regada a elemento surpresa) do primeiro texto em prol de uma análise mais focada apenas no que difere de um jogo pro outro.

Sem mais enrolação, vista seu chapeuzinho de alumínio, desbloqueie a Alien Blaster nos Fallouts modernos (pra entrar no clima de combate à ameaça alienígena) e embarque nessa nave da Xuxa chamada Mais Um Blog de Games para mais um texto deliciosamente cumprido de se saborear (olha os comentários com contexto sexual de volta. É, essa quarentena tá me afetando de jeito...).


HISTÓRIA (9,1)


O enredo dessa continuação não oficial de Guerra dos Mundos versão videogame é mais do que direto: lembra o objetivo do primeiro game, o de enfrentar a ameaça alienígena e salvar a humanidade de ter seus orifícios corporais fustigados por toda a eternidade? Então, aqui os escritores cagaram pro que aconteceu no final bom do game e simplesmente partiram do pressuposto de que você é um Comandante de bosta e os aliens ganharam a guerra. Meigo, não acha?

Aqui, surpreendentemente (visto que odeio quando uma empresa ignora os esforços do jogador), eu preciso dar um ponto pra Firaxis. XCOM 2 é um dos poucos jogos que eu conheço onde o final alternativo, ou final “ruim” para os íntimos, é o que conta. Por que isso, você se pergunta? Porque é mais divertido e abre mais brechas pra elementos interessantes de gameplay, a Firaxis responde.

"Vote em mim, bicho. Eu prometo que tudo que nós precisamos é de amor!"

Além desse panorama necessariamente derrotista, a guerra agora é travada num contexto mais político, acima de tudo. Isso quer dizer que seu exército vai vencer os ETs na base das fake News, ou sujando o nome deles no horário eleitoral “gratuito”? claro que não. Ainda existem os combates que tornaram a série famosa (além dos elementos de estratégia, claro).

O que eu quero dizer é que é mais apropriado, a essa continuação em especial, que o viés da ameaça dos aliens seja mais político que bélico. Pense comigo: os ETs conseguiram se instalar no nosso planeta; depois fizeram a cabeça de uma parcela da população com suas promessas enganosas; pra finalmente deixar a sociedade num ciclo vicioso no qual ela é ludibriada por “benfeitores” que dizem estar ajudando o povo, quando na verdade estão fazendo o exato oposto disso.

"Acorda, Comandante! A fake news tá comendo solta no Twitter!"

Se fosse pra enquadrar os ETS desse enredo em uma classe da sociedade na vida real, com quem os aliens de XCOM 2 se pareceriam? Se sua resposta foi “políticos em época de eleição”, parabéns, você está pronto para liderar o exército de libertação da humanidade que nos conduzirá à vitória contra esses canalhas oportunistas que querem viver bem às nossas custas (dessa vez eu me refiro aos alienígenas).

Eu prometi que daria mais atenção a outros aspectos, aqueles que distanciam este do primeiro jogo, então lá vai. No contexto do game, há um grupo significativo da humanidade que vive em estado de ignorância e negação da ameaça alienígena, como se nada tivesse acontecido. Alguns deles duvidam da presença dos ETs mesmo diante de fatos.

Imagina quantas fake news por segundo não
dá pra enviar com um tablet desses...

O jogo se passa no fictício ano de 2035. Parece absurdo pra você que, apenas a 15 anos no futuro, existam pessoas com tal perfil comportamental? Ok, vamos repassar a frase do bloco de texto acima novamente, agora com caixa alta nos pontos mais importantes:

No contexto do game, há um grupo significativo da humanidade que vive em estado de ignorância e negação da ameaça alienígena, como se nada tivesse acontecido. Alguns deles duvidam da presença dos e.ts mesmo diante de fatos.”

E agora? Essa conjuntura narrativa te parece familiar? Pois é, foi o que eu pensei também.

Sectoid: "eu acho que você vai errar esse tiro."
Soldado: "eu discordo de você!"

É assustadora e quase profética a forma como o enredo de XCOM 2, de 2016, alerta para o estrago que insistir em opiniões sem embasamento e ideias errôneas pode causar à humanidade como um todo. Relativização, falácias e desfaçatez podem muito bem representar a forma como nós, seres humanos, estamos lidando com a informação que nos é fornecida nessa era digital que vivemos atualmente, em 2020.

Sobre o enredo, não tem muito mais o que falar. Ele é tão bom, instigador e elaborado como o dos jogos anteriores. Ele abre uma brecha (quem jogou até a cena final vai entender o trocadilho) para uma ameaça ainda pior que a já conhecida da invasão alienígena e deixa o mistério no ar do que teria acontecido com o Professor Xavier depois que o Advent encontra seu esconderijo. XCOM 3, here we go!

É um trabalho de um minimalismo sem igual.

Sobre os detalhes de textos, autópsias, descrições de itens e diálogos em geral, eles seguem o mesmo nível de qualidade absurdo. Há conversas impagáveis caso você preste atenção à janelinha no canto direito superior, a do coroa bonitão (pros padrões desse jogo, claro) que te auxilia na administração do Avenger.

Talvez, quando isso tudo acabar, nós devêssemos pegar nossa nave e colonizar um dos planetas deles, pra dar o troco.”

Alguns elementos de gameplay são assustadores,
mesmo quando não era a intenção.

Como sempre, o enredo de XCOM é muito bem-utilizado pra gerar os mais diversos sentimentos de terror no jogador (invasão de corpos, controle de mente, aniquilação total pelas mãos de um inimigo infinitamente superior...). No topo da tela fica o contador de Advent, um total de 12 quadradinhos que medem o tempo que falta pros ETs chutarem a bunda da humanidade once for all.

Nesse aspecto, o game acaba te forçando a fazer escolhas que, num futuro muito próximo de gameplay, se mostrarão completamente erradas, sem que você tenha a menor ideia da bola de neve que estava escavando pra cima de si próprio. E o teor de tensão delas permeia toda a experiência de jogo sem dar descanso à mente do jogador.


GRÁFICOS (8,9) SOM (9,5)


Como eu falei no começo, tudo que eu escrevi no primeiro post se aplica a esse aqui, sejam as falhas ou os acertos. Antes de começar a escrever este eu reli o post do primeiro XCOM. E qual não foi a minha surpresa, olhando as fotos, ao perceber que o 2 é bastante parecido graficamente com os jogos anteriores?

Isso quer dizer que XCOM 2 é um jogo feio, que não parece com um game da atual geração? Não, sinceramente (como tudo que eu escrevo) eu não acho isso. Mas é indiscutível que os jogos passados (de PS3, PCs e Xbox 360) serviram de base pra confecção deste mais novo. De posse dessa informação você já sabe o que esperar: personagens robóticos e sem expressão que parecem prontos pra saltar da TV e te esganar com as próprias mãos.

Na boa: algumas cenas são muito desengonçadas.

Parece que a Firaxis só se deu ao trabalho de colocar texturas melhores por cima dos modelos do jogo anterior e mandou prensar os discos. Ok, eu exagerei um pouco agora. Se reutilizar motor gráfico velho fosse demérito, os games da Bethesda seriam as piores porcarias do mundo (comentário que só faz sentido pré-lançamento do Fallout 76).

Meu conselho? Evite pesadelos e não jogue XCOM 2 perto da hora de dormir. Os ETs não são a única coisa medonha que vão assombrar a sua noite, caso você insista. Falando assim, parece que a Firaxis deu a maior mancada nesse aspecto. Mas não é o caso.

O design de XCOM 2 continua soberbo. É futurista sem soar fantasioso e detalhado a um nível quase molecular de sandice perfeccionista. Pena que o mesmo não possa ser dito das animações engasgadas e da queda vertiginosa de frames que desaba sobre alguns momentos (a batalha final traz TRINTA E UM inimigos no total. Imagina o fuzuê que fica o HD do seu PC/Console numa hora dessas...).

As telas iniciais são de tirar o fôlego.

É verdade que XCOM 2 não é o jogo mais bisonho dessa geração. As fotos não me deixam mentir. Mas, já que falei de PCs, enquanto jogador de consoles eu fico imaginando a tristeza de um PC master racer que montou uma máquina com tudo no talo pra receber esse desempenho sofrível em troca...

NOTA: é óbvio que o comentário acima é do ponto de vista de quem jogou no PS4. Se os mesmos problemas não acometem a versão do PC, favor deixar nos comentários.

Sobre o som, maravilhoso como sempre. Nada mais a acrescentar, fora o fato de que alguns barulhos e diálogos acabam meio que sendo prejudicados pela queda de frames citada no parágrafo acima. Mas nada de muito preocupante, que atrapalhe a experiência.


SISTEMA (6,0)


A regra que eu usei pra gráficos e som vale pra essa parte do sistema também. Sendo assim, tudo de bom e ruim no sistema do jogo, fora as novidades de gameplay, acabam se repetindo no XCOM 2. Primeiro eu vou falar de algumas novidades de maior impacto na experiência de jogo.

A mais gritante é o mapa-múndi. Se nos jogos anteriores o mapa era apenas uma periquitagem visual enquanto você esperava o tempo passar, aqui ele funciona como um jogo de tabuleiro clássico, a exemplo de War.

É preciso indicar as rotas de voo da sua nave, o Avenger, pra que ele parta em busca de missões e objetivos. Diferente dos outros jogos, onde todos os eventos ativos (pesquisa, construção de instalações e fabricação de itens) progrediam simultaneamente, cada objetivo vai evoluir individualmente, dependendo de onde você estiver estacionado.

O mapa-múndi ficou show de bola.
Espero ansioso pra ver o que o próximo jogo nos reserva.

Pra quem jogou com o tique-taque do relógio assombrando cada minuto da campanha, nos outros jogos, esse detalhe parece claustrofóbico e impeditivo. Mas confie em mim quando eu digo que não é.

Só por essa descrição do mapa já deu pra perceber que esse jogo possui um fator estratégico absurdo, não deu? De fato, suas decisões são tudo em XCOM 2. Sim, meu camarada, não é à toa que tem chamam Comandante. Você provavelmente vai arruinar sua primeira jogada sem ao menos se dar conta do que vinha fazendo de errado até que seja tarde demais.

Dessa forma, esteja avisado que XCOM 2 possui uma dificuldade predatória, tanto nos combates quanto em seus fatores estratégicos. Nos primeiros momentos com o jogo você vai ter a mais plena certeza de que o alcance de suas armas (bem como sua potência), suas habilidades e a quantidade de inimigos não batem com os recursos que te são disponibilizados.

Dê upgrade nas suas armas o quanto antes.
Acredite, faz toda a diferença.

Mas vai por mim: chega uma hora que, se você aprendeu com seus erros e fez a lição de casa direitinho, XCOM 2 (pasme) vai parecer tolerável aos seus olhos! Entretanto, eu ainda preciso dar o conselho de que é bom você não se apegar muito à sua primeira jogada. Muito provavelmente, assim como eu, você terá que apagar seu save e começar de novo.

Aí vem a pergunta que não quer calar: a culpa é sua pelas decisões “erradas” que tomou? Sim e não. Explico. O sistema de jogo vai te empurrando numa cascata de eventos que, mesmo tendo experiência com a franquia, não são tão intuitivos assim de assimilar. Caso você não aprenda o sistema (e suas consequências) a tempo, se vê numa bola de neve desgovernada culminando na vitória dos ETs.

Muitas vezes você investe num ponto (como instalação de antenas de comunicação) só pra perceber, tardiamente, que precisava focar em outro (como aumento de unidades por esquadrão ou melhorias nas armas).

O sargento Jarle Boladão da primeira jogada: o país
jamais vai esquecer seus feitos heróicos.

Eu sei, por experiência própria, que dói demais ter que abandonar os personagens nos quais você investiu (literalmente) horas de gameplay e customização. Mas, quanto mais cedo você se der conta dos erros que cometeu, melhor para seu progresso no jogo e psicológico enquanto ser humano combatente de aliens (eu fiquei em estado shaken quando tive que começar tudo do zero...).

XCOM, de forma geral, é tão duro com o jogador quanto uma situação de invasão alienígena seria com o ser humano na vida real. Cabe a você pesar quanto dessa dureza recai sobre as suas decisões erradas e quanto dela recai sobre os problemas de sistema que a 2K poderia corrigir facilmente, via arquivo de atualização, mas não o faz (sim, eu falo das taxas de acerto nesse caso).

Queima teu time inteiro com ácido, possui várias camadas de armadura,
um canhão de plasma com criticals de até 15 de dano e recupera TODA a vida quando morre:
um inimigo de nível "fácil" no XCOM...

É bem verdade que, às vezes, eu choro um pouco além da conta com uma coisa que me desagrada num jogo. Quem me segue nas redes sociais já sabe disso. Dados os upgrades na ordem certa e ignorando algumas missões “desnecessárias” em momentos cruciais, é até possível afirmar que XCOM 2 se torna (eu não acredito que vou dizer isso...) um jogo fá... facl... um jogo fasc... FÁCIL!!! Pronto, falei!

Depois de colocar os ETs no cabresto e dominar o sistema, o nível das batalhas do game meio que não condiz com a descrição que você encontra sobre o nível de dificuldade, antes de aceitar os combates. O problema é a via crucis desnecessária pela qual o jogo te faz passar até chegar a esse estado de iluminação espiritual.

Gostou das artes das telas de load? Que bom. Você vai ter
tempo de sobra pra gravar elas na sua retina.

Agora que já coloquei alguns pingos nos is no tocante a decisões, posso me voltar aos dois maiores problemas do sistema desse jogo: o load e as taxas de acerto. Sobre os loads, não tem como dizer isso de uma forma muito enfeitada: XCOM 2 POSSUI LOADS QUE VÃO TE FAZER DUVIDAR DO ESTADO DE CONSERVAÇÃO DO HD DO SEU CONSOLE.

Mesmo jogando em mídia digital (meu caso, pois “ganhei” essa cópia num dos meses da PS Plus de 2018), XCOM 2 traz tempos de carregamento ainda maiores que os do jogo anterior (eu considero Enemy Unknown e Enemy Within o mesmo jogo, por razões autoexplicativas).

Uma tela de load que leva pra o menu que leva pra outra tela de load que leva pra...

Esse jogo foi o primeiro em toda a minha vida que me despertou a curiosidade de CRONOMETRAR seu tempo de carga. Sim, eu sei que tem uma diferença entre o load dentro dos combates pro load da base. Mas, acredite, ela é pequena, levando em conta que os maiores loads do game batem na casa dos 1m e 42s! Juro! Quero ser arrastado pro inferno se estiver mentindo!

E aqui vai um recado à Firaxis, desenvolvedora do game: o tempo de viagem que nossos soldados precisam esperar NÃO PRECISAVA SER O MESMO DE UMA VIAGEM NA VIDA REAL, CARALHA!!! Pronto. Desabafei. Continuando.

Tempo estimado de chegada: um minuto e quarenta e dois segundos de load...

Você já ouviu aquela expressão “esse jogo tem load pra tela de load”? Então, é exatamente o caso aqui. E não, isso não é maneira de dizer. XCOM 2 REALMENTE tem uma tela de load (que não é rápida, diga-se de passagem) antes de mostrar as opções do menu principal. Depois você carrega o save e... tome mais load!

Ai você sai da base, aceita uma batalha e... mais load ainda. Caso precise (e você vai precisar) carregar um save de um turno anterior, adivinha o que acontece? Alguns loads desse jogo eu aproveitava para: ir ao banheiro; colocar água pra fazer um café; brincar com minhas gatas; ou cortar as unhas! Sério. O pior é que, depois dessa espera toda, a performance do jogo é sofrível, como eu já adiantei.

Só faltava ter load pras animações em câmera lenta.

Se acontecesse um load escroto mas, depois dele, o game rodasse lisinho, tudo bem. E sabe por que ninguém se lembra dos loads cavalares que os games da série GTA trazem quando você os inicia? Porque, depois desse único load, você tem um jogo ENORME e maravilhindo rodando SEM LOAD QUASE NENHUM por HORAS. PORRA!

O mesmo não pode ser dito da franquia XCOM, que te obriga a aturar telas de carregamento (lindas, pra ser justo) de quase dois minutos pra depois entregar um jogo que engasga com tudo, crasha por nada e empaca com uma qualidade gráfica que destoa de jogos mais velhos da atual geração (alô, The Witcher 3? Fallout 4? Infamous Second Son? Alguém em casa?).

"Se eu acertar ele daqui será que conta como um crash?"

Aliás, falando em crashes, eles são frequentes apenas ao ponto de você lembrar deles. No total, acho que o game congelou menos de dez vezes, é verdade. Mas é bem frustrante quando você está passando por um confronto final que já contabiliza DUAS HORAS quando, na hora de ver o zeramento, o game trava. Firaxis, melhoras.

Certo, já tratei do problema dos loads. Aceita que dói menos. Pior se o jogo tivesse loads grandes e fosse ruim, o que não é nem de longe o caso. Agora é hora de abordar o problema responsável pela nota final que o XCOM 2 vai levar aqui no Mais Um Blog de Games: as taxas de acerto.

O recurso de captura de fotos acaba virando
um criador de memes instantâneo.


O que dizer de um problema tão escroto que acabou virando um meme, sendo alvo inclusive de posts no Twitter e queixas de jogadores diversos internet afora? Se acha que eu estou exagerando, confira este post AQUI do blog. Ele relata a experiência do usuário de Twitter Darren Weeks e sua relação no mínimo... irônica com as percentagens de acerto no XCOM 2.

Primeiramente, parece que a maldição de todos os personagens, em um turno, errarem seus tiros permanece. Dessa vez eu tive a impressão de que carregar o arquivo de save novamente altera os acontecimentos, o que pode ser considerada alguma diminuição na mesquinhez dos criadores do jogo.

Pelo menos a regra de errar tiros, e errar tiros muitas vezes com a arma COLADA NA CARA DO ALVO, também vale pros inimigos. Nesse aspecto XCOM consegue ser bastante democrático. Pelo visto, errar não só é humano como é alienígena também, já que os ETs conseguem errar tiros (com uma certa frequência até) que nem um Esquilo Cego conseguiria errar (jogadores de console entenderão...).

17% a essa distância? TÁ COM O OLHO NO CU, PORRA???

Esse roubo nos cálculos de acerto acaba meio que sabotando o próprio sistema de habilidades e árvore de evolução do game (que é excelente, já adiantando). É comum você deixar de comprar um upgrade de promoção que se baseia em chance pra escolher um que, embora não tão bom, tenha acerto garantido.

Isso acaba tornando todas as suas unidades (salvas as devidas diferenças de classe) meio que umas iguais às outras, prejudicando um aspecto que devia ser influenciado por escolhas (pego a habilidade de Demolição ou a de descarregar o cartucho inteiro de uma vez?), não pelo medo de ser roubado na hora de calcular as probabilidades de acerto.

Deviam pedir um exame de vista mais
rigoroso pra entrar nesse batalhão.

Pra terminar o tópico e encerrar o texto, cabem algumas novidades esparsas que eu achei bem legais no sistema. Não lembro se já tinha isso nos anteriores ou nas expansões, mas agora dá pra carregar nas costas um aliado incapacitado. Esse recurso até é utilizado como um objetivo de missão, mas nada muito incrível.

Também dá pra curar aliados com um Drone, uma das melhores coisas que a Firaxis implementou no game, sem sombra de dúvidas. É possível atirar em barris de combustível e tonéis para causar dano a inimigos desavisados. Ainda sobre o drone, ele é capaz de hackear à distância painéis que garantem bônus temporários (como aumento de mobilidade) e unidades robóticas inimigas.

Algo que ajuda bastante o jogador foi a novidade de que não é mais necessário comprar armas individualmente. Quando você aplica um upgrade a uma arma, ela vale pro seu esquadrão todo. Do lado dos ETs, temos alguns inimigos novos e bem legais (como os Archon e a forma verdadeira dos Thinman).

Prepare os nervos: o contador do Advent
vai te assombrar do começo ao fim.

Outro ponto de novidade bem-vindo é o já citado medidor de Advent. É uma adição bem legal ao sistema que se integra com o enredo, bem como com suas ações estratégicas in-game. Dependendo do que você faz, os aliens respondem com uma ação que vai desde aumento de patrulha até custo maior para obter informação sobre as atividades inimigas numa área.

Só achei que ele poderia se encher um pouco mais devagar (é injusto eu fazer uma coisa que elimina dois quadradinhos quando os ETs, do nada, enchem até QUATRO sem você saber por quê) e que deveria ser um pouco mais claro o que é preciso fazer para esvaziar esse contador (no começo é bastante confuso).

Nesse ponto das novidades eu preciso dar os meus mais sinceros parabéns à equipe do XCOM 2. Aqui não teve nada disso de usar o resto da carne do almoço pra fazer a sopa do jantar. XCOM 2 traz tantas diferenças de gameplay e design que nem parece que é uma continuação, podendo ser considerado um jogo em separado.


MISSÃO CUMPRIDA, COMANDANTE


Então, chegou a hora dos mais pacientes na rolagem de mouse descobrirem não só a nota que eu, pessoalmente, atribuí a esse aqui, como o motivo pelo qual eu não o enquadrei na categoria de Review Supremo, como fiz com o primeiro.

Antes de tudo, não deixe minha rabugice costumeira passar a impressão errada sobre XCOM 2. Eu gostei bastante desse jogo. Gostei de verdade, a ponto de considerá-lo, em muitos aspectos, uma verdadeira evolução com relação aos anteriores.

Dessa forma, caso você cometa o erro de estrear na franquia lendo o livro pela metade, fica a dica: não julgue XCOM 2 pelos seus vinte minutos iniciais. No começo, ainda nos tutoriais, ele pode até não parecer, mas é um exemplo genuíno de continuação feita do jeito certo.

Na boa, esse drone é tão útil que eu podia dar
um beijo na boca dele. Se eu soubesse onde ela fica.

Ele expande e renova ideias e conceitos dos games anteriores de uma forma que poucas vezes eu vi em uma continuação de um jogo (talvez Kingdom Hearts 2?). Apesar dessa declaração de amor, não posso encerrar o texto sem avisar ao leitor antes. XCOM é uma série que provavelmente é odiada por essa geração mal-acostumada com jogos fáceis demais.

É um game que não se joga levianamente, pra desestressar depois de um dia de trabalho. Ele demanda toda a sua atenção e planejamento, seja nas fases de batalhe ou nas fases de gerenciamento e administração de recursos. É um jogo que te força a fazer escolhas realmente difíceis e te pune severamente caso você não entenda rápido o bastante a mensagem que ele quer te passar.

NOTA FINAL: 5,0

Apesar de tudo, é um jogo muito bem pensado e original.

Sim, eu sei que pra quem leu o texto do Enemy Unknown é bem chocante ver um jogo do nível de XCOM 2 levar uma nota tão baixa. Mas permitam-me explicar os quês e porquês dessa dolorosa decisão.

Mesmo quando você pega o jeito do sistema do jogo e passa a derrubar QUATRO Archons em um único turno (acredite, é possível!), o que sobra de XCOM 2 é um jogo irritante, mesquinho e desagradável de se jogar. E tudo isso por causa da teimosia da Firaxis em não corrigir as taxas de acerto sem lógica do jogo.

Ao final do dia você encerra o jogo pensando: “será que valeu a pena todos aqueles tiros errados (com mais de 90% de acerto), performance problemática e loads abusivos? O que sobrou de diversão no meio de toda essa trabalheira toda?"

Não ouse me julgar, seu careca telepata filho de uma égua.

É um jogo que você finaliza mais pela obrigação do que pelo divertimento que sua experiência traz consigo. A Firaxis bate o pé, lança um DLC atrás do outro e simplesmente ignora as queixas (justificadas) dos jogadores aos problemas que o game, indiscutivelmente, possui. 

Falo isso por experiência própria: eu mandei um tuíte questionando as taxas de acerto do game e ela simplesmente fingiu que eu não existo. É por essa postura, e todos os defeitos listados acima, que eu NÃO recomendo XCOM a outros jogadores.

Eu juro que queria dar uma nota mais alta a esse jogo. Mas a teimosia da Firaxis em tornar XCOM uma experiência desnecessariamente desagradável e exaustiva ao jogador não deixa. Se não fosse por isso, talvez XCOM 2 fosse um forte candidato a melhor jogo que eu joguei em 2020.

"EU RECLAMO MAS EU GOSTO, PORRAAAAAAAAAAAAA"


Se você é um fã doente da franquia e não se incomoda com todas as falhas que eu citei ao longo desse texto, adicione três ou quatro pontos a essa nota e seja feliz na sua demência. XCOM 2 é um ótimo game, mas ele cobra uma dedicação e tempo do jogador que muitos talvez não possuam, ou não estejam dispostos a reservar, a um título com tantos problemas.

E é isso, pessoal. Espero que tenham gostado da leitura e nos vemos daqui a mais dez anos, quando eu recuperar meu fôlego dessa experiência de autoflagelação que é defender o planeta Terra das garras dos alienígenas malvadões invasores de bundas.

Au Revoir!