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quarta-feira, 12 de junho de 2019

ANÁLISE: OVERBLOOD (PS1)



















Se você for um pouco mais novo e não correu atrás de conhecer a história da indústria dos games, até quase a metade da década de 90 o mercado de jogos era dominado pela Nintendo, já adiantando que a razão dessa introdução não é fazer qualquer julgamento de mérito, engrandecer ou vilanizar empresa X ou Y. 

Naquela época, se um estúdio queria lançar um game no console da Big N, ele teria que se submeter a duas práticas dessa empresa que não eram lá vistas com bons olhos pelos produtores de games: a aprovação de um selo de qualidade da Nintendo e a limitação de manufatura de cartuchos pela própria fabricante do Super Nintendo.

Se você se colocou no lugar de uma softhouse modesta, que almejava sem muita pretensão apenas lançar seu joguinho e ver no que ia dar, saiba que as coisas eram ainda mais difíceis pra quem não tinha outros métodos de lançar seu jogo: além das práticas citadas acima, a Nintendo ainda cobrava royalties extorsivos a quem se arriscasse nessa ousada empreitada.

Se você vive num universo paralelo onde o Nintendo Playstation
é uma realidade, dá like e se inscreve no canal!

Mas essa situação estava prestes a mudar: algumas desavenças entre japoneses e uma promessa de vingança depois, a Sony (até então uma gigante no ramo de TVs e sistemas de som) entraria com tudo na indústria de games e se aproveitaria da sua estrutura na prensa de CDs de música para quebrar as pernas da Nintendo de um jeito que ela nunca mais conseguisse alcançar o primeiro lugar na indústria de games novamente.

Mas o que raios isso tem a ver com o jogo alvo da minha análise aqui no blog? Simples: é que se não fosse pelo suporte que a Sony deu a empresas pequenas publicarem seus jogos (seja pelos royalties mais justos, seja ajudando a prensar e distribuir os discos de Psone), pérolas do naipe de Overblood jamais viriam a luz do dia e eu não estaria tendo essa conversa com o leitor nesse exato momento (pro bem ou pro mal).

E pensar que apenas um ano depois sairia esse jogo aqui...
Overblood foi um jogo lançado em 1997 por uma total desconhecida chamada Riverhillsoft (sim, ele teve a audácia de sair no mesmo ano que Final Fantasy 7, Symphony of the Night e o pior: depois do primeiro Resident Evil), e acho que a intenção do donos era batizar o estúdio com um nome tão genérico quanto os jogos que eles pretendiam criar...

Na época do seu lançamento, os jogos de horror de sobrevivência estavam borbulhando em seu auge. Sendo assim, cabem alguns questionamentos: Overblood conseguiu apresentar uma qualidade própria que se desvencilhasse do padrão ditado pela Capcom e seu horror com zumbis? Esse jogo acrescenta alguma coisa de boa ao gênero? E quanto à Sony, será que ela fez bem dando essa chance a estúdios menores mostrarem seu trabalho?

Já sabe o procedimento: puxa uma cadeira, prepara um lanche reforçado e vem com Shadow que a conversa vai ser longa...


UM GAROTO E SEU PIPO... (5,5)


Depois de uma lindíssima cena em CG com qualidade inferior a gráficos em tempo real do próprio Psone, você desperta de um sono criogênico em uma sala que só pode ter sido “inspirada” no filme Alien, de 1979. Não sabe que filme é esse? Então desculpe, nunca poderemos ser amigos...

Falando sério agora: você desperta na pele de Raz Karcy, um cara que parece o Chuck Norris usando um colante azul com jaquetinha vermelha de salva-vidas. Raz está completamente sem memória ou ideia de quem seja e como foi parar naquele lugar, uma instalação científica controlada por I.A com paredes e corredores esterilizados de forma quase claustrofóbica.

Uns passos mais à frente ele encontra Pipo, um robô de serviço que age como se fosse o R2D2 e emite pios de Chocobo. Ok, eu sei que a comparação foi tosca pra caralho, mas não tem como descrever os sons de Pipo de outra forma. Apesar de que tem sim: Pipo é insuportável. Depois da fadinha Navi, do Ocarina of Time, ele se configura como um dos acompanhantes mais irritantes já feitos pra um jogo de videogame.

Robô: "Blip, blop, blip, blop!"
Raz: "Pipo, seu nome é Pipo?"
Robô: "Blip, blooooooop!"
Raz: "Entendi, seu nome é mesmo Pipo..."
Isso pelo fato de que o filho da puta não para de pular, girar e piar nem por UMA PORRA DE UM SEGUNDO SEQUER. Como se as agruras desse jogo não fossem suficientes, você ainda vai ter a sua paciência minada por um bicho que te segue a 20cm de distância e não fica quieto nunca. Mas nunca mesmo.

Depois dessa premissa super original, nós descobrimos que existe uma infecção na base que está transformando as pessoas em, adivinha só, zumbis agressivos e mortais. Bem, se você levar em conta o combate desse jogo verá que o único potencial letal que os zumbis do jogo têm é o de te matar de rir. Sério.

Esses aliens aparecem no começo pra nunca mais darem as caras.
Será que os caras foram inocentes o bastante pra achar que teria uma sequência desse jogo,
onde as pontas soltas seriam explicadas?
Com a pressa que estou de pular logo pros outros tópicos do texto, posso listar como qualidade do enredo desse jogo a imprevisibilidade e alguns acontecimentos inusitados que, com certeza, vão te fazer soltar lágrimas (ou gargalhadas) nervosas durante o gameplay.

Um detalhe que talvez as duas outras pessoas que terminaram o jogo além de mim (a equipe de desenvolvedores não conta) tenham percebido é a sequência perto do final do jogo, onde montamos num veículo parecido com um jet-ski para desviar de pedras num tipo de lago subterrâneo. Não sei o que deu na cabeça do time de criação do Resident Evil 4 pra copiar uma parte de um jogo para o qual ninguém deu a mínima, mas fica registrada esse detalhe completamente irrelevante a sua vida.


GRÁFICOS (3,2) E SONS DE... PIPO! (5,0)


Ai, ai, e lá vamos nós... Sabe aquela frase que diz “não vou nem tirar sarro, vai que é doença...”? Então, o visual de Overblood é de impressionar, logo durante a CG de abertura: você fica impressionado como um aparelho que entregou cenas do nível de Final Fantasy 8 tem a audácia de exibir visuais dignos de um live action do Mortal Kombat.

Quando eu comprei o disco do jogo e fui experimentar eu pensei: “olha só, pra um jogo de Psone até que o bicho é bonitão. As texturas estão meio lavadas, simplesinhas, mas tá bonito, tá suave.” Foi aí que eu me dei conta de que estava vendo uma cena em CG, e não o gráfico em tempo real.

Nessa hora, um jorro verde de vômito escapou da minha boca, o cadáver do Silent Hill puxou minha perna por debaixo da cama e os xenomorfos do Alien Ressurection pularam da parede do meu quarto perguntando “que porra é essa, Shadow? Trate de ir se explicando já!

Não são seus olhos cansados depois de um dia exaustivo
de trabalho não: realmente foi feita uma continuação dessa joinha...
Não basta ser feio, tem que ter animações de bonecos infláveis que falam sem mover os lábios, se viram como uma carreta fazendo baliza e correm como um bebê aprendendo a andar com cocô nas fraldas. Falar mais mal desse jogo seria como chutar cachorro morto, mas entrou na chuva é pra se molhar.

O game nos presenteia com três ângulos de câmera diferentes, sendo que no cômputo final NENHUM DELES FUNCIONA COMO DEVIA. A visão em terceira pessoa não mostra tudo que você precisa ver pra prosseguir, facilitando ainda mais o desejo ardente de seu personagem ficar preso em tudo que encosta.

A terceira pessoa com visão “de trás de ti, imbecil” (também chamada de “visão por trás do ombro”, de Cold Fear e Resident Evil 4) sofre daquele velho problema de ficar dando a volta no personagem quando esbarra em algum ângulo com parede e sempre teima em filmar a cara do protagonista.

Os modos de câmera seriam uma boa... se os cenários não fossem todos iguais e sem vida.

A visão em primeira pessoa, que seria justificada pelas mecânicas de se abaixar e procurar em locais inusitados, não cumpre sua função, visto que não há o recurso de olhar pra baixo ou pra cima. Eu sei, pra um jogo de 1997, em tempo real e com movimentação de tanque, até que ele tentou oferecer opções ao jogador. Mas o problema é justamente este: ele apenas tentou...

Sobre as cenas, ah as cenas desse jogo... Você já ouviu a expressão “humor involuntário”, não ouviu? Então, num jogo sci-fi com elementos de terror, essa é a última expressão que os criadores gostariam que fosse associada ao produto que eles desenvolveram. Mas é justamente o caso aqui.

Não dá pra falar da tosqueira das cenas sem falar da tosqueira da dublagem. Em alguns momentos até que ela não é ruim, exceto pelo fato de que o volume do áudio das CGs é pelo menos o dobro do volume das cenas rodando com o motor do próprio jogo. Se levar em conta que algumas informações cruciais para a progressão (como a abaixadinha que você precisa dar, logo no começo, pra ativar o sistema de aquecimento) são fornecidas por meio de diálogos falados (e que o jogo não tem legendas), prepare-se pra ouvir reclamações da sua família e de seus vizinhos por ter colocado o volume no talo pra conseguir entender alguma coisa.

Overblood tem seus méritos: que outro clone de
Resident Evil você conhece com a coragem de esfregar na cara do jogador
um protagonista peladão logo nos primeiros cinco minutos de jogo?
Kaz, por exemplo, dá um grito estridente capaz de despertar um vampiro antediluviano de seu sono eterno cada vez que morre ou leva um sopapo de um zumbi. Tudo isso, claro, sem esquecer do barulho irritante de Pipo, o ajudante robótico que aprendemos a amar (Pipo, nããããããããããoooooooo!!!) pelo fato de que ele é o único que serve pra alguma coisa nessa porra de jogo tosco.

Os efeitos sonoros são bem legais, e as músicas (salvo aquela que toca nas cenas com Raz e Milly, que parece trilha de filme pornô) são até que bonitas, passando o clima ideal de mistério e terror em uma base abandonada por deus e o mundo. Sobre a sonoplastia dos inimigos, prefiro não tocar nesse assunto. Apenas ouça e se divirta como se não tivesse responsabilidades na vida ou contas pra pagar no final do mês.


FALHA NO SISTEMA... ERRO DE BAD PIPO #402 (3,9).


A jogabilidade desse jogo é medonha, pra encurtar as coisas. Marthian Gothic, saiba que você tem um forte concorrente ao prêmio de jogo com a pior movimentação e controle no Playstation 1. Se Resident Evil utiliza o sistema de movimentos de tanque, Overblood usa o sistema de “avestruz desgovernado com labirintite” que dá um charme todo especial à forma como você controla o protagonista... além de alguns calos nos dedos depois de meia hora de jogo.

Raz e os outros personagens controláveis (nem se anime, são apenas dois) esbarram em tudo, simples assim. Pra piorar, além do controle de tanque (coloca pra cima pro personagem começar a se mover), há um delay entre o momento que Raz está parado até a hora que ele decide se mexer.

Usar a expressão “ele decide” cai como uma luva nesse caso, já que muitas vezes vai parecer que o personagem tem vontade própria (ele tem vontade de fazer tudo, menos o que você manda). Como a bobagem que a merda pouca é, o botão de corrida (círculo) é o mesmo de empurrar objetos. Então, não precisa de muita imaginação pra concluir que Raz vai ficar feito um idiota tentando empurrar uma parede invisível quando você precisa fugir de um perigo ou simplesmente chegar a um lugar com rapidez.

Ele até traz algumas interfaces diferenciadas, mas
nada que vá reinventar a roda.
Sobre empurrar objetos, cabe uma observação (você já sabe que eu não consigo falar pouco sobre alguma coisa, não sabe?): é a mecânica mais sem lógica que eu experimentei no finado, mas célebre, Psone. Raz empurra contêineres super pesados encostando as mãos na lateral, como se os objetos não possuíssem peso algum. Some esse detalhe aos problemas descritos acima e você (que não jogou) terá apenas uma vaga noção do transtorno que é navegação nesse jogo.

A novidade no sistema de game com relação a seus concorrentes é que o protagonista pode se abaixar (botão triângulo). Essa mecânica é utilizada para investigação, resolução de enigmas e encontrar objetos debaixo de móveis e etc. O problema é que alguns itens (de fundamental importância para o progresso) não possuem uma representação gráfica (sim, eles são invisíveis como você bem entendeu).

Dois bons exemplos desse “foda-se” com o jogador é o gravador de voz, que tem a função banal de... salvar a porra do progresso de jogo!; e o óleo lubrificante de máquinas, item-chave para terminar a aventura até que duradoura de Raz e seu fiel escudeiro Pipo (eu fechei o jogo em 4 horas e 57 minutos): eles não podem ser visualizados,  não aparecendo no cenário até que você os colete.

O maior mistério do game: como um protagonista
tão desajeitado conseguiu sobreviver a todos esses perigos?
Sobre os enigmas do game, que segue o mesmo estilo de jogos como Resident Evil e Silent Hill, alguns deles simplesmente desafiam a lógica da física que nos foi ensinada no ensino médio (o já citado exemplo de empurrar coisas pesadas de ladinho). Outros fazem bastante sentido, como a parte dos ventiladores gigantes que, se você se abaixa, sofre menos atrito do vento.

Sobre os combates encontrados no jogo, eles podem ser divididos em três etapas: no primeiro terço da aventura você não vai encontrar vivalma para te atrapalhar na resolução dos puzzles, o que vai muito bem com o feeling de estar se adaptando aos terríveis e doloridos controles do personagem.

Colante azul com jaquetinha vermelha, colante vermelho com jaquetinha azul:
a criativa dos designers em seu ápice!
Na segunda parte você vai enfrentar inimigos que são derrotados sem esboçar nenhuma reação (você dá cabo dos zumbis na base do tapa, como no jogo de SNES Nosferatu, e qualquer protagonista que enfrente mortos-vivos com as próprias mãos, sem frescurinha de chicote, já tem meu respeito instantaneamente).

Do meio pro final a curva de dificuldade do game vai de 20km pra 200km por hora: você vai encontrar inimigos que demoram mais de 15 tiros de pistola pra morrerem, batem durante suas sequências de golpes e te arremessam a 30 metros de distância, caso acertem. Boa sorte e separe uma dose de paciência extra pra enfrentar um último chefe que só morre depois de 40 tiros, sob a pressão de uma contagem regressiva à la final boss de Resident Evil...


SÓ SEI QUE EU SOU EU MESMO... E NADA DE PIPO...


“Raios, Shadow. Pra quê perder tempo com um game que levou essas notas, é cheio de defeitos e conta com representantes do gênero melhores do ele em praticamente tudo?”

A resposta pra essa pergunta é fácil: sabe aquela frase (que geralmente eu odeio) que diz que algo “é tão ruim que acaba ficando bom”? Então, é exatamente o caso de Overblood.
Longe de ter surgido em uma época onde faltavam exemplares de sua espécie, Overblood consegue, com sua tosqueira, cativar e nos manter interessados em descobrir os segredos e revelações bombásticas que permeiam a vida de Raz, Milly e Pipo (eu sempre vou te amar, Pipo. Obrigado por tudo...).

NOTA FINAL: 4,4

É um jogo super obscuro que representa uma alternativa válida pra quem gosta de puzzles com sci-fi no estilo Resident Evil clássico. Ele goza do mérito próprio de não ser um clone do game da Capcom (mesmo parecendo que é) numa época onde tudo meio que empurrava os jogos nessa direção, muito embora que uma dose moderada de plágio àquele jogo pudesse operar milagres ao problemas que este carrega.

Esse jogo tem cada lugar obscuro da porra!
Extremamente truncado mas carismático em sua tosqueira, Overblood consegue Pipo nas nossas cabeças num momento em que o Pipo tenta fundamentar seu Pipo perante outros Pipo que já são típicos do Pipo estabelecido no gênero.

E é isso, Pipossoal. Vou parando por aqui, pois desconfio que o jogo já está exercendo efeitos colaterais indesejados na minha mente. Espero que tenham gostado do texto (àqueles que já conheciam essa pérola da tosqueira sci-fi no Psone) e até o próximo post do blog.

Au Revoir!

Um comentário:

  1. Cara eu joguei essa perola mas não consegui terminar pq depois e umas 100 vezes morrendo no mesmo inimigo eu simplesmente tirei o CD do play e joguei na rua, o mais longe q consegui. Esse jogo me deu tanta raiva q não consigo esquecer até hj kkkkk. Seu texto me fez voltar 25 anos no passado. Parabens!

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