Minha relação com a
série Silent Hill é no mínimo curiosa: apesar de adorar os jogos, eu joguei
praticamente todos da franquia, mas não terminei quase nenhum (apenas o
primeiro e o Origins). Com o blog, a estranheza continua: falei dos jogos em algumas
ocasiões, mas nunca cheguei a analisar metodicamente nenhum dos títulos. Para ler sobre a série aqui no blog, clique neste link.
Quem acompanha meus
textos sabe que eu não sou nada fã de comprar jogos digitais: geralmente eles
cobram o preço de um disco físico por um download de internet custeado pela
conexão de banda larga do próprio jogador. Em uma analogia ao mundo real, tal
sandice seria equivalente a você pagar frete por um produto que você entregou a
si mesmo. E eu fico bastante surpreso ao perceber como, aparentemente, só eu
tenho a capacidade de me escandalizar diante desse tipo de prática (bem como a
prática de não abater o custo da caixa, disco, manual, transporte e etc. ao
consumidor final).
Mas acalme-se: eu não
sou um daqueles velhos turrões saudosistas que acham que tudo era melhor do
jeito de antigamente. Em lojas virtuais como Steam e PSN é possível adquirir
jogos por preços mais do que razoáveis. Além do mais, o serviço digital de games
oferece acesso a jogos fora de linha, que seriam praticamente impossíveis de se
encontrar em versões físicas, sem falar da “entrega” imediata e economia de
espaço na estante (um fator importantíssimo a ser levado em consideração).
"Vejam só que coisa mais bizarra: uma porta SEM fechadura..." |
Esse é o caso de Silent
Hill, um jogo lançado em 1999 pela Konami (em uma época em que ela ainda se
importava com games) que pode ser comprado por meros R$10,00 na loja virtual da
Sony (ironicamente, o mesmo preço que eu pagava por CDs de Playstation 1, na
minha época de andar com papagaios no ombro...).
Por estar insatisfeito
com o tratamento dado à franquia Silent Hill no blog, e por ter terminado o
primeiro jogo muito recentemente, eu senti a necessidade de dar um tratamento
adequado a um dos jogos que eu mais joguei durante a minha fase de jogador de
Psone em casas de jogos. Sendo assim, eu trago agora a análise de mais um jogo clássico
ao Mais Um Blog de Games.
O CONTEXTO DA COLINA SILENCIOSA...
E as comparações não
eram nada injustificadas: o sucesso de zumbis da empresa gerou todo tipo de
jogos que chupavam sem dó nem piedade a mecânica utilizada por aquela empresa,
muito embora que a própria Capcom tenha se inspirado fortemente na clássica
série Alone in the Dark para fundamentar seu sucesso decapitador de
mortos-vivos.
Mas aí entrou em cena
Silent Hill, um jogo que elegantemente se distanciava da enxurrada de clones de
Resident Evil para estabelecer um tipo de terror mais sutil, mais refinado e
mais parecido com o tipo de horror encontrado na franquia que inspirou o
sucesso da Capcom.
Falar que o terror de
Silent Hill é mais puxado pra sutileza psicológica não é frase clichê de
escritor de revista de games entediado não: Silent Hill usa da escuridão e do
fantasmagórico ruído de estática de um rádio portátil para trazer uma sensação
de medo e inquietação poucas vezes vistas no gênero.
Claro que os criadores
se deram ao luxo de nadar em algumas convenções do gênero (um jump scare ou
outro jogado aleatoriamente nos ambientes; aquele objeto que cai no chão
fazendo o maior barulho, sem motivo algum...). Mas quando você se dá conta de
que não tem como resolver o problema da escuridão e névoa nos cenários, e que o inimigo
mais assustador do game não é um Tyrant de dois metros de altura, e sim o
fantasma de um bebê que soluça pelos cômodos de uma escola abandonada, fica
bastante claro que a missão de acrescentar algo ao gênero dos games de terror
foi cumprida a contento.
ENREDO (7,9)
Silent Hill conta a
história de Harry Mason, um viúvo que viajava com a filha Cheryl, de sete anos
de idade, quando um acidente na estrada de Silent Hill o tira da sua rota
normal de viagem (não fica muito claro pra onde Harry estava indo, ou o que ele
ia fazer na companhia de Cheryl).
Ao despertar, Harry
percebe que sua filha não está no carro capotado. É então que ele parte em busca
do paradeiro da criança, apenas para descobrir que Silent Hill é uma cidade
praticamente vazia onde coisas muito estranhas rondam a cada esquina virada.
Não vou detalhar muito
do enredo do jogo. Só preciso atestar que ele é bom, a motivação de Harry é bem
clara e sólida e o empenho do pai em encontrar a filha (adotiva) não arrefece
em nenhum momento do jogo (contrariando a visão de certos diretores de cinema,
que acham que um homem não é a melhor figura para representar cuidado parental
com uma criança desaparecida...).
O enredo em si não
conta com nenhum problema: com o decorrer da história, ficamos sabendo que
algumas pessoas encontradas na cidade (a policial Cybil, a enfermeira Lisa,
Dahlia Gillespie, o médico Michael Kauffman) podem não ser exatamente quem
dizem ser, e com certeza têm uma noção (mesmo que vaga) do que está se passando
na cidade, e do papel da filha de Harry nisso tudo.
Cybil, um doce de pessoa. Isso quando não está com um verme grudado nas costas, atirando na sua cara... |
Mas algo que me incomodava há quase 20 anos, e que continua a me incomodar até os dias de hoje (depois da enésima partida de Silent Hill), é a forma como os elementos do enredo são atirados ao jogador sem muitas explicações: muito do que sabemos sobre os acontecimentos na cidade foram escavados pela curiosidade dos fãs e das mídias especializadas em jogos, que prontamente se encarregaram de preencher as lacunas do enredo deixadas (propositalmente ou não) pelos roteiristas.
Como acontece
tipicamente em histórias de terror japonesas, não espere encontrar muitas
explicações para os acontecimentos do jogo: você sabe que Alessa foi uma
criança sofrida que tem a capacidade de criar uma espécie de realidade paralela
(e sombria) decorada com seus maiores pesadelos (sua fobia por cães, hospitais,
médicos e enfermeiras...), mas não se dê ao trabalho de questionar como. O jogo
não tem a menor intenção de explicar alguns desses fatos, bem como tantos outros.
Silent Hill tem como
marca registrada a possibilidades de vários finais, inclusive alguns que se
tornariam clássicos na franquia (como o final UFO, ou um final de galhofa). Mas, mesmo no final
considerado bom (aquele no qual Harry escapa da cidade com Cybil e uma versão
recém-nascida de sua filha), não é exagero afirmar que o protagonista termina
sua aventura tão confuso quanto a própria pessoa que segura o controle.
APRESENTAÇÃO (9,2)
Talvez por ter dado as
caras já no finalzinho da festa dos 32-bits, os programadores da Konami
conseguiram entregar um produto final bastante competente, dadas as terríveis
limitações técnicas do console estreante da Sony.
Silent Hill era um
jogo que impressionava em sua performance: se distanciando ainda mais de
Resident Evil e seus clones, o jogo apresentava gráficos totalmente
renderizados em tempo real, sem cenários estáticos com mudanças de câmera
pré-definidas. O resultado disso é bom e ruim ao mesmo tempo: mesmo contando
com uma animação fluente e passagem de ambientes praticamente instantânea, a
câmera de Silent Hill é bastante inquieta em alguns momentos (dando a impressão de um cenário "molenga"). Isso quando não
insiste em filmar o protagonista de frente, ignorando todo o caminho que é
necessário visualizar para prosseguir nos ambientes.
Na parte dos visuais,
o jogo apresenta belas locações, com temáticas bastante variadas: uma escola,
um hotel, um hospital tenebroso, esgotos labirínticos, e até um agradável
parque de diversões (preciso dizer que estou sendo sarcástico?).
Pra apimentar um pouco
as coisas, alguns momentos do enredo são mostrados pela ótica de belas CGs, bem
como os finais e algumas cenas clássicas, que devem permanecer na cabeça de
muitos jogadores até os dias de hoje (Lisa se liquefazendo na frente de Harry é
uma visão do inferno, capaz de embrulhar o estômago dos jogadores mais
sensíveis).
O som deste primeiro
Silent Hill apresenta uma qualidade que viraria marca registada dos episódios
vindouros: desde as dublagens até os mais imperceptíveis sons ambientes (como o
som do baque que o corpo de Lisa faz ao cair, na sala trancada por Harry),
Silent Hill dá um show de competência.
Não se surpreenda ao dar um pulo da cadeira ao ouvir o soluço de um bebê fantasma caído aos seus pés, ou se flagrar com os pelos da nuca eriçados por causa da cacofonia industrial que ecoa nos momentos mais tensos da jornada de Harry em busca de sua filha.
Não se surpreenda ao dar um pulo da cadeira ao ouvir o soluço de um bebê fantasma caído aos seus pés, ou se flagrar com os pelos da nuca eriçados por causa da cacofonia industrial que ecoa nos momentos mais tensos da jornada de Harry em busca de sua filha.
Além de contar com uma
trilha sonora original, refinada e impactante, Silent Hill faz um uso
espetacular de seus recursos sonoros pra deixar o jogador ainda mais incomodado
com o cenário de Além da Imaginação encontrado no jogo.
Felizmente, e depois
de levar mais tempo do que eu devia pra tomar essa decisão, eu pus em prática o
meu plano maligno de conectar os meus consoles a um aparelho de som ligado à TV.
E posso afirmar que essa experiência só veio a acrescentar ao sombrio mundo que
encontramos em nossa estada em Silent Hill.
SISTEMA (8,3)
Se você jogou Resident
Evil, ou um de seus clones, sabe exatamente como funcionam as coisas em Silent
Hill: controle de personagem no clássico estilo “tanque”, corrida com um botão
pressionado, coleta de itens (sem baú, graças a Samael) e uso de armas de fogo.
Como diferencial, é
possível andar enquanto atira com Harry (o que torna os combates um pouco
fáceis demais, com a maioria dos monstros não tendo a menor chance de revidar),
executar um pulinho desajeitado pra trás e andar feito um caranguejo pros lados
(com os botões de ombro).
Algo que incomoda bastante
na jogabilidade de Harry é a sua animação de corrida: ao parar bruscamente, o
personagem vai dar de cara em paredes e portas, ao invés de simplesmente parar
de correr. Isso, em várias ocasiões, vai te transformar em uma presa fácil para
ataques de inimigos pentelhos, como aqueles malditos pássaros que adoram dar um
coice na sua cabeça, durante um voo rasante.
De resto, tudo
funciona muito bem. Harry possui uma velocidade de corrida boa. Mesmo errando
alguns disparos (lembre-se de que estamos falando de um pai de família
solteiro, não de um mega agente da S.T.A.R.S) a eficiência em armas do
protagonista fica bem a contento. E, depois de terminar o jogo e estar de posse
de algumas armas secretas (como a pistola laser do ET, ou a motosserra), o
terror das esquinas de Silent Hill vai se transformar em um verdadeiro passeio
no parque.
Os combates do jogo
não apresentam muito desafio. Basta ter um pouco de cuidado, sempre de olho no
indicador de vida de Harry, que dificilmente você terá muitos problemas
(exceto, talvez, por um momento ou outro, jogando no Hard).
Já os enigmas, por sua
vez, não chegam a ser proibitivos (como o estúpido puzzle dos livros de
Shakespeare, do Silent Hill 3, ou a combinação de cadeado no hospício, em Silent Hill 2), mas com certeza vão obrigar o jogador a queimar
alguns neurônios (P.S: a exceção fica para o puzzle do piano, que eu confesso ter usado revista, na época, pra passar dele. Eu jogava em locadoras de hora, dá um desconto!).
Ainda me lembro da
ocasião em que precisei anotar todas as frases do puzzle das pedras, no
hospital, e correr a uma biblioteca atrás de um dicionário de inglês, se
quisesse prosseguir no enredo. Você, que tem acesso a uma verdadeira
enciclopédia com um deslizar de tela do celular, deve estar ou rindo ou
tentando entender a situação, neste exato momento. Mas essas são histórias de
uma fase sombria da humanidade, onde as trevas engolfavam os próprios tecidos
da realidade, e os meros jogadores mortais não podiam contar com maravilhas
como Google ou fóruns de games para lhes auxiliar nos momentos de
dificuldade...
No mais, não tem muito o que falar: mesmo contando com algumas batidas de cara na parede, e com
uma câmera nervosa que, às vezes, não sabe pra onde apontar, Silent Hill é um
jogo deliciosamente agradável de ser jogar, mesmo nos dias de hoje.
CONCLUSÃO
Silent Hill é um jogo
fantástico, mesmo depois de 17 anos de seu lançamento. É um daqueles casos,
assim como Resident Evil, em que o jogo de estreia ainda figura como o melhor título
da franquia, apesar de não ser, necessariamente, o capítulo que caracteriza a série, que vem à mente da maioria dos jogadores quando as palavras Silent Hill são
citadas em uma conversa.
Apesar de ter jogado
mais vezes que a minha diminuta memória é capaz de recordar, ainda é possível
sentir aquele velho sentimento com que o jogo sufocava o jogador, no
distante ano de 1999.
É triste ver como os
negócios falaram mais alto, fazendo uma das melhores séries da indústria dos
games desaparecer no esquecimento, por causa do total desapego da Konami com as
marcas que a transformaram em uma das empresas mais influentes da indústria.
Silent Hill contou, ao
longo dos anos, com uma incursão nos cinemas medianamente competente (falo do
primeiro filme), outras sequências totalmente esquecíveis, e vários jogos que
não chegam a serem ruins, mas que não se comparam com a obra original criada
pelos talentos da Konami (tenho noção de que, com esse comentário, acabei de
fazer uma legião de inimigos que consideram o Silent Hill 2 o melhor da franquia
em todos os aspectos. Mas fazer o quê...).
E, se você procura
pelo jogo que deu origem a toda uma cultura de games de terror; se você busca
uma experiência completa, com muitos sustos a levar e vários extras para
desbravar depois que o último tiro no peito do demônio Samael for disparado,
não deixe de jogar o primeiro Silent Hill, nem que seja pra fazer a lição de
casa com um dos melhores jogos de terror de sua geração.
E é isso, pessoal. A fim
de evitar de cair na redundância típica de final de texto, ao tentar explicar
com adjetivos desconexos o porquê de jogos como Silent Hill serem tão importantes,
eu encerro aqui mais uma análise de jogo clássico no Mais Um Blog de Games. Esperem
por mais textos desse tipo futuramente, e até o próximo post.
Au Revoir!
Ótima análise!
ResponderExcluirAcabei de publicar um artigo sobre "Silent Hill" numa revista acadêmica chamada Diversidade Religiosa. Eu interpreto os simbolismos religiosos e mitológicos do jogo usando a psicologia analítica de C. G. Jung. O link pro artigo: http://periodicos.ufpb.br/index.php/dr/article/view/25730/16694.
ResponderExcluirÓtimo artigo, José Felipe. É muito reconfortante que pessoas como você reconheçam (de forma acadêmica) a relevância dos jogos eletrônicos à nossa sociedade. Eu li o texto todo, e confesso que ele me fez enxergar o roteiro do jogo sob uma ótima que eu ainda não havia me dado conta (como na parte do começo, que você fala sobre "feminino terrível". Só uma dica: Residente Evil é da Capcom, não da Konami (provavelmente você já sabe disso, mas passou despercebido no artigo). No mais, parabéns e obrigado por compartilhar seu trabalho.
ExcluirSim, é verdade. Vacilo meu! Inclusive tenho jogos da série Resident Evil e não tinha me tocado disso. Mas obrigado pelo feedback!
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