Apesar de ter começado
como um exercício de imaginação sobre até onde a tecnologia do entretenimento
seria capaz de nos levar (lembra do Holodeck?), a realidade virtual é uma ferramenta maravilhosa que
vem transformando diversos campos do conhecimento humano. Desde um tour virtual
por um imóvel do seu interesse até uma simulação de cirurgia, as possibilidades
abertas com esse segmento tecnológico estão num mesmo nível de “encurtamento de
distâncias” que o e-mail significou no começo da década de 90.
E é claro que os games
não ficariam de fora dessa festa. Não mais vistos como brincadeira de criança há
um bom tempo, os videogames sempre caminharam lado a lado com as inovações
tecnológicas e de mercado, impulsionando segmentos completos que, muitas vezes,
só faziam sentido se analisados pela ótica de quem joga (como no caso da
corrida por melhores placas de vídeo, nos PCs).
Se você nasceu na
década de 2000 e começou a jogar videogames há não muito tempo, termos como
Playstation VR, HTC Vive ou Hollow Lens podem soar como novidade para você. E na
verdade devem soar como novidade mesmo: apesar dos games já flertarem com as
três dimensões desde a década de 80, a realidade virtual é um ramo dos games
tão novo que acaba despertando certa desconfiança aos mais habituados a jogar
da forma mais ortodoxa: em frente à TV, com um controle (normal) na mão.
The Witcher XV rodando no Playstation VR 10 |
A Playstation Plus,
como todo mundo deve saber, é um serviço de assinatura anual que brinda mensalmente, com jogos “gratuitos”, os
gamers dispostos a pagar R$130,00 no serviço. É fato que
a maioria deles são umas verdadeiras bombas, aquele tipo de jogo com cara de
free to play pra celular que você só baixaria por engano. Não é exagero dizer
que na PlayStore você encontra jogos melhores que os dados em alguns meses na
Plus.
Entre os jogos
gratuitos, a Sony sempre tenta trazer alguns títulos para PS3, PSVita (o
console morto-vivo esquecido pela sua própria fabricante) e o já citado no
texto, o Playstation VR (pra quem é lento nas associações, esse VR é de Virtual
Reality, ou Realidade Virtual em bom português/BR). É nesse contexto que eu
pretendo falar um pouco de Here They Lie, um dos jogos gratuitos do mês de
setembro.
Será que é realmente a
hora da indústria de videogames apostar neste novo segmento tecnológico? Jogar um
jogo que foge dos padrões, mais focado em exploração e experiência real em três
dimensões, é necessariamente uma coisa boa? E o papel de Here They Lie nisso
tudo: será que esse título é o jogo que vai fazer você gastar R$1800,00 num
PSVR e ingressar na realidade virtual de uma vez por todas? Veremos...
HISTÓRIA (2,0)
O jogador começa o
jogo no controle de um completo estranho, o típico protagonista silencioso de
jogos em primeira pessoa (TODOS os jogos em realidade virtual são, quase que
obrigatoriamente, em primeira pessoa, e acho sim essa uma falha). Você desce de
um trem numa estação abandonada, guiado por uma linda mulher negra que, de
alguma forma, parece te conhecer pessoalmente. Ao explorar um pouco mais,
parece que tudo está deserto e abandonado. Seu contato com outros humanos se
dará apenas por meio de textos encontrados em páginas espalhadas aleatoriamente
nos cenários (ao menos na primeira parte).
Mas as semelhanças com
Slender param por aí. As cartas, poemas, devaneios ou seja lá o que você achar
que elas sejam, não trazem nenhuma mensagem que faça algum sentido ou que digam
respeito ao “enredo” do jogo como um todo. Elas falam, de forma muito vaga,
sobre questionamentos e dúvidas existenciais que todo ser humano tem, como vida
após morte ou a existência de realidades alternativas.
"Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão. Eu gosto do Mais Um Blog de Games, é um blog muito bão!" |
No meio de todo um
sentimento de “eu não faço ideia do que porra
está acontecendo aqui”, há uma tentativa dos roteiristas em oferecer
algumas escolhas morais que, em teoria, afetarão o resultado final da jornada
de seu personagem. Você empurraria num abismo um cara que acabou de espancar
até a morte, com um cano de ferro, uma outra pessoa? Vale a pena se esforçar
pra salvar uma pessoa (de muitas) que está sendo enforcada para a diversão de
uma plateia sádica, em um teatro lotado?
O final do game traz
uma escolha que, além de não fazer sentido nenhum no enredo (não importa se
você escolha a mão ou a marreta), não altera em nada na sua experiência, pois o
jogo não se dá ao trabalho de contextualizar nada, deixando apenas as coisas
insinuadas. Isso quando não parte pra exposição barata propriamente dita, com a
personagem principal da trama te dizendo EXATAMENTE o que aconteceu com a
cidade onde você se encontra, sem muito rodeio.
"Espelho, espelho meu: existe um jogo mais nonsense do que eu?" |
O enredo de Here They
Lie tenta fazer um julgamento de suas ações durante seu curto gameplay mas não
tem os colhões de apontar o dedo na sua cara te dizendo o que você fez de
errado. Não importa sua decisão final, o jogo acaba passando um pano nos seus
atos moralmente questionáveis (como jogar uma lajota na cabeça de uma pessoa 20
metros abaixo de você). Se era pra colocar um dilema moral sem as devidas consequências,
qual o sentido de colocar, pra começo de conversa?
Atrair a atenção do
jogador como um burro que vai sendo puxado pela cenoura na ponta de uma vara,
sem dar a devida recompensa no final, é um mau costume detestável que eu
adoraria que a indústria de videogames (e a indústria de entretenimento em
geral) perdesse de uma vez por todas.
GRÁFICOS (8,9) E SOM (3,5)
Eu sei que tudo tem
que ter um começo, um ponto de partida. Se a Sony ficasse esperando os
polígonos perfeitos para adentrar no mundo do 3D, não teríamos em 1997 jogos
como Final Fantasy 7 ou Tekken (não teríamos também o Polygon Man, detalhe esse
que eu acho que compensaria o atraso tecnológico...). Sendo assim, a indústria
de games não pode (e nem deve) esperar que a tecnologia de Realidade Virtual
esteja a preço de banana para começar a brincar com suas possibilidades.
Entretanto, quando
penso em adquirir um PSVR, eu não consigo me livrar da sensação de “ainda não é o momento” que o ato carrega
consigo próprio. Dessa forma, é fácil constatar que eu não tenho um PSVR e,
provavelmente, nunca vou chegar a comprar um (ao menos não na geração atual). Portanto,
eu joguei Here They Lie sem poder aproveitar o melhor que ele tem a oferecer:
seus gráficos e proposta de experiência em realidade virtual.
A atmosfera da cidade é muito boa. Se bem aproveitada, renderia um excelente jogo de terror. |
Mesmo com essas
considerações e com o possível aviso que meu julgamento pode não ser dos mais
isentos, chega uma hora que a novidade proporcionada pela tecnologia precisa
baixar seu fogo e dar lugar aos verdadeiros aspectos que fazem um jogo de
videogame ser bom: diversão, imersão e interatividade. Como Here They Lie se sai nesses
quesitos?
Os gráficos do jogo
são lindos, mas com uma ressalva. Provavelmente ele é bem-sucedido em sua
proposta de embasbacar os pouco acostumados com RV arremessando coisas que se
contorcem, derretem, se montam e pegam fogo bem na cara do jogador. Entretanto,
não adianta ter visuais quase fotorreaslísticos e texturas de alta qualidade
num jogo que não tem nada pra fazer, lembrando mais uma atração de parque de
diversões que um jogo eletrônico interativo.
Apelar pra fractais é um indício de que o processo visual-criativo foi pro saco. |
Here They Lie não se
preocupa em te explicar quase nada do enredo e conta com doses cavalares de
psicodelia. Quero deixar bem claro que eu não tenho nada contra psicodelia. Quando
bem utilizada, é uma ferramenta narrativa bastante eficaz (a exemplo de jogos
como Farcry 3 ou filmes como Dredd). O problema é que a psicodelia visual aqui
não tem nenhum nexo, parecendo mais um clipe do Tears for Fears que um jogo, em
alguns trechos.
Do som não tem nada
pra falar. Há apenas dois personagens dublados e com diálogos (fora as cartas e
fotos que trazem diálogos que parecem terem sido gravados de pessoas aleatórias
passeando na rua). O resto são grunhidos dos “monstros” e sons ambientes
caóticos, como coisas desabando, se desconstruindo ou pegando fogo (não espere
que o jogo te explique quem diabos é aquele carinha de chapéu que taca fogo em
tudo que encontra pela frente...).
Sowing the Seeds of Love versão videogame... |
O jogo não traz nada
que possa ser reconhecido como música, falha essa que eu considero não só grave
como um desperdício, visto que a intenção desse tipo de proposta é mais
contemplação que interatividade e gameplay como um todo.
SISTEMA (3,0)
Contrariando o padrão
dos meus textos, onde o tópico Sistema é onde eu aproveito pra soltar o
verbo sobre cada detalhezinho do jogo analisado, com Here They Lie essa parte
vai ser bem curta, pra casar com a falta de coisas a fazer no game. Aqui você
não vai encontrar armas, enigmas ou qualquer espécie de combate. Não há nada
pra fazer além de andar, coletar pilhas pra uma lanterna que se gasta num ritmo surreal e ler mensagens desconexas com os momentos pelos quais
você está passando no game.
As ameaças também são
bem inconsistentes, com um teor de aleatoriedade que não faz muito sentido:
numa hora um cara com um cano na mão te espanca até a morte (o game over desse
jogo é super legal!) apenas por te avistar; e numa outra, um exato cara do
mesmo tipo te deixar passar sem relar um dedo em você (culpa sua se não
adivinhou que o caminho certo a seguir era justamente o do carinha com o cano
na mão...).
Peraê: esse bicho tá tentando me matar ou não tá? |
Toda essa falta de
ritmo, associada a checkpoints ocultos e perda de conteúdo (você demora pra
descobrir que as reticências que aparecem em algumas telas escuras é justamente
quando o jogo salva seu progresso) transformam Here They Lie num legítimo “walking
simulator” da melhor qualidade.
TIC, TOC, SÃO DEZ HORAS QUE PARECEM
DUZENTAS...
Here They Lie é um
jogo que parece durar muito, por causa do eterno sentimento de “preciso
descobrir o que acontece a seguir” que permeia toda sua jornada, mas que se
revela desconcertantemente curto quando você descobre que “era só isso”? É um
título feito propositalmente pra servir de outdoor de um deslumbramento com a
realidade virtual que, certamente, não segura a empolgação com uma tecnologia,
depois que o gosto de novidade sai da boca.
Pelo menos o game over é da hora! |
Ele não funciona
narrativamente e também não funciona como stealth (visto que a maioria dos
inimigos pode ser ignorada ou deixada pra trás com sua “velocidade” de corrida).
Uma hora é inevitável que o tédio te vença pelo cansaço: você segura o botão de
“corrida” (mais parece um leve caminhar apressado) e só quer seguir em frente pra
ver onde toda aquela loucura vai dar.
NOTA FINAL: 3,6
Jogos como Here They
Lie são a prova mais irrefutável de que tecnologia avançada sem boas ideias por
trás dela não serve pra nada, a não ser exibir visuais sem substância nenhuma,
colocados lá de forma aleatória e desleixada pra arrotar poder gráfico na cara
do jogador. Se a experiência de jogos como Here They Lie é o melhor que a atual
realidade virtual tem a oferecer, prefiro poupar meus R$1800,00 e seguir
jogando da maneira que vem dando certo pra mim desde a década de 90...
Au Revoir.
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