Você sabe que está passando pela crise dos 40 quando possui um PS4, mas os jogos mais marcantes que vêm à sua cabeça, quando você tenta fazer uma retrospectiva do que mais te marcou nessa geração, são títulos desconhecidos que passam longe do glamour dos triple A e se enquadram melhor na categoria dos indies.
Indies são jogos de baixo orçamento (ou não), geralmente desenvolvidos por uma modesta equipe (ou não) e costumam girar em torno de um conceito inovador (ou não), uma perspectiva ideológica diferenciada (ou não) ou um estilo artístico que vai na contramão do que é ditado pelos padrões da indústria (ou também não).
Desde 2015, quando adquiri meu PS4, alguns jogos dessa categoria conseguiram capturar minha atenção de forma quase avassaladora: Stardew Valley veio pra me trazer paz e mostrar que as coisas simples da vida podem ter um peso maior do que costumamos atribuir a elas em nossa apressada rotina de cidade grande.
Desculpem os fãs, mas Limbo não tem análise aqui no blog, e provavelmente nunca vai ter... |
The Sexy Brutale conseguiu me impressionar com sua originalidade de conceitos, música matadora e gráficos surpreendentemente belos pra um jogo “desse nível”. Bloodstained (tanto o bonitão dos consoles grandes quanto seu irmão mais novo pixelado) me conquistou com sua execução quase perfeita de um estilo que anda meio em falta nos dias atuais (o estilo Metroidvania).
P.s: todos os jogos citados possuem análise aqui no blog. Deixe de ser preguiçoso e procure na barra de pesquisas do blogger.
Mas, e quanto a Inside? O segundo game da mesma criadora de Limbo eu só vim adquirir em meados de 2018, enquanto expandia meus títulos de coleção em mídia física pro PS4. Talvez o fato de não ter renovado a assinatura da Plus este ano tenha me “incentivado” a tirar a poeira de alguns jogos que estavam criando mofo na minha estante.
Se foi o caso, fico bastante feliz que a conjuntura atual tenha me levado a desbravar jogos que comprei há muito tempo e nunca joguei pra valer (eu já havia experimentado a demo de Inside, mas nunca tinha parado pra dar a atenção que o game, definitivamente, merece).
Se não conhece, procure jogar The Sexy Brutale. Você não vai se arrepender. |
Depois de um longo hiato de sete meses sem postar nada no blog (razões: trabalhando mais que nunca; comecei uma pós-graduação a distância; contexto desanimador de pandemia...), finalmente bateu AQUELA vontade de não conseguir me segurar pra falar de um jogo que eu acho que todos deviam, ao menos, dar uma chance.
Inside consegue ser tão bom quanto Limbo? E a dificuldade, continua a mesma daquele outro jogo, ou os caras da Playdead deram pra trás e resolveram facilitar a vida pro jogador dessa vez? Inside vai numa linha mais direta no tocante a narrativa ou é tão insidioso quanto Limbo em questões de deixar claro o que raios está se passando no universo do game?
Para a resposta dessas
e de mais outras milhares de perguntas você já sabe o procedimento: puxe uma
cadeira, prepare um chá quente (para aquecer as vias aéreas superiores em tempos
de pandemia) e vem com o titio Shadow.
HISTÓRIA
(8,9)
Fica difícil não comparar uma obra a outra quando você está falando do segundo jogo criado por uma desenvolvedora que só fez... dois jogos no total (assim acredito). Sendo assim, espere alguns paralelos entre este game aqui e Limbo. Tirada essa pedra do caminho, permita-me prosseguir.
Sim, meu caro nerd apreciador de games cabeçudos: Inside possui uma história, e ela é das boas, daquelas que convidam o jogador a prestar atenção aos mínimos detalhes de tudo que está acontecendo (no desenrolar dos eventos e dos objetos do cenário), já que o enredo do jogo não é apresentado por nenhum tipo de diálogo (seja escrito ou falado).
Pelas observações que o
jogador pode fazer enquanto progride, Inside traz uma forte crítica social de
comportamento de rebanho que é típico de alguns animais na natureza e, por que
não, do próprio ser humano.
"We are the angry mob, we read the papers everyday..." |
Indireta e evasiva que é, a história do game não se permite acontecer por meios convencionais de narrativa digital. Você começa o jogo com seu personagem saindo de uma moita no canto esquerdo da tela (bem parecido com Limbo) e já começa a ser perseguido por pessoas de máscara e cães de caça enfurecidos.
Tudo em seu caminho tenha te capturar ou te matar, e um reles tropeção numa raiz de árvore já deixa bem claro o tom de Corra, Lola, corra que vai permear boa parte da sua experiência com o game. Então quer dizer que Inside é um side-scrolling do estilo endless run? Não, claro que não.
Mas então, do que fala
o enredo de Inside afinal? Uma invasão alienígena está acontecendo? Estamos diante
de um poderoso controle de massas por um governo ditatorial e opressor? O jogo
se passa em 1984 (entendedores entenderão...)? Estamos participando de um experimento científico de cunho biológico-social?
Desde o começo já fica claro que aqui não é o seu lugar.
Sendo uma dessas conjecturas ou outra, ou todas elas ao mesmo tempo, é flagrante o fato de que a Playdead adora flertar com o mórbido e o perturbador em suas obras até aqui lançadas, não importa que conclusão os jogadores vão tirar da experiência.
Inside se passa em um
mundo monocromático e sufocante, onde tudo parece querer admirar o escarlate do
seu sangue. Estamos em uma realidade alternativa distópica (futuro? Período não
determinado de alguma grande guerra da história humana?) que não precisa de uma
palavra pra incomodar o jogador. Se duvida, que tal a tarefa de induzir um
porco zumbi a bater a cabeça contra uma parede e retirar um verme controlador
de mentes de seu ânus?
É reconfortante saber que mesmo um mundo
opressor sabe valorizar um bom profissional de veterinária.
Não sei se entendi direito, ou se resolvi mergulhar de cabeça no clima bizarro preparado pela Playdead, mas me pareceu que seus seguidores sem identidade estão mortos ou são algum tipo de zumbi sem iniciativa própria. A parte onde derrubamos uma jaula cheia deles me passou essa impressão, já que o garoto arremessa um dos seguidores pra uma queda humanamente impossível de se sobreviver, só pra depois utilizar seu corpo reanimado pra prosseguir no cenário.
Sem contar que existe uma
sala, próxima a esse local, onde indiscutivelmente podemos ver um objeto cruciforme adornando o ambiente. Eu sei, eu forço a barra pra caramba às vezes,
mas é o efeito que jogos abertos a interpretação de roteiro causam em mim. Não consigo
evitar...
Olha a cruz aí! Eu não disse que tinha uma cruz?
Eu sabia que isso era uma cruz!
De fato, Inside foi um dos poucos jogos da atualidade que conseguiu, de forma verdadeira, me deixar completamente aflito com uma cena (a da “descida” em companhia dos amigos com guelras) e me surpreender totalmente com uma direção inesperada de eventos. É inevitável se pegar questionando como seriam algumas outras partes do gameplay caso o personagem tivesse “se dado conta” mais cedo de suas potenciais habilidades.
Parando pra pensar, de forma geral, o mundo dos games é bastante curioso. Enquanto um jogo com quilômetros de texto como Dragon Age não consegue te cativar pelo excesso da palavra escrita, um outro sem nenhum texto pode te fazer refletir tanto sobre conceitos como a sua liberdade (ou a falta dela) ou a tristeza de estar preso em um lugar ao qual você não pertence.
GRÁFICOS E SOM (7,5)
De forma geral, e já adiantando um pouco do meu veredito, Inside é melhor que Limbo em tudo, menos nos visuais. Na verdade, achei que ele tem um design genérico de instrutor de jogo fitness, como num daqueles jogos de treino que vinham com o Nintendo Wii em seu lançamento.
“Mas Shadow, seu jogador de Street Fighter 5 da porra, a ideia do jogo é fazer uma crítica à falta de iniciativa e opinião própria das pessoas. Pensei que você tivesse se tocado que o visual lavado e os personagens sem face eram propositais.”
Sim, meu querido Troll
da Internet, eu tenho ciência disso. Não estou falando que isso seja um defeito,
uma falha que atrapalhe sua imersão nos ambientes do jogo. Pelo contrário, em
alguns momentos os gráficos são até mais bonitos do que “precisam” pra esse
nicho de game. Só acho que a melhoria nos visuais, levando em conta a distância
de uma geração entre este e Limbo, não é tão acentuada quanto poderia.
O mundo de Inside é tão frio, sujo e desolado
que chega a dar agonia de estar lá.
Isso fica bem evidente numa parte perto do final, onde estamos em um laboratório com funcionários e cientistas olhando algo completamente chocante por trás de uma enorme parede de vidro (não se preocupe: Inside não é o tipo de jogo que esconde o ouro por muito tempo). Sinta-se à vontade para me julgar, mas a reação das pessoas no laboratório me lembrou bastante o clipe Pure Morning, da banda Placebo.
Como não podia deixar
de ser, Inside traz o pedigree de gore “daquele outro jogo sádico de torturar
criancinhas indefesas” dessa mesma desenvolvedora. Há várias maneiras de se
morrer aqui: por queda; esquartejamento por uma hélice; mordido por uma matilha
de cães raivosos; afogado pela Samara de O chamado... Mas é claro, o que você
esperava de uma empresa que se denomina “Finja de Morto?”
Eu vejo gente morta. Com que frequência? Toda vez que eu entro na água...
Sobre os efeitos sonoros, confesso que algumas situações do game poderiam ser representadas com um pouco mais de exuberância em sons diversos (pintinhos que não piam? Please, Playdead). De resto, não tem muito do que reclamar aqui. Inside poderia ser mais exuberante nesse aspecto sonoro, mas o que tem à disposição não decepciona.
JOGABILIDADE
E SISTEMA (8,0)
Como já deixei claro algumas linhas acima, as comparações com Limbo são inevitáveis, e não seria diferente no aspecto da jogabilidade. Tente se lembrar da forma como os dois jogos começam e me diga se estou cometendo alguma injustiça quando coloco as duas obras lado a lado nesse ponto.
Mas então, o que você faz em Inside? Algumas mesmíssimas coisas que fazia em Limbo: pular baixo; empurrar e agarrar caixas; andar de submarino; controlar pessoas com um capacete do professor Xavier. Nada que você já não tenha feito em milhares de outros jogos, não é mesmo?
Sobre os enigmas
encontrados durante a exploração, a Playdead nos presenteia com um jogo que
recompensa o jogador pela sua curiosidade em investigar. É preciso uma atenção
aos detalhes bem especial, muito embora que não obsessiva, para aproveitar cada
cantinho que o mundo sombrio dessa obra tem a oferecer.
Os enigmas vão exigir de você, mas nada no nível
"diploma em engenharia mecatrônica" de dificuldade.
Mesmo sendo mais fácil
que Limbo, Inside consegue fazer uso do side-scrolling de forma bastante original.
A parte do siga-o-chefe na linha de montagem humana é o exemplo perfeito
disso: você cai de paraquedas numa fileira de pessoas e precisa imitar o
comportamento de gado dos outros humanos. Caso as câmeras percebam que você
ousou cometer o pecado de se destacar do padrão e pensar por conta própria, será arrastado por um gancho, preso por um segurança
ou devorado por cães de guarda com sangue nos olhos.
"We don't need no education...
We don't need no thought control..."
Infelizmente, apesar
de ter gostado muito deste aqui, confesso que achei Inside um game
relativamente curto, daqueles que se termina em um dia (dois se você se
desafiar a encontrar todos os Secrets na raça), principalmente se você não se
importar com coisas como desbloqueáveis ou "finais" secretos.
"Quando este card for invocado normal ou especialmente, dobre
o contador de cabelos brancos do jogador."
De forma geral, os Heralds são desafiadores (desculpem os que não curtem Yu-Gi-Oh!, mas sou anatomicamente incapaz de me referir a elas de outra forma), mas exigem da sua inteligência apenas o necessário para que você saia de sua zona de conforto e quebre as convenções definidas pelas próprias mecânicas de jogo previamente apresentadas ao jogador. Nada de cobrar sexto sentido ou adivinhômetro de você arbitrariamente.
SPOILERS
Inside, diferente de Limbo, é um jogo tão pitoresco que se faz necessária uma seção à parte para poder falar de toda a loucura que foi esse jogo pra mim. Não dá pra ficar só dizendo que o jogo é cheio de bizarres sem dar a opinião detalhada do que eu achei de tudo isso.
O jogo te leva numa direção completamente linear (e não estou me referindo à progressão de tela) e te faz pensar que tudo gira em torno de guiar um moleque fugitivo em busca de liberdade. Só pra depois mergulhar o jogador (desculpem, não resisti) num dos plot twists mais absurdos que um jogo indie teria coragem de executar.
Se você está lendo até
aqui apenas pelo seu apreço aos meus textos, não tem a mínima intenção de jogar
e está cagando e andando pra spoilers, posso revelar que chega num determinado
ponto onde caímos na água e somos finalmente agarrados pela Samara embaixo d’água.
"Onde eu nasci, ONDE EU NASCI, onde eu nasci..."
Ao invés de morrer na praia (desculpem, não resisti de novo), descobrimos que nosso garoto prodígio possui a capacidade de respirar embaixo d’água. E não para por aí: depois disso, peixes estranhamente começam a se reunir em volta do garoto, e o controle da mente das massas pode ser feito sem o uso do capacete do Charles Xavier.
A parte final de
Inside é uma das maiores bizarrices que eu já vi num game. Imagine um trecho de
um jogo que mistura Katamari Damacy; o filme Centopeia Humana; um
pouco do filme A bolha; o game (que chupou legal desse aqui) Carrion;
e o boss Legion, da franquia Castlevania. Se você pescou cada uma
das referências de cultura nerd que eu citei aqui, parabéns: você tem um bocado
de tempo livre no seu dia a dia.
"Na na, na na na na na na na, Katamary Damacy..."
Infelizmente, por ter um péssimo ouvido musical, eu acabei deduzindo a sequência errada. A minha dedução foi: cima 9x (wtf?!?); direita 3x; esquerda 9x; cima 6x; direita 3x; e finalmente esquerda 6x. Isso foi o que se passou na minha cabeça. Vejamos a sequência real:
Cima 2x; esquerda,
direita; direita 3x; cima 3x; direita; esquerda 3x. Pois é. Como músico, eu
daria um excelente escritor de textos quilométricos, não é mesmo?
Claro que eu não podia colocar fotos do final game, mesmo na seção de spoiler.
Dessa forma, fiquem mais uma vez com o inspirado momento da "lombriga no fiofó do porco."
Ao chegar ao extremo direito do bunker, nos deparamos com o único objeto interativo no cenário: um cabo de força que parece estar relacionado ao maquinário da criatura de fundo. Ao puxar o plug... seu personagem se desliga como um daqueles zumbis que você controlou para resolver enigmas. Tire suas próprias conclusões a esse respeito...
Muito me lembra Inside o primeiro Bioshock ao levantar questões como determinismo, se somos os verdadeiros protagonistas de nossas ações ou meras marionetes de nossos instintos e código genético. Conclusões e críticas sociais ficam a cargo da interpretação de cada um.
“QUANDO A
GENTE FICA EM FRENTE AO MAR,
A GENTE SE SENTE MELHOR...”
Como já adiantei, achei Inside melhor e mais bem-executado que Limbo em tudo, principalmente no impacto que quer causar, nas reflexões existencialistas e na mensagem quer transmitir ao jogador. Lembrou muito a obra de Levine no sentido de empurrar o jogador a se indagar sobre assuntos "profundos" da vida (perdoem o trocadilho. Vocês sabem que eu não consigo me controlar com essas coisas).
A diferença é que ele não entrega sua proposta embalada em gráficos top de linha, ou por meio de diálogos com pretensão de grandeza (e isso não é uma crítica negativa à série Bioshock, pelo amor dos filhinhos que eu nem tenho).
Nota Final: 8,7
Playdead, admito que você me surpreendeu com a qualidade de Inside. Foi um jogo que comprei por motivos de colecionador, em meados de 2018, e que me arrependo amargamente de não ter jogado antes.
A você que está lendo, fica o conselho: aproveite o preço de “joguinho de celular” que é típico de títulos indie (coisa que o game indiscutivelmente não é) e corra pra conhecer essa pérola submersa. Playdead, eu não sei por onde você anda ou o que vem fazendo nesses tempos, mas eu vi do que você é capaz e saiba eu quero mais...
Au Revoir!
Parabéns pela análise, amigo! Está excelente!
ResponderExcluirE acabei descobrindo que estou passando pela crise dos 40, rs.
Abraços!
Agredeço pelo carinho. E boa sorte na crise dos 40 também. Rsrsrsrs.
ExcluirShadow, seja bem vindo de volta! Que seu trampo, facul e desânimo pandemico não o faça ficar longe por mais muito tempo! Suas excelência em análises e reviews são sempre uma distração bem vinda!
ResponderExcluirSobre o jogo: gosto muito deste estilo "mórbido-linear-curto-plataforma" e concordo que ele supera limbo em todas as mecânicas, pra mim o tamanho dele é o ideal. É aquele tipo de jogo que numa noite tediosa vai te fazer chamar um amigo e falar: vamos lá, quem morrer passa a vez pro outro.
Obrigado, Filipe. São comentários como o seu que me incentivam a continuar com os textos aqui no blog (além do gosto que eu tenho em dar pitaco nas coisas, claro rsrsrsrs). A sua opinião com o jogo é a mesma que a minha, sem tirar nem pôr. Fico ansioso para que a Play Dead faça outros jogos na vybe de Inside.
ExcluirAcabei de descobrir seu blog numa pesquisa do google, continue com o ótimo trabalho no blog! Vou acompanhar sempre que possível...
ResponderExcluirSeja bem-vindo. O blog faz dez anos este ano, então leitura é o que não vai faltar. Agradeço pelo elogio e pode deixar que, na medida do possível, os posts vão acontecendo.
Excluirnso sei quase nada de games... confesso que te sigo pq sou Tradutora ev vai que um dia tenha que traduzir algo na área de games....preciso me familiarizar com alguns termos. Mas confesso que fui mergulhando na análise.... kkkkk legal.Parabéns e obrigada.
ResponderExcluirobrigado pelos elogios. Que bom que você gostou do post e seja bem-vindo (a) ao blog.
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