Você conhece a franquia Final Fantasy? É uma série de JRPGs que data da década de 1980. Nela, você controla personagens por meio de comandos pré-definidos que acionarão as mais diversas habilidades, como usar um item de cura, lançar um feitiço num inimigo ou (tentar) fugir da batalha.
Falando em fugir de
batalhas, a franquia, desde seu lançamento, é famosa por seus combates
aleatórios e alta taxa de encontro com monstros no mapa e cenários. Funcionava assim:
você estava lá, andando pelo mapa ou por uma dungeon nada amistosa, quando de
repente um efeito de alguém puxando a descarga distorcia a imagem da sua TV e
os sopapos entre goblins e black mages começavam.
Além da aleatoriedade,
pra piorar, os encontros podiam ser bastante desbalanceados, com monstros de
nível muito superior ao seu trancando o acesso a certas áreas do jogo pelo simples
fato de conseguirem te derrotar em poucos turnos. Não é à toa que muitos
desistiam do jogo: um mundo aberto com perigos randômicos e sem muita instrução
do que era preciso fazer pra avançar não era lá muito convidativo para crianças
de uma era pré-internet ou guias estratégicos.
Se você nunca jogou, não faz ideia da alegria que era subir num desses... |
Mas toda essa sofrência
estaria para ser amenizada com o lançamento do segundo jogo, Final Fantasy 2, e
a chegada da ave emplumada mais querida da indústria dos games: o Chocobo
permitia cruzar distâncias no mapa-múndi com maior rapidez, e o melhor de tudo:
SEM ENCONTROS COM INIMIGOS. Claro que era preciso encontrar uma floresta onde o
bicho habitava e subir no seu lombo (ele era tão arredio que ia embora assim
que você descia).
Depois dessa longa
introdução sobre o passado da série e origem do Chocobo, agora eu acho que ficou
mais fácil compreender o motivo dessa ave de montaria ser um dos personagens
secundários mais amados da franquia Final Fantasy. E com a popularidade vem a fama:
em dezembro de 1997 a até então prolífica Square Soft lançava o Chocobo No
Fushigi Na Dungeon. O motivo do título da primeira aventura do Chocobo estar em
japonês é que o título nunca foi lançado fora do Japão (que eu saiba).
Com a maior
popularização de Final Fantasy como um todo no mercado ocidental, a (ainda)
Square Soft lançaria o Chocobo’s Dungeon 2, no ano de 1998 no Japão e um ano
depois, nos EUA. Como era de se esperar, eu nunca consegui jogar o primeiro dos
dois jogos, então só posso analisar o segundo, o qual eu conheço de cabo-a-rabo
e pretendo compartilhar minha experiência com os leitores aqui do Mais Um Blog
de Games.
HISTÓRIA (7,5)
Antes de tudo, é
preciso dar alguns avisos. Como se trata de um spin-off, CD2 não tem a menor
obrigação de seguir a estrutura narrativa (e de gameplay) encontrada nos jogos
da série Final Fantasy. Fica mais do que claro, logo na abertura do jogo, em
belíssimo CGI, que este jogo é mais voltado para crianças e pré-adolescentes,
então nada de triângulos amorosos entre pessoas de cabelo espetado, mulheres
sendo atravessadas por espadas quilométricas ou meteoros que vão acabar com
toda a vida na Terra.
Falando em história, é
bastante claro que o humor foi o tempero principal escolhido para apimentar as
aventuras do Chocobo e seu amigo Mog. E é com felicidade que revelo que ele (o
humor) está no mesmo nível de jogos como Super Mario RPG ou Radiata Stories: é
fundamentado no mais puro desapego com a realidade e nonsense japonês da mais
alta qualidade.
Já nos momentos
tutoriais do jogo você (provavelmente) vai rir feito um bobalhão com as
trapalhadas muito loucas do Chocobo e sua turma (sim, essa frase foi
proposital, caso você tenha desligado seu sensor de sarcasmo). Ela, a história,
já começa de forma inesquecível e hilária, logo na intro em CGI, com o Chocobo
sendo perseguido pelo Behemoth numa sequência que, depois, descobrimos ser
apenas um pesadelo do bicho emplumado (sério: não consigo deixar de rir toda
ver que vejo o Mog sendo esmagado por Behemoth).
Alguém vai se dar muito mal neste sonho... |
Mesmo com toneladas de
leveza e descompromisso com a seriedade, o enredo do jogo tem seus momentos grandiosos
e até alguns bem tristes, podendo fazer escorrer uma lagriminha se você for dos
mais sensíveis (a cena da neve, sim, é dela que estou falando).
Não espere por um
enredo intrincado, com grandes reviravoltas sobre guerreiros lendários ou algo
do tipo, mas fique tranquilo com a história de CD2: ela é boa o bastante pra te
fazer sentir vontade de terminar o jogo pra ver o que vai acontecer.
Quando se leva a sério
e deixa um pouco a galhofa de lado, o game conta uma linda história sobre
tolerância, perdão e respeito ao próximo, sendo uma excelente fábula para os
pimpolhos menos acostumados a enredos complexos sobre viagens no tempo ou
calamidades que vêm do céu, se é que você me entende. Mas ela também vai
agradar a pré-adolescentes e adultos bobalhões de coração mole (como eu), pode
confiar.
GRÁFICOS (6,4) E SOM (9,0)
Chocobo’s Dungeon 2
não é o jogo mais bonito que você vai encontrar na geração dos 32-bits, longe
disso. Mas ele é o típico caso onde você pode se arrepender por julgar um game
pelo encarte: ele traz CGIs dignas do auge (da era de ouro) da falecida
Squaresoft, com animações in-game muito fluidas e condizentes com o tom da
série.
Os cenários e
personagens são inspirados em um daqueles livros infantis de dobradura e visual
SD (super deformed), com cabeças grandes e corpos pequenos. Os efeitos das
magias e itens são bem coloridos e animados, com alguns deles inclusive se
saindo melhor que jogos mais “sérios” da empresa (como Final Fantasy 7, pasmem).
É bem verdade que os
gráficos podiam ser melhores: em certos momentos da aventura eles são bem
simplórios e serrilhados. Entretanto, nem só de visuais é feito um jogo, então
cabe a você deixar a primeira impressão negativa de lado e mergulhar nas
aventuras do Chocobo de mente aberta.
Os emuladores deixam o visual um pouco melhor. |
Como a maioria dos
títulos da Square Soft, a parte musical do game é marcante, te fazendo
cantarolar músicas ouvidas no game mesmo quando você não está jogando. De acordo
com a Chocopedia (acabei de inventar!), a OST do game foi composta por Kumi
Tanioka, Yasuhiro Kawakami, Tsuyoshi Sekito e Kenji Ito, com algumas faixas
reaproveitadas do deus da game music Nobuo Uematsu. Ou seja: um time de
completos desconhecidos que entendem que um jogo não precisa ser medíocre em
seus aspectos técnicos só porque é um spin-off.
A música do CD2 pode
ser considerada como excelente, visto que algumas faixas cumprem sua função e vão
grudar na sua cabeça (pelos motivos corretos). Sons e efeitos sonoros também
estão no mais alto padrão já conhecido pela Square. Jogue com o PS1 acoplado a
um aparelho de som e seja feliz com os pios e chutes do Chocobo rebombando na
sua sala (ou quarto).
AS faixas são caprichadas
e passam o tom certo pra cada ocasião. Há um reaproveitamento incrível do tema
do Chocobo, algo bem esperado de um spin-off desse naipe, que provavelmente
resultaria num desastre sonoro caso essas mesmas faixas fossem criadas por
qualquer outra desenvolvedora que não a própria mãe do Chocobo.
Em alguns momentos, a
OST do game me lembra as músicas de jogos como Donkey Kong Country: uma
qualidade “alta demais” pra um jogo “descompromissado”, que nem sequer segue a
cronologia da franquia principal. E, depois de rejogar esse título à luz de
games mais recentes, como Final Fantasy 15, eu fico me perguntando: por que a Square-Enix
simplesmente não consegue mais alcançar esse patamar de qualidade nos seus
jogos atuais? Será que Nobuo Uematsu carregava a Squaresoft nas costas tanto
assim? Fica a pergunta sem resposta, pairando no ar como um Mist Dragon de nível 99...
SISTEMA (8,2)
O Chocobo zuero chegou
pra chutar pra longe alguns paradigmas da série Final Fantasy. Pra começar, CD2
é um jogo de ação, diferente do seu parente de RPG por turno. Mesmo assim ele não
abandona completamente suas raízes, utilizando um sistema camuflado de turnos o
qual você vai precisar compreender pra não ter seu traseiro espancado logo nas
primeiras telas do jogo.
É como se os
personagens do game, tanto os que você controla quanto os inimigos, andassem nos
quadradinhos de um tabuleiro de xadrez invisível. Se você se move, ataca, usa
um item ou magia, sua vez passa e o inimigo tem a chance de atacar (ou fugir). Também
é possível pausar o game ou trocar de equipamentos durante as lutas, mas não
espere que os monstros fiquem esperando você trocar de cela sem fazer nada.
Sem dúvidas, o mérito desse jogo reside no fato d’ele conseguir adaptar os elementos da franquia Final Fantasy (magias, invocações, itens e status) de forma convincente, que se adeque ao molde de jogo de ação com elementos de RPG: ao mesmo tempo que é fiel à franquia de origem, ele altera seu sistema na medida para se adequar às necessidades do formato (de RPG de ação).
Sem dúvidas, o mérito desse jogo reside no fato d’ele conseguir adaptar os elementos da franquia Final Fantasy (magias, invocações, itens e status) de forma convincente, que se adeque ao molde de jogo de ação com elementos de RPG: ao mesmo tempo que é fiel à franquia de origem, ele altera seu sistema na medida para se adequar às necessidades do formato (de RPG de ação).
Tirem as crianças da sala: nesse jogo a magia negra rola solta!!! |
O resultado não podia
ser mais divertido de se experimentar: é hilário poder fustigar inimigos arremessando
itens neles ou chutá-los até a morte, momento esse em que soltarão um grito
engraçado de despedida e, quem sabe, um pouco de gold pra engordar as finanças
do Chocobo (ou um item completamente escroto que vai arruinar seus planos de
exploração da dungeon...).
Em se tratando de
dificuldade, lembre-se da nacionalidade dos criadores dessa série: Chocobo’s Dungeon
2 é um lobo em pele de cordeiro (ou seria corvo em pele de galinha?). De fato,
o jogo é difícil num nível que eu o apelidei carinhosamente de “Dark Souls da Square, só que com penas”.
É um jogo bem difícil se você não souber explorar as possibilidades do sistema.
Pra ser sincero, é bem difícil MESMO que você seja um macaco velho (como eu)
que já sabe o que fazer e como prosseguir num Dungeon Crawler desse tipo.
Definitivamente ele não
é pra relaxar, a despeito do seu tom quase pueril. Não é uma daquelas
experiências em que você joga metendo a cara, descuidado e não planejando e
ainda consegue se sair vitorioso. Só pra citar um exemplo: nessa última jogada,
pra escrever a análise, fui enfrentar o primeiro chefe sem evoluir meu
personagem. O resultado foi que eu morri três vezes antes de conseguir vencer o
bichão (leve em conta o fato de que eu conheço o game de cabo-a-rabo).
A side-quest do Marlboro bêbado: inesquecível. |
Pra conseguir
sobreviver sem virar jantar de ação de graças, é preciso aprender a domar o
sistema e burlar as dificuldades impostas pelos sádicos da Square Soft. Talvez
assim você consiga se
dar mal o mínimo possível e seguir avançando com a história. As armadilhas encontradas
no chão dos cenários, por exemplo, podem destruir suas chances de vitória ou
podem ser usadas pra sacanear aquele inimigo pentelho que não sai da sua cola.
Além do alto dano dos
ataques dos inimigos, há um respawn deles a cada tela que você avança. Armas e
acessórios equipáveis se desgastam e quebram, te obrigando a sempre levar
consigo um par de cela e garra extras (mas você pode ganhar uma pena de magia ou
invocação de Summon como prêmio de consolação pelo equipamento perdido).
Também dá pra criar itens e atribuir os elementos que você bem quiser a eles (como veneno, fogo ou gelo). Pra amenizar um pouco suas baixas chances, as magias evoluem de acordo com o uso mas não requerem consumo de MP para ativar, lembrando o sistema de cargas do primeiro Final Fantasy (livros de magia precisam ser estocados e consumidos).
Também dá pra criar itens e atribuir os elementos que você bem quiser a eles (como veneno, fogo ou gelo). Pra amenizar um pouco suas baixas chances, as magias evoluem de acordo com o uso mas não requerem consumo de MP para ativar, lembrando o sistema de cargas do primeiro Final Fantasy (livros de magia precisam ser estocados e consumidos).
Você vai precisar de um depósito bem grande se quiser colecionar todas as essências de monstros. |
Dungeons Crawlers como
Diablo ficariam orgulhosos da galinha dos ovos de ouro que é o Chocobo’s
Dungeon 2, dada sua liberdade de sistema. Por exemplo: você pode chutar um
cartão de teleporte num inimigo muito forte, pra se livrar dele ou jogar um
cartão de poison pra fazê-lo perder vida gradativamente. Se arremessar um item
de encolhimento (seja um cartão ou um tônico) no seu alvo, talvez ele fique com
ataques menos fortes e facilite sua vida no meio de vários outros oponentes
que, com certeza, estarão tentando te cercar por todas as oito direções
possíveis.
Pode-se dizer que CD2
entrega um sistema bem complexo e livre de combate e evolução de habilidades,
fazendo inveja a muito RPG “sério” por aí. O gerenciamento de itens, por
exemplo: logo na primeira dungeon você vai ficar abarrotado de itens (como em,
adivinhou, Diablo...) e precisará decidir o que levar e o que deixar pra trás (muitas vezes sem saber do que se trata).
Como dificuldade pouca
é bobagem, é preciso identificar itens e acessórios desconhecidos pra não
quebrar a cara e tomar um tônico, quando de vida baixa, que vai justamente reduzir
seu HP ou nível de Energy. E não pense que existe nada levemente parecido com
autosave ou outras modernidades por aqui: morreu, perdeu tudo, a menos que use
um cartão de save antes de subir ou descer um nível nas dungeons.
Às vezes você vai morrer porque Shiroma não quis te curar. Bela companheira essa... |
Não se engane pelos
gráficos fofinhos em sprites, pois CD2 é um survival dos brabos. Mesmo os galos
velhos de briga como eu correm um sério risco de topar com a tela de game over
com mais frequência do que gostaria. Entretanto, o game nos presenteia com uma
curva de aprendizado deliciosa (isso se você souber lidar com um jogo que já
começa no nível hard por padrão). O tutorial do jogo também ajuda muito: os seus
companheiros vão ensinando os elementos de sistema com diálogos super
divertidos que contextualizam as possibilidades do que você pode fazer ou deve
evitar durante seu gameplay.
E já que falei de
Companheiros, depois de finalizar o jogo é possível explorar as dungeons com os
personagens que serviram de ajudantes (Cid, Mog, Shiroma e o bonequinho de
pano). O problema é que, pra ver o final secreto do jogo, é preciso terminar as
fases com todos eles, com o leve detalhe de que esses personagens têm todos
seus níveis e itens resetados quando você morre ou deixa a fase. É, entendeu
agora a metáfora do “Dark Souls com penas”? Dificuldade nível japonês de
sandice...
PLUMAS AO LÉU...
Chocobo’s Dungeon é um
jogo ultra obscuro que (provavelmente) nunca pisou em terras ocidentais. Sua
continuação é um jogo tão obscuro quanto, mas que é possível encontrar ainda
nos dias de hoje (tanto que minha jogada de análise foi com uma cópia original
de Psone) ou jogar a versão em inglês via emuladores. E eu sei que existem
outros jogos da franquia pros consoles da Nintendo, mas é triste ver como a
Square-Enix deixou de lado uma série de tamanho qualidade e potencial (o
Chocobo é uma das marcas registradas de Final Fantasy, ora bolas!!!).
NOTA FINAL: 7,8
NOTA FINAL: 7,8
Um ótimo jogo sim, mas
que está longe de ser livre de falhas: sempre achei ele meio curto, mesmo pra
uma aventura descompromissada de um personagem secundário. Também há certa
repetição de algumas dungeons, bem como troca de cores (pallete swap) de uns
poucos modelos de inimigos e chefes. Ainda assim, considero Chocobo’s Dungeon 2
um jogo indispensável àqueles que apostavam fortunas nas corridas de Chocobo do
Final Fantasy 7 ou saíam à caça de tesouros de toda sorte no nono jogo da
franquia.
O Mog vai te lembrar aquele (a) seu (a) ex: interesseiro (a), preguiçoso (a) e só fala merda! |
Entretanto, fica o
aviso aos que aceitarem o desafio: é incrível como um jogo tão doce em alguns
aspectos (design de personagens, músicas e história) pode ser tão amargo e
punitivo em outros (dificuldade no geral, aquisição de itens e progressão).
É típico dos japoneses mascarar projetos diabólicos, construídos pra devorar o seu juízo, como meros jogos fofinhos feitos pra crianças jogarem. Sendo assim, não me culpe caso arremesse, de raiva, o controle do videogame na tela da sua TV LCD recém-comprada...
É típico dos japoneses mascarar projetos diabólicos, construídos pra devorar o seu juízo, como meros jogos fofinhos feitos pra crianças jogarem. Sendo assim, não me culpe caso arremesse, de raiva, o controle do videogame na tela da sua TV LCD recém-comprada...
E por hoje é só,
pessoal. Como estou de férias neste mês de setembro, esperem por mais análises
em texto aqui no blog, bem como vasto conteúdo em vídeo no canal do Youtube e
postagens na página do blog no Facebook (todos os links estão no topo da
página, lado direito).
Au Revoir.
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