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sexta-feira, 21 de setembro de 2018

ANÁLISE: HERE THEY LIE (PS4)






















Apesar de ter começado como um exercício de imaginação sobre até onde a tecnologia do entretenimento seria capaz de nos levar (lembra do Holodeck?), a realidade virtual é uma ferramenta maravilhosa que vem transformando diversos campos do conhecimento humano. Desde um tour virtual por um imóvel do seu interesse até uma simulação de cirurgia, as possibilidades abertas com esse segmento tecnológico estão num mesmo nível de “encurtamento de distâncias” que o e-mail significou no começo da década de 90.

E é claro que os games não ficariam de fora dessa festa. Não mais vistos como brincadeira de criança há um bom tempo, os videogames sempre caminharam lado a lado com as inovações tecnológicas e de mercado, impulsionando segmentos completos que, muitas vezes, só faziam sentido se analisados pela ótica de quem joga (como no caso da corrida por melhores placas de vídeo, nos PCs).

Se você nasceu na década de 2000 e começou a jogar videogames há não muito tempo, termos como Playstation VR, HTC Vive ou Hollow Lens podem soar como novidade para você. E na verdade devem soar como novidade mesmo: apesar dos games já flertarem com as três dimensões desde a década de 80, a realidade virtual é um ramo dos games tão novo que acaba despertando certa desconfiança aos mais habituados a jogar da forma mais ortodoxa: em frente à TV, com um controle (normal) na mão.

The Witcher XV rodando no Playstation VR 10

A Playstation Plus, como todo mundo deve saber, é um serviço de assinatura anual que brinda mensalmente, com jogos “gratuitos”, os gamers dispostos a pagar R$130,00 no serviço. É fato que a maioria deles são umas verdadeiras bombas, aquele tipo de jogo com cara de free to play pra celular que você só baixaria por engano. Não é exagero dizer que na PlayStore você encontra jogos melhores que os dados em alguns meses na Plus.

Entre os jogos gratuitos, a Sony sempre tenta trazer alguns títulos para PS3, PSVita (o console morto-vivo esquecido pela sua própria fabricante) e o já citado no texto, o Playstation VR (pra quem é lento nas associações, esse VR é de Virtual Reality, ou Realidade Virtual em bom português/BR). É nesse contexto que eu pretendo falar um pouco de Here They Lie, um dos jogos gratuitos do mês de setembro.

Será que é realmente a hora da indústria de videogames apostar neste novo segmento tecnológico? Jogar um jogo que foge dos padrões, mais focado em exploração e experiência real em três dimensões, é necessariamente uma coisa boa? E o papel de Here They Lie nisso tudo: será que esse título é o jogo que vai fazer você gastar R$1800,00 num PSVR e ingressar na realidade virtual de uma vez por todas? Veremos...


HISTÓRIA (2,0)


O jogador começa o jogo no controle de um completo estranho, o típico protagonista silencioso de jogos em primeira pessoa (TODOS os jogos em realidade virtual são, quase que obrigatoriamente, em primeira pessoa, e acho sim essa uma falha). Você desce de um trem numa estação abandonada, guiado por uma linda mulher negra que, de alguma forma, parece te conhecer pessoalmente. Ao explorar um pouco mais, parece que tudo está deserto e abandonado. Seu contato com outros humanos se dará apenas por meio de textos encontrados em páginas espalhadas aleatoriamente nos cenários (ao menos na primeira parte).

Mas as semelhanças com Slender param por aí. As cartas, poemas, devaneios ou seja lá o que você achar que elas sejam, não trazem nenhuma mensagem que faça algum sentido ou que digam respeito ao “enredo” do jogo como um todo. Elas falam, de forma muito vaga, sobre questionamentos e dúvidas existenciais que todo ser humano tem, como vida após morte ou a existência de realidades alternativas.

"Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão. Eu gosto do Mais Um Blog de Games, é um blog muito bão!"

No meio de todo um sentimento de “eu não faço ideia do que porra está acontecendo aqui”, há uma tentativa dos roteiristas em oferecer algumas escolhas morais que, em teoria, afetarão o resultado final da jornada de seu personagem. Você empurraria num abismo um cara que acabou de espancar até a morte, com um cano de ferro, uma outra pessoa? Vale a pena se esforçar pra salvar uma pessoa (de muitas) que está sendo enforcada para a diversão de uma plateia sádica, em um teatro lotado?

O final do game traz uma escolha que, além de não fazer sentido nenhum no enredo (não importa se você escolha a mão ou a marreta), não altera em nada na sua experiência, pois o jogo não se dá ao trabalho de contextualizar nada, deixando apenas as coisas insinuadas. Isso quando não parte pra exposição barata propriamente dita, com a personagem principal da trama te dizendo EXATAMENTE o que aconteceu com a cidade onde você se encontra, sem muito rodeio.

"Espelho, espelho meu: existe um jogo mais nonsense do que eu?"

O enredo de Here They Lie tenta fazer um julgamento de suas ações durante seu curto gameplay mas não tem os colhões de apontar o dedo na sua cara te dizendo o que você fez de errado. Não importa sua decisão final, o jogo acaba passando um pano nos seus atos moralmente questionáveis (como jogar uma lajota na cabeça de uma pessoa 20 metros abaixo de você). Se era pra colocar um dilema moral sem as devidas consequências, qual o sentido de colocar, pra começo de conversa?

Atrair a atenção do jogador como um burro que vai sendo puxado pela cenoura na ponta de uma vara, sem dar a devida recompensa no final, é um mau costume detestável que eu adoraria que a indústria de videogames (e a indústria de entretenimento em geral) perdesse de uma vez por todas.


GRÁFICOS (8,9) E SOM (3,5)


Eu sei que tudo tem que ter um começo, um ponto de partida. Se a Sony ficasse esperando os polígonos perfeitos para adentrar no mundo do 3D, não teríamos em 1997 jogos como Final Fantasy 7 ou Tekken (não teríamos também o Polygon Man, detalhe esse que eu acho que compensaria o atraso tecnológico...). Sendo assim, a indústria de games não pode (e nem deve) esperar que a tecnologia de Realidade Virtual esteja a preço de banana para começar a brincar com suas possibilidades.

Entretanto, quando penso em adquirir um PSVR, eu não consigo me livrar da sensação de “ainda não é o momento” que o ato carrega consigo próprio. Dessa forma, é fácil constatar que eu não tenho um PSVR e, provavelmente, nunca vou chegar a comprar um (ao menos não na geração atual). Portanto, eu joguei Here They Lie sem poder aproveitar o melhor que ele tem a oferecer: seus gráficos e proposta de experiência em realidade virtual.

A atmosfera da cidade é muito boa. Se bem aproveitada, renderia
um excelente jogo de terror.

Mesmo com essas considerações e com o possível aviso que meu julgamento pode não ser dos mais isentos, chega uma hora que a novidade proporcionada pela tecnologia precisa baixar seu fogo e dar lugar aos verdadeiros aspectos que fazem um jogo de videogame ser bom: diversão, imersão e interatividade. Como Here They Lie se sai nesses quesitos?

Os gráficos do jogo são lindos, mas com uma ressalva. Provavelmente ele é bem-sucedido em sua proposta de embasbacar os pouco acostumados com RV arremessando coisas que se contorcem, derretem, se montam e pegam fogo bem na cara do jogador. Entretanto, não adianta ter visuais quase fotorreaslísticos e texturas de alta qualidade num jogo que não tem nada pra fazer, lembrando mais uma atração de parque de diversões que um jogo eletrônico interativo.

Apelar pra fractais é um indício de que o processo visual-criativo foi pro saco.

Here They Lie não se preocupa em te explicar quase nada do enredo e conta com doses cavalares de psicodelia. Quero deixar bem claro que eu não tenho nada contra psicodelia. Quando bem utilizada, é uma ferramenta narrativa bastante eficaz (a exemplo de jogos como Farcry 3 ou filmes como Dredd). O problema é que a psicodelia visual aqui não tem nenhum nexo, parecendo mais um clipe do Tears for Fears que um jogo, em alguns trechos.

Do som não tem nada pra falar. Há apenas dois personagens dublados e com diálogos (fora as cartas e fotos que trazem diálogos que parecem terem sido gravados de pessoas aleatórias passeando na rua). O resto são grunhidos dos “monstros” e sons ambientes caóticos, como coisas desabando, se desconstruindo ou pegando fogo (não espere que o jogo te explique quem diabos é aquele carinha de chapéu que taca fogo em tudo que encontra pela frente...).

Sowing the Seeds of Love versão videogame...

O jogo não traz nada que possa ser reconhecido como música, falha essa que eu considero não só grave como um desperdício, visto que a intenção desse tipo de proposta é mais contemplação que interatividade e gameplay como um todo.


SISTEMA (3,0)


Contrariando o padrão dos meus textos, onde o tópico Sistema é onde eu aproveito pra soltar o verbo sobre cada detalhezinho do jogo analisado, com Here They Lie essa parte vai ser bem curta, pra casar com a falta de coisas a fazer no game. Aqui você não vai encontrar armas, enigmas ou qualquer espécie de combate. Não há nada pra fazer além de andar, coletar pilhas pra uma lanterna que se gasta num ritmo surreal e ler mensagens desconexas com os momentos pelos quais você está passando no game.

As ameaças também são bem inconsistentes, com um teor de aleatoriedade que não faz muito sentido: numa hora um cara com um cano na mão te espanca até a morte (o game over desse jogo é super legal!) apenas por te avistar; e numa outra, um exato cara do mesmo tipo te deixar passar sem relar um dedo em você (culpa sua se não adivinhou que o caminho certo a seguir era justamente o do carinha com o cano na mão...).

Peraê: esse bicho tá tentando me matar ou não tá?

Toda essa falta de ritmo, associada a checkpoints ocultos e perda de conteúdo (você demora pra descobrir que as reticências que aparecem em algumas telas escuras é justamente quando o jogo salva seu progresso) transformam Here They Lie num legítimo “walking simulator” da melhor qualidade.


TIC, TOC, SÃO DEZ HORAS QUE PARECEM DUZENTAS...


Here They Lie é um jogo que parece durar muito, por causa do eterno sentimento de “preciso descobrir o que acontece a seguir” que permeia toda sua jornada, mas que se revela desconcertantemente curto quando você descobre que “era só isso”? É um título feito propositalmente pra servir de outdoor de um deslumbramento com a realidade virtual que, certamente, não segura a empolgação com uma tecnologia, depois que o gosto de novidade sai da boca.

Pelo menos o game over é da hora!

Ele não funciona narrativamente e também não funciona como stealth (visto que a maioria dos inimigos pode ser ignorada ou deixada pra trás com sua “velocidade” de corrida). Uma hora é inevitável que o tédio te vença pelo cansaço: você segura o botão de “corrida” (mais parece um leve caminhar apressado) e só quer seguir em frente pra ver onde toda aquela loucura vai dar.

NOTA FINAL: 3,6

Jogos como Here They Lie são a prova mais irrefutável de que tecnologia avançada sem boas ideias por trás dela não serve pra nada, a não ser exibir visuais sem substância nenhuma, colocados lá de forma aleatória e desleixada pra arrotar poder gráfico na cara do jogador. Se a experiência de jogos como Here They Lie é o melhor que a atual realidade virtual tem a oferecer, prefiro poupar meus R$1800,00 e seguir jogando da maneira que vem dando certo pra mim desde a década de 90...

Au Revoir.

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