
O Youtube é o maior
site de uploads de vídeos em atividade na nossa galáxia. E não estou exagerando
geograficamente ao acaso não. Algumas pessoas nem devem sequer saber que
existem outros sites que oferecem o mesmo serviço, dada a aceitação e o quase
monopólio causado por esse site.
Eu comecei a usar o
Youtube no longínquo ano de 2006, por indicação de um amigo. E sabe qual a
diferença entre mim e 99% dos outros usuários? É que diferente deles, eu me
lembro exatamente qual foi o primeiro vídeo que eu vi nesse site:
O tempo foi passando,
e as pessoas descobriram que o Youtube poderia ser usado para outros fins que
não o de compartilhar vídeos engraçadinhos de gatos espirrando, supostas
mulheres de seis dedos fazendo sexo na praia, ou crianças gutch gutch mordendo
o dedo de outras criancinhas fofas, sob efeito de anestesia.
E entre os novos
serviços que o site oferecia, estavam os vídeos de gameplay e reviews de games.
Para apimentar ainda
mais essa deliciosa mistura de meios de entretenimento, surgiu o Machinima. Não
quero entrar em detalhes, mas basicamente o Machinima é um recurso que remunera
criadores de conteúdo no Youtube, baseado na quantidade de visualizações e
inscritos que um canal possa acumular. Além do Machinima, o próprio Youtube
conta com uma ferramenta nativa básica de monetização, que é a possibilidade de
permitir comerciais durante os seus vídeos, para gerar receita a uma conta
atribuída ao dono do canal. E assim foi aceso o estopim que mandaria a bolha
dos Youtubers pelos ares.
Houve uma época (não
muito distante, cerca de uns cinco ou seis anos atrás) que bastava apenas uma
câmera amadora, uma placa de captura de vídeo conectada ao PC, e um pouco de
sinceridade e amor pelos games para estourar a média de visualizações em um
canal de games no Youtube.
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Com certeza você já viu esse logo em algum momento... |
Hoje em dia, os youtubers (as pessoas que publicam vídeos no site, de forma regular)
encenam verdadeiras produções hollywoodianas para realizar a mera tarefa de “falar
o que achou sobre aquele joguinho que você gosta”. E quem não consegue se
equipar no mesmo nível tecnológico de figuras como Zangado, Guilherme Gamer ou
Davy Jones, muitas vezes sofre bullying de uma verdadeira legião de fãs desses grandes
canais, às vezes sem nem pararem pra dar uma conferida no que os cachorros
pequenos têm a latir sobre o tema preferido deles.
Algo que já foi
considerado um entretenimento marginal, associado a drogas leves e
estabelecimentos de reputação duvidosa, o simples ato de jogar e falar de games
virou um mega negócio (ao menos na cabeça de quem não se deu ao trabalho de
procurar saber como a coisa realmente funciona), com pessoas chegando ao extremo de abandonar suas profissões ou negócios próprios para se dedicar à fina arte de
gravar, editar e fazer o upload de suas suadas produções embelezadas por aquele
Sony Vegas esperto, já crackeado, baixado “de graça” na rede.
E depois de ver todo
esse show nascer, crescer, e encarnar o adolescente revoltado que rouba as
chaves do carro dos pais, uma pergunta que sempre me veio à mente era a
seguinte: quando será que a bolha dos Youtubers de game vai estourar?
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Angry Joe é um dos meus preferidos em questão de opinião. |
Criar conteúdo de
games para o Youtube virou algo tão batido quanto uma receita de bolo. Algo tão
manjado que mesmo eu, que criei um descompromissado canal com a sincera
intenção de carregar meus vídeos (para que esses ficassem menos amadores na
hora de utilizar nas postagens do blog), consigo criar uma espécie de guia
nefasto do Youtuber iniciante, interessado em encontrar um jeito fácil de
burlar “o sistema” e fazer uma graninha extra no final do mês. Vejam só:
1-antes de tudo, mendigue
likes e inscritos. Você sabe: joinhas e inscritos de canal são a medida máxima
de sucesso no Youtube, dignas de verdadeiras batalhas de vida ou morte para
garantir o pão de cada dia daqueles que abandonaram a faculdade, ou o próprio
emprego, para se dedicar ao amor que sentem pelos “games”, tão em voga nos dias
de hoje.
Se possível, mendigue
likes assim que começar a gravar, antes mesmo do espectador sequer ter alguma noção do que se trata o seu vídeo. Vai
que ele fecha o site antes de terminar de assistir, né?
2-banque o bom moço. Todos
sabem que o público de Youtube, e da internet em geral, são pessoas
extremamente exigentes, com opinião própria e posições sólidas e muito
bem-estabelecidas sobre os diversos assuntos (SARCASMO: OFF). Uma pessoa que dá
conselhos dignos de deixar a sua vovó com um brilho nos olhos, que diz o que
todos querem ouvir, e que escolhe apenas as respostas azuis quando joga Mass
Effect: essa conseguirá atrair para si um tipo de público ávido a defendê-la, com
unhas e dentes e ao custo de desgastar a própria dignidade no processo, quando as possíveis críticas ao seu trabalho finalmente
começarem a aparecer;
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Opinião não é o seu forte, mas eu curto muito os vídeos do Guilherme Gamer. |
3-bajule seu público o
máximo que puder. Pra que se dar ao trabalho de atrair seguidores com um
conteúdo de qualidade e opinião própria? Quanto mais você fizer aquele
internauta descompensado achar que tem uma ligação especial com o seu canal,
por causa das groselhas cheias de adulação que você fala, mais likes e inscritos
você atrairá para si.
Na hora de gravar
vídeos de gameplay, se refira a você mesmo nas pessoas do plural, para dar a
sensação de que o público também participa do jogo que só você está jogando. A psicóloga passou esse bizu, para gerar a falsa sensação de afinidade com os inscritos,
lembra?
4-adote uma forma idiota/constrangedora
de começar e terminar os vídeos do seu canal. As estatísticas do Youtube revelam
que seus vídeos terão o dobro de visualizações se você encontrar uma marca
registrada, um tique nervoso ou um maneirismo forçado, que deixam claro que
você é você e não está copiando ninguém. Quanto mais "espontaneidade" e vergonha
alheia você puder demonstrar, melhor para a sua conta no final do mês;
5-fique em cima do
muro com suas opiniões. Pra que atrair para si pessoas “negativas”, que gostar
de criar confusão discordando das opiniões que você professa? Para evitar
maiores comprometimentos, expressões vagas como “isso é complicado” ou “não é
bem assim” vêm muito bem a calhar. Destiny e Evolve são dois caça-níqueis
descarados? Sei lá, cara, isso é meio complicado...
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Quando você é um gamer de verdade, como Davy Jones, não precisa ficar alardeando aos quatro ventos. O público sente naturalmente. |
6-demonstre
ignorância. Pronunciar corretamente palavras em inglês é para os fracos. Gamer
das antigas fala tudo do jeito errado mesmo, pra provar que é hardcore
(mesmo com sites de pronúncia e Google tradutor à distância de um clique). E se
alguém reclamar nos comentários, é só tachar essas pessoas de fanboys xiitas,
caso a situação aperte;
7-faça cara de
bobalhão para colocar na foto do vídeo. Quanto mais ridícula a sua careta,
melhor. Se puder colocar uma foto da sua cabeça aumentada no lugar da cabeça do
personagem tema do vídeo, perfeito: além de ter uma ideia que ninguém teve
antes, você ainda enfeita a sua produção com uma piada indiscutivelmente
engraçada (SARCASMO: OFF, AGAIN). Quanto mais nauseante o resultado, mais
atenção a chamada do seu vídeo receberá;
8-jure de pés juntos
que não é um fanboy. Afinal de contas, demonstrar a preferência por um console em especial (ou PC, ou qualquer forma de jogar) é um pecado mortal, punido severamente com
uma chuva diluviana de dislikes e strikes. Todos sabem que o legal mesmo é
capturar aquele gameplay esperto do seu PS3, Xbox 360 e Wii U desbloqueados, e
conseguir agradar a gregos e troianos com seus vídeos super democráticos.
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Cansei das opiniões evasivas e em cima do muro do Zangado. Felizmente, seus vídeos de Saga continuam excelentes. |
Enquanto procurava algo para assistir durante o almoço (o Youtube conseguiu substituir a
televisão nesse hábito), me deparei com um vídeo do youtuber Izzy Nobre, um
dos poucos que ainda acompanho no site. Ele abordava a história de Walace (não vou
dar mais detalhes para não contribuir com o sistema que eu ainda vou criticar,
de mercado de views e likes), um produtor de conteúdo gamer no Youtube.
Walace era um modesto
criador de conteúdo, com um canal de aproximadamente 9.000 inscritos na época
do ocorrido (falando assim parece que foi há muito tempo, mas a “polêmica” envolvendo o
cidadão aconteceu ainda neste mês). Uma ninharia, se comparado a incontestáveis grandes deuses
do Youtbe, como os Irmãos Piologo, o Zangado e figuras internacionais do naipe
do Angry Joe (um dos meus preferidos, em questão de senso crítico).
Ele levava a sua
modesta vida de youtuber, fazendo vídeos sobre games e podcasts sobre esse mesmo tema.
Na vida real, trabalhava de segurança em uma empresa privada, se não me
falha a memória.
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Um dos "compromissos" dos Irmãos Piologo com os inscritos é fazer propaganda de lojas que cobram preços absurdos, e ainda dizer que se tratam de preços bem camaradas... |
Foi então que, cansado
da estressante rotina de produzir conteúdo em vídeo (de fato, alguns deles levam mais de 10 horas para ficarem prontos, desde a gravação do conteúdo até o
momento de publicar no youtube. Falo isso com conhecimento de causa), Walace
decidiu que merecia ser melhor remunerado pelo seu trabalho como divulgador de
games.
Walace criou então uma conta no Patreon, uma ferramenta que possibilita que pessoas normais, como você
e eu, doem uma pequena quantia em dólar a um blog, site ou canal do Youtube, como
forma de valorização do trabalho de um criador independente. Além de prestigiar um
trabalho de qualidade, os que aderem ao Patreon contam com certas vantagens exclusivas,
como brindes, participação em sorteios ou a mera escolha de temas de um canal. Mas
isso pouco importa neste caso.
Decepcionado com a
baixa adesão do Patreon pelos assinantes do seu canal, Walace fez um
vídeo-desabafo de mais de 50 minutos para colocar todos os pingos nos is que
ele achava justo colocar. Em um tom quase mendicante, Walace tenta explicar aos
espectadores a árdua tarefa de produzir vídeos no Youtube, e o total descaso
dos assinantes de seu canal, que não parecem entender que ele está apenas
reivindicando seu direito natural de ter algum retorno do trabalho sofrido realizado em suas modestas instalações.
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Venha ser o meu patrão. Só não me peça pra trazer cafezinho. |
O problema de Walace é
que fica difícil sentir pena da sua situação (mais pela maneira como ele aborda a questão do que por sua razão em reclamar, considerando que ele tenha alguma).
Já no início do
vídeo-desabafo, ele começa diferenciando as pessoas que realmente amam jogar
videogame daquele cara que está lá, fazendo vídeos, só pelo dinheiro. O mais
curioso é que, mesmo o seu vídeo feito com intenção de apenas desabafar é interrompido
por comerciais em nada menos que SEIS momentos diferentes. Mas tudo bem. Não dá
pra julgar o trabalho de um cara por um vídeo apenas, não é mesmo?
Walace continua, com
um discurso que varia entre o autocoitadismo e a indignação "justificada" contra pessoas que
não haviam lhe prometido nada. Como bem salienta o vlogueiro Izzy Nobre, em seu
vídeo sobre o assunto (um vídeo privado, me impossibilitando de colocar o link aqui. Procure por "Izzynobre Justa causa por causa de um vídeo" na barra de pesquisa), ele está fazendo vídeos no Youtube porque quer.
Ninguém vai se sentir refém da falta de retorno financeiro que Walace enfrenta,
ou pela sua falta de tato em perceber que um canal que conta com apenas 9.000
inscritos jamais daria um retorno significativo no Patreon (se você vai criticar um sistema, devia aprender um pouco mais sobre esse mesmo sistema).
O discurso de Walace não
se resume ao seu canal do Youtube. Ele se deu ao trabalho de criar um
videoclipe sofrível de quatro minutos e pouco (não tive paciência de assistir
até o final), no qual ele canta uma música que fala sobre as dificuldades de se
conseguir as coisas com trabalho duro. Meio contraditório, vindo do mesmo
sujeito que afirma não suportar acordar antes das 9:00 da manhã (ele vai dormir
de meia-noite).
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Este canal também é muito bom. Infelizmente, apenas em inglês. |
Relógios biológicos à parte, e para não me estender muito na causa desse youtuber, eu acho que o
problema de pessoas como Walace é que elas rogam a si uma exclusividade irreal
em suas realizações no Youtube, meio que sem se darem conta de que existem
milhares de replicadores deste tipo de trabalho de “amor aos games”.
Não sei se por
ingenuidade, falta de experiência ou má fé propriamente dita mesmo, mas ele
parece acreditar que o conteúdo que gera no site seja de vital importância aos
usuários do Youtube. Conteúdo esse, mais uma vez, que é replicado aos borbotões
por diversos outros usuários do serviço, com mil vezes mais condições técnicas,
mais talento e mais bom senso (Walace pode até manjar de games, mas
definitivamente não manja de relacionamento com o cliente) de não lavar a roupa
suja em pleno ar, com a luz vermelha da câmera como testemunha de seu discurso
de (mau) perdedor.
Walace age como se os
assinantes de seu canal tivessem assinado um contrato, obrigando-os a
contribuir financeiramente, ou a simplesmente agraciar seus vídeos com a maior
quantidade de joinhas possível. Ele ignora o fato de que público de internet no
geral é bicho caprichoso, que não gosta de se sentir acuado, coagido ou amarrado a nada.
De certa forma, eu não
o culpo totalmente. Eu mesmo, durante esses quatro anos de blog, já tive meus
momentos de desilusão com a típica resposta (ou a ausência dela) de quem
costuma acompanhar sites, canais ou blogs de entretenimento. Mas minhas queixas
nunca passaram para o âmbito do financeiro, sempre ficando no campo da
realização pessoal desinteresseira mesmo.
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Sim, eu também peço likes e inscrições no meu canal. Mas acho que faço isso mais por cacoete mesmo, pois nunca ativei a monetização nos vídeos. |
Há alguns dias eu
considerei a possibilidade de criar uma conta no Patreon, para ver no que dava (vai que eu fico rico, né?).
Daí eu pensei: meu blog conta com uma média diária de 60 a 100 visualizações,
isso nas épocas mais folgadas com a faculdade e o trabalho, nas quais posso me dar ao luxo de postar com certa
regularidade.
Mesmo com página no Facebook, Twitter e alguns seguidores no
blog, a média de comentários nos posts não chega nem a 10% dessas
visualizações. E se uma pessoa não se dá ao trabalho de comentar num post que
achou interessante (apesar de jurar de pés juntos que adora o blog e é super fã
do meu trabalho), por que razão essa mesma pessoa teria o impulso de jogar seus dados
de cartão de crédito na rede, para contribuir com o site, principalmente com as
taxas de dólar beirando o surreal?
Desnecessário dizer
que desisti da ideia no mesmo dia em que a tive.
Há muito tempo o Youtube
virou um lugar desagradável para quem procura conteúdo descompromissado acerca
de um entretenimento de que goste. Um simples joinha, antes uma sincera
manifestação de aprovação a um vídeo em especial, virou uma moeda de troca
entre os criadores de conteúdo, tendo perdido completamente seu original
propósito.
O simples fato de se desinscrever em um canal, ou de dar um dislike a um vídeo que você não gostou (um direito natural e compreensível que você possui, como usuário do serviço), já é motivo suficiente para lhe render xingamentos de hater, fanboy, babaca e tantos outros adjetivos legais que saem desleixadamente dos teclados nervosos de quem costuma comentar nestes sites.
O simples fato de se desinscrever em um canal, ou de dar um dislike a um vídeo que você não gostou (um direito natural e compreensível que você possui, como usuário do serviço), já é motivo suficiente para lhe render xingamentos de hater, fanboy, babaca e tantos outros adjetivos legais que saem desleixadamente dos teclados nervosos de quem costuma comentar nestes sites.
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Cuidado, youtuber: o bicho-papão do dislike vai te pegar! |
A lei da selva que
impera no youtube é clara, e chega a ser quase tão cruel quanto as leis que
governam uma selva na vida real. E nesse ecossistema binário de vaidades vale
tudo: perfis falsos, criados por pessoas com o único intuito de distribuir
dislikes e strikes em canais rivais de menor porte (mas que, por algum motivo que eu desconheço, representam uma
ameaça ao reinado dos alfas do bando); panelinhas sociais para divulgação de
canais de parceiros; campanhas de incitação ao ódio contra um Youtuber que
tenha a audácia de desafiar a autoridade dos espécimes já estabelecidos como
líderes; e daí por diante, com a coisa só tendendo a piorar.
Ah, e você se lembra
do videoclipe de Walace, sobre o verdadeiro valor de se conseguir as coisas na
base do trabalho pesado? Infelizmente, a empresa na qual ele filmou a super
produção (sem o consentimento da mesma) não parece compartilhar da visão de
Walace sobre o assunto, visto que ela demitiu o funcionário depois do ocorrido, independente dos seus serviços prestados à companhia.
Espero que pelo menos essa lição o youtuber decepcionado com sua audiência
tenha aprendido.
Au Revoir.