Existem jogos que você aproveita por algumas horas, se diverte com eles e nem lembra mais da sua existência. Outros, mesmo sendo muito bons, você só precisa jogar uma única vez, para que façam parte das suas lembranças permanentemente. E existem aqueles casos raros, que te dão uma certeza quase absoluta de se tratarem de uma perfeita conjunção astral, com enredo e atmosfera tão únicos que ficam cauterizados na memória para sempre. Alien Isolation é uma destas jóias.
Alien Isolation dá
continuidade ao primeiro filme da clássica franquia de terror, Alien. Ele conta
a história de Amanda, a filha de Ellen Ripley, que no momento no qual o jogo se
passa permanece em estado de hibernação, no módulo de fuga do finado cargueiro
de mineração, o Nostromo. Pra quem chegou de Vênus agora, o Nostromo é o palco do primeiro filme, que deu origem a tudo.
A missão de Amanda é “simples”:
explorar, junto com uma equipe de funcionários da Weyland-Yutani, o cargueiro
Sevastopol em busca da caixa-preta que pode conter informações sobre o
paradeiro de sua mãe.
O jogo foi lançado
para PC, Playstation 3 e 4, Xbox 360 e One, em outubro de 2014, alcançando
sucesso relativo de mídia e público. Um alívio para os fãs da franquia Alien,
depois da péssima recepção de um dos títulos mais aguardados da geração
passada: Alien Colonial Marines.
Com uma campanha
voltada à ação desenfreada, onde não havia espaço para diálogos mais elaborados
por causa da urgência em matar xenomorfos, Colonial Marines, ao menos,
serviu para mostrar o caminho a Isolation: este acerta em tudo que aquele
fracassou, com um gameplay 100% voltado aos ambientes e à furtividade, além de
um fan service de altíssima qualidade, respeitoso com a fonte original de suas
inspirações, mas sem nunca se amarrar exclusivamente a elas.
Não é surpresa, para
quem finalizou o jogo, que Alien Isolation deixa brechas para uma possível
continuação. O susto pra valer fica mesmo por conta da SEGA, que parece levar em conta
apenas as cifras geradas pelo seu produto. Ao menos é o que deixa transparecer
as declarações do diretor da Creative Assembly, Tim Heaton, quando afirma que:
“Alien Isolation 2 não
está fora de questão, porque nós estamos tão orgulhosos com ele e existe a
possibilidade de expandir a história. Mas será que queremos gastar quantidades significativas de
dinheiro e arriscar nossas finanças? Isso não é onde a Sega quer estar, já que temos um portfólio brilhante de outros jogos que fazem sucesso.”
Provando que realmente
só enxerga as cifras, a Sega dá uma daquelas respostas amarelas, evasivas, de
quem não quer dizer um definitivo não, com medo de ter que ouvir o choro de quem teve o
coração partido.
Mas “jogos são produtos, e devem ser tratados
como tal”, não é isso que eu mesmo sempre digo em meus textos? Jogos são
produtos sim, mas não devem ser encarados APENAS como produtos quando são o
resultado de suor, sangue e muita dedicação, de acordo com os próprios
funcionários da Creative Assembly:
“Fazer jogos AAA para consoles é incrivelmente difícil. Nós demos sangue
por esse jogo, superamos as dificuldades, e nos sentimos realmente felizes com
o resultado.”
E já que adentramos no
assunto de vendas, Alien Isolation não aponta uma quantia exata, mas os números
de seu relativo sucesso de mercado giram em torno das 2,1 milhões de cópias
vendidas (fico bastante aliviado em saber que duas dessas cópias podem ser
atribuídas a minha pessoa).
Ao que parece, um
número insuficiente, já que temos uma indústria acostumada a ver uma platéia dez
vezes maior que essa, todos os anos, aplaudindo a repetição de tiroteios intermináveis
em blockbusters como Call of Duty ou Battlefield.
Em uma época em que, ou
um jogo chuta as portas e leva junto com elas alguns recordes de vendas, ou
jamais terá outra oportunidade de ver a luz do dia novamente em uma
continuação, não sobra muito espaço para "jogos de tiro" com enredos demasiadamente elaborados, cenários
fantasticamente detalhados e clima de terror e suspense reais.
Pra quê se dar ao
trabalho de criar uma atmosfera crível, que faz o jogador querer revisitá-la
uma vez após a outra, apenas para coabitar o mesmo espaço físico e aflições
encaradas pela protagonista? Pra quê tanto suor e sangue, quando podemos
pressionar o botão de corrida, o L3, como se nossa vida real dependesse disso,
e acertar a maior quantidade de headshots possível no meio do caminho?
A natimorta
continuação de AI sofre do mesmo problema de jogos como Mirror’s Edge, que
tiveram a audácia de contrariar o senso comum dos FPSs. Onde está a barra de
vida do meu personagem? E por que ela não está se regenerando com o tempo? Um jogo
de tiro no qual a maior graça consiste não em fuzilar o inimigo, mas desarmá-lo
e sair fugindo, aos saltos, pelas paredes? Se esconder em um armário pra despistar o inimigo? Qual a lógica disso, se eu tenho uma calibre .38 nas mãos? Você só pode estar brincando...
O que aconteceu com a empolgação
pueril do pique-esconde, de despistar o perseguidor, dar a volta no quarteirão,
e clamar a vitória com uma palmada na parede? Fica difícil perguntar isso a uma
geração que tem como ápice da adrenalina o esperar de uma barrinha de vida se
regenerar, enquanto recarrega a arma por de trás de um caixote de cobertura
convenientemente posicionado no cenário.
O que resta a um fã,
quando ele sabe que a continuação de uma de suas obras contemporâneas favoritas
está nas mãos de meros números de vendas? Números esses que, por sua vez, estão
atrelados a uma maioria de jogadores imediatistas, que enxergam a alta
dificuldade em um jogo de sobrevivência (e a "absurda" ausência de autosave) como um indiscutível demérito, quando é justamente uma de suas maiores qualidades.
Muito embora que eu
costume evitar questões de bastidores da indústria em meus textos, eu não sou
ingênuo. Eu sei que angariar equipe, recursos e paixão por um projeto não é
algo que se resolva com uma petição de internet, ainda que este tipo de
iniciativa seja muito bem-vinda (alô, Kickstarter...). Mas, depois de me encontrar, pela quinta vez,
a poucas missões de escapar da Sevastopol e marcar o destino de Amanda Ripley
como incerto, esse era o último tipo de texto que eu gostaria de estar
escrevendo no momento.
O que eu esperava como
jogador nem era tanto uma sequência de Alien Isolation, apesar do inegável
carisma e senso de sobrevivência mostrados por Amanda no game. Eu ficaria
satisfeito com um belo mix do que vimos em AI em um jogo da série AVP, que fosse
capaz de saciar a sede de sangue que certos jogadores demonstram com FPSs, mas
ao mesmo tempo ainda preservasse a original capacidade de gelar a nossa espinha, ao mero som de pesados passos de uma criatura que se encontra na sala logo ao
lado (alguém notou o potencial de três abordagens diferentes de campanha? Ninguém? Dou-lhe uma, dou-lhe duas...).
Não é apenas Amanda
Ripley que se encontra à deriva, esperando ser salva por uma luz que nunca a
alcança. Somos todos nós, fãs de jogos de terror e stealth, que ficamos reféns
de planilhas de vendas, que parecem ter mais peso na balança da predatória e
imediatista atual indústria de games, do que jogos feitos com suor e sangue, vindos de uma equipe de apaixonados por uma franquia.
Mas, se isto serve de
consolo, Alien Isolation 2 só verá a luz da nova era se for pra ser feito da
forma correta, como ensinou seu antecessor. Ao menos é isso que dá a entender Gary Napper, o designer-chefe do game, em outra de suas
declarações:
"Acho que o estilo de jogo Aliens, que é mais
voltado para a ação, é muito diferente do que o Isolation é. Se fizéssemos uma
sequência, eu gostaria de ficar com a mesma abordagem de Alien, fazer mais com o
ambiente e interatividade com ele."
Espero que não seja um "adeus", e sim um "até logo"... |
A quem fica à deriva, a esperança é a última que morre. Pois, quando não se tem mais nada a perder, nada se é cobrado por sonhar.
Au Revoir...
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