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sexta-feira, 22 de setembro de 2017

GATO POR LEBRE DIGITAL






















Você já ouviu falar no termo “recall”? É uma expressão em inglês que significa uma convocação para trocar um produto, ou parte dele, que foi lançado no mercado com defeito. É uma prática bastante comum em alguns mercados, como na indústria automobilística por exemplo. Geralmente um recall é anunciado em comerciais de TV e rádio (provavelmente na web também) e, em se tratando de medicamentos, alimentos e automóveis, costuma acontecer quando um determinado produto oferece risco à saúde do consumidor.

Com jogos, pra quem se perdeu nos meus floreios intelectuais, as relações de consumo são um pouco diferentes. A menos que você seja um obeso mórbido que coloca a culpa da sua demissão do emprego e ruína matrimonial no “fator de imersão” de jogos como Fallout 4 ou The Witcher3, não faz muito sentido em apelar pro fenômeno do recall só porque um jogo que você achava que devia durar 200 horas acabou finalizado com 50 horas a menos de que o esperado.

Ah, se existisse internet naquela época...

Principalmente pelo fato de que, em países que sapateiam nas leis e passam por cima dos direitos dos cidadãos e consumidores (como me vem parecendo ser o caso do Brasil), simplesmente não há jurisprudência para esse tipo de caso (o de devolver um game ou colocar uma desenvolvedora na justiça por se sentir lesado) em uma nação que, até pouco menos de 10 anos atrás, considerava jogadores de videogame como sendo uns adultos desocupados brincando com coisas de criança (na melhor das hipóteses).

Mas, só porque nada dá certo no nosso país, nossa política é um câncer e o único direito do cidadão médio é o de ser sugado até a falência por um Estado inchado que não existe pelo seu bem-estar, isso não quer dizer que em outras partes do mundo as coisas aconteçam dessa forma. Sendo assim, eu venho comentar três casos recentes da indústria dos games que envolveram (ou pelo menos deviam, como no segundo) algum tipo de questão judicial entre as desenvolvedoras e os gamers.


NO MAN’S LIES






















No Man’s Sky é um jogo de exploração espacial lançado ano passado debaixo de uma das piores recepções que eu já vi a um produto de entretenimento (e olha que, pra chegar a essa conclusão, eu considerei casos como o de Duke Nuken Forever). O jogo, da estreante indie Hello Games, foi alvo de um hype absurdo; uma campanha de marketing que só pode ser classificada como enganosa por parte de seus criadores; e patches de atualização lançados sistematicamente, após o day one do game, apenas para fazê-lo rodar sem travar ou fechar subitamente na cara do jogador.

O sentido do post não é de julgamento da qualidade ou mérito dos jogos abordados nele, mas se você quiser conferir a minha opinião sobre o game, clique AQUI para ler um texto enorme que pode tanto ser encarado como uma sincera narração da minha experiência pessoal com o game, quanto um texto apologético descarado disfarçado de análise imparcial. Uma interpretação ou outra vai do gosto do freguês, então sinta-se à vontade para extravasar nos comentários (daquele post) se concluir que eu sou um FDP mentiroso que foi desonesto com os leitores.

Hello Games, Atlas está vendo sua desonestidade com os consumidores.

Voltando ao cerne do texto, o caso é que, pouco mais de um mês após seu lançamento, o título foi alvo de uma denúncia de propaganda enganosa no ASA (Advertising Standards Authority, ou Autoridade de Padrões de Publicidade numa tradução livre), um órgão do Reino Unido, por conter em seus trailers elementos que, “ “supostamente” “, não estavam na versão final no dia do lançamento (o caso foi tão cabeludo que eu tive que usar aspas pra aspas na palavra supostamente...).

Depois de um hiato de algumas semanas no Twitter e outras redes sociais, no mesmo universo em que jogadores, de fato, tentaram pedir reembolso do game CINQUENTA HORAS DE JOGO DEPOIS, a Hello Games tomou a atitude mais digna para uma desenvolvedora em sua posição: anunciou que estava trabalhando arduamente (coisa que ela devia ter feito ANTES do jogo sair, não depois) para tornar No Man’s Sky um produto o mais parecido possível com o que havia sido prometido.

Se não fossem pelos problemas do lançamento, seria uma das maiores surpresas de 2016.

Uma tonelada de patches capaz de dobrar o espaço de armazenamento do jogo no HD depois, o caso se encerrou com a Hello Games e Valve (a distribuidora do game nos PCs) sendo inocentadas das acusações de propaganda enganosa, visto que os próprios analistas da ASA chegaram à conclusão de que, muito embora que houvessem detalhes nos trailers que se diferenciavam da versão final, eles eram “efêmeros” (como o fato de animais derrubarem árvores ou a beleza da água) e não chegavam a poderem ser classificados como enganosos.

Depois de escapar de um processo de uma companhia de TV por assinatura, pelo uso “indevido” da palavra Sky em seu título (preciso dizer que companhia era essa?), e dos desenvolvedores receberem ameaças de morte por parte de fãs indignados com os adiamentos do jogo, fica a lição à Hello Games de que jogador de videogame é bicho ruim com o qual não se deve brincar. Ao menos não nesse sentido da palavra...


FANTASIA FINAL QUINZE E MEIA.






















Aqui o ocorrido é mais leve, e confesso que a decisão de listar esse caso entre um dos três escolhidos para o post tem mais a ver com minha interpretação pessoal dos fatos do que com acusações concretas que o jogo Final Fantasy 15, de fato, tenha recebido desde seu lançamento. Para deixar mais claro o que eu quero dizer com esse exemplo, preciso antes contextualizar toda a situação envolvendo o jogo.

Com o sucesso financeiro de spin-offs como Final Fantasy Tactics e Final Fantasy 10-2, a Square Enix decidiu que era hora de expandir o alcance comercial de sua maior franquia de games, Final Fantasy. Com a chegada de uma nova era de consoles, quebras de exclusividades e toda uma nova geração de jogadores, a gigante dos JRPGs encabeçaria um projeto intitulado Fabula Nova Cristallis, um conglomerado de games da série Final Fantasy que começaria com o fatídico décimo terceiro jogo, passaria por títulos como Final Fantasy Type 0 e culminaria em um jogo de celular pro qual ninguém deu a mínima.

Sempre que penso no jogaço que FF15 poderia ter sido eu sinto vontade de chorar. Sério.

Depois de vários problemas de desenvolvimento e um tempo de produção que veria o Playstation 3 nascer, roubar as chaves do carro do pai e bater as botas, o projeto Versus 13 migraria de sua plataforma original, mudaria de nome e ganharia a responsabilidade de se transformar no carro-chefe de uma franquia que vinha decepcionando os fãs com um jogo de qualidade duvidosa atrás do outro (sim, Chocolina, a culpa É toda sua...).

Por meio de uma enxurrada de trailers que detalhavam vários aspectos do projeto, Final Fantasy Versus 13 teve sua parte “Versus” extirpada de seu título e, depois de somar dois e noves fora uma experiência linear de jogo, surgia o anúncio de um produto final que prometia retomar a franquia a seus tempos de glória perdida.

Pouco depois de seu anúncio definitivo, era o começo de 2016 e Final Fantasy 15 ainda estava apenas 50% completo. Praticamente uma demo de proporções avantajadas, tendo em vista que seu lançamento estava programado para novembro deste mesmo ano. Poucos meses antes do tão esperado dia, a primeira notícia que serviria pra colocar uma pulga atrás da minha orelha seria dada: os próprios criadores do jogo afirmavam que o jogo seria metade livre, com exploração ao estilo sandbox (ou mundo aberto), e sua outra metade seria uma trajetória mais linear focada em enredo, como na desastrosa campanha de Final Fantasy 13 (mencione a “linearidade” de Final Fantasy 10 sob sua conta e risco).

Como pode ter acontecido isso com um jogo com Chocobos tão lindos?

Não preciso dizer no que Final Fantasy 15 acabou se revelando pra mim, não é mesmo? Eu já contei essa história à exaustão no meu review do game, que pode ser lido AQUI; e soltei cobras e lagartos sobre o produto final que foi esse jogo em dois vídeos no meu canal do Youtube, que podem ser assistidos nesse mesmo post de análise ou clicando AQUI e AQUI, pro caso de você ser mais do tipo que gosta de ouvir do que ler.

Pois bem, destoando do tema do post, o de pelejas judiciais envolvendo propaganda enganosa com games, não há nada oficial que possa corroborar a ideia de que o game foi mal recebido pela crítica (um bando de débeis mentais chapa-branca que não percebem algo de errado com um jogo nem que o problema os morda). Mas é indiscutível que o jogo apresenta uma experiência drasticamente diferente do prometido de sua segunda metade para o final da aventura.

Um jogo com um feeling maravilhoso estragado por um lançamento precipitado.

Para corroborar a minha hipótese de que os produtores do jogo lançaram um produto que estava meio acabado, por falta de tempo (dado o alto custo de desenvolvimento de manter o mesmo projeto por tantos anos), temos a declaração da própria Square Enix de que lançaria patches para “corrigir” a parte final do game, apontada por muitos jogadores como apressada e sem muita conexão com o restante da história (características típicas de um produto inacabado, a meu ver).

Some a isso o fato de que um jogador, por meio de um glitch, descobriu áreas vazias no final do game que estavam bloqueadas por meios de jogatina normal, e você tem a faca e o queijo na mão para afirmar, com certa segurança em suas opiniões, de que a Square Enix lançou no mercado um jogo que foi desenvolvido até certo ponto como uma experiência de mundo aberto, mas por questões de prazo e demanda de despesas, acabou sendo lançado com conteúdo faltando (sabe como é: meio jogo dá mais lucro que nenhum...).

"Não fique triste, Shadow. Um dia a Square Enix encontrará seu caminho de volta para a luz..."

Videogames são produtos que não seguem uma estrutura muito padrão de começo, meio e fim limitados por espaços de tempo bem definidos. Um jogo, a exemplo dos de luta, pode durar meia hora para ser finalizado, enquanto outros (como os já citados sandbox) podem durar literalmente meses de sua vida para que você testemunhe o subir dos créditos. Qual elemento técnico seria capaz de dizer ao consumidor quando um jogo está completo ou não? Sua história, talvez?

O que dizer quando o capítulo de uma série, famosa por detalhar suas tramas com uma riqueza invejável a outras obras mais bem consolidadas no ramo do entretenimento, entrega um jogo onde o personagem principal adentra um cristal misterioso que o faz dar um salto narrativo de, literalmente, dez anos no futuro? E isso sem a menor cerimônia ou preocupação com explicação de detalhes e impactos psicológicos ou narrativos que um evento como esses, sem sombra de dúvidas, devia carregar?

A conclusão a que posso chegar com o caso do incompleto Final Fantasy 15 é que, daqui pra frente, o jogador e o jornalismo de games em geral deviam ficar mais atentos a esse tipo de manobra pouco sutil que certas desenvolvedoras de jogos lançam mão, sem dar maiores satisfações a seus consumidores, vez ou outra, a fim de evitar de lidar com as consequências de tropeços na produção de um projeto.


QUARESMA DO INFINITO...






















Se a peleja com No Man’s Sky foi passível de interpretações legais e jurídicas diversas, e o caso de Final Fantasy 15 possa entrar no âmbito da paranoia subjetiva pessoal, o mesmo não acontece com o game Marvel VS Capcom Infinite.

Depois de perder os direitos de comercializar mídias físicas de seu título antecessor pela expiração dos direitos de uso dos personagens da Marvel, a Capcom anunciou o mais novo capítulo da franquia, com direito a “polêmicas” existenciais de profunda relevância sobre o tamanho das orelhas da Chun-Li e críticas aos gráficos, que simplesmente não causavam o mesmo impacto que seu ancestral mais próximo (o Marvel VS Capcom 3).

"Que foi? Tá olhando o quê? Uma musa não pode acordar num mau dia?"

Infinite foi lançado este mês, com uma história que mal pode ser considerada uma história de verdade (Capcom nos anos 2010: vá se acostumando com esse padrão...), mas já atrelado a polêmicas e desconfortos judiciais entre publishers e gamers que só podiam partir de uma empresa problemática no nível da Capcom. Resolvida a deficiência física de uma Chun-Li que parecia ter saído de um programa de edição de fotos engraçadas, era chegada a hora da Capcom causar frisson em seus consumidores por meio da edição de colecionador de seu novo game, só que pelos motivos errados...

Custando a bagatela de 200 dólares, valor esse que faria até o mais abastado dos jogadores americanos pensar duas vezes em descer o zíper da carteira (tenha em mente que edições como a do Pip-boy, do Fallout 4, custam em média 99 dólares em época de lançamento), a edição de colecionador do jogo Marvel VS Capcom Infinite prometia quatro belas estatuetas de alguns dos heróis jogáveis, bem como uma linda maleta contendo réplicas “reais”, em 3D, das Joias do Infinito retratadas no game. Veja a foto do que foi prometido pela empresa na pré-venda da edição:



Agora dê uma olhada na verdadeira obra de arte que os corajosos compradores da pré-venda receberam em casa, sem ao menos um aviso-prévio da monstruosidade artística que seria arremessada nas portas de suas residências pela van dos Correios:



Desnecessário dizer que internet geral caiu de pênis ereto em cima do ocorrido, gerando uma onda de memes que seriam trágicos se não fossem cômicos ao pobre consumidor, que foi vítima dessa piada de mau gosto contada pela empresa criadora do Ryu.



Depois de lançar, em pleno 2016, um jogo de luta sem modo arcade e com apenas DEZESSEIS lutadores em sua estreia, a Capcom acha que é legal prometer aos jogadores as joias da coroa e entregar um material de baixa qualidade que só pode ter saído de uma promoção de Kinder Ovo na Páscoa das Americanas. Isso sem me prolongar no fato de que as tais estatuetas dos heróis do game parecem ter sido feitas com aquele plástico cheio de rebarbas usado em bonecos genéricos de soldadinhos da Primeira Guerra Mundial:



Faça as contas: se uma collector’s edition que custa 99 dólares chega ao Brasil pela bagatela de R$1000,00 no mercado cinza de importação, imagine quanto vai custar essa abominação com acabamento de brinquedo da Sete de Setembro que a Capcom quer empurrar goela abaixo do consumidor indefeso? Além de praticar DLCs em disco e lançar jogos incompletos full price, agora a Publisher quer partir pro assalto à mão armada sem nem ao menos anestesiar o consumidor antes? Me poupe. Capcom, se vai me foder ao menos coloca uma camisinha.

Sendo testemunha de uma era onde aparecem defensores dos absurdos mais inimagináveis que sua mente não será capaz de fantasiar, e pelas pesquisas que fiz no Google sobre o caso, ao que parece nenhuma ação legal de propaganda enganosa contra a empresa foi iniciada por parte de órgãos de defesa do consumidor. O que, a meu ver, é ausência de atitude bastante irresponsável por parte dos jogadores, visto que estamos falando de uma empresa famosa por pôr à prova os limites da tolerância dos seus consumidores, lançando produtos cada vez com menos conteúdo.


É PRECISO CONHECER O PASSADO A FIM DE EVITÁ-LO























A frase acima é uma máxima dos historiadores, principalmente aqueles estudiosos de fenômenos culturais execrados em uníssono pela humanidade, como o nazismo ou a “Santa” Inquisição. E o mesmo raciocínio pode ser aplicado aos jogadores se relacionando com a indústria de games: se processar empresas devido ao tipo de prática que foi exemplificada aqui no post virasse uma ação corriqueira, desenvolvedoras futuras iriam olhar para o caso de jogos como No Man’s Sky e pensar duas vezes antes de cometer o mesmo erro.

Infelizmente, a indústria de videogames é um dos ramos de entretenimento mais jovens que existe (se você não levar em conta as fabricantes de spinners, claro). Apesar de ter ultrapassado seguimentos como o cinematográfico e o musical há bastante tempo, essa mesma indústria ainda sofre de problemas de imaturidade, ao tratar com o consumidor, que já não representam mais um problema naquelas mídias que tiveram um pouquinho mais de tempo para evoluir e amadurecer comercialmente.

Lembra da satanagem ocorrida na lançamento do Assassin's Creed Unity?

Esse ramo, o dos games, ainda concede a seus principais “artesãos” certos privilégios e zonas de conforto que dificilmente seriam toleradas por consumidores de outras áreas do entretenimento, tais como: lançar jogos quebrados no mercado; cobrar duas vezes por um conteúdo que se encontra presente em disco; fazer uma história incompleta, que para o espectador ver o final é preciso desembolsar uns trocados a mais em um conteúdo que devia ter vindo aberto de fábrica; e alguns outros problemas dos quais não me recordo agora.

E é isso, pessoal. Espero, com esse post, ter contribuído um pouco mais para cimentar nas cabeças dos meus leitores a frase de que “jogos são produtos e devem ser tratados como tal”, pois só quando os jogadores amadurecerem e começarem a exigir os seus direitos de consumidor é que evitaremos absurdos do nível de ovos de páscoa serem vendidos a peso de ouro, se é que deu pra entender onde quero chegar...


Au Revoir.

2 comentários:

  1. "Final Fantasy Versus 13 teve sua parte “Versus” extirpada de seu título e, depois de somar dois e noves fora uma experiência linear de jogo" kkkkk. FF 15 tava na minha lista de jogos q eu jogaria no ps4, mas depois de saber q o jogo fica linear em algum momento me faz lembra o assustador(no pior sentido da palavra) ff 13, e me fez tirá-lo imediatamente. O q é uma pena keria jogar um bom FF.

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    1. O mais triste disso tudo, Moisés, é que até certo ponto ele entrega o que prometeu. Mas fica visível que a empresa não dedicou o tempo que precisava pra ele ser um jogo de mundo aberto de verdade. Quer um conselho: espere o preço dele baixar consideravelmente, pesquise em grupos de troca no Facebook e, quando achar que vale a pena financeiramente, compre ele. A primeira parte do jogo é uma experiência maravilhosa. Só de poder andar de carro pra onde quiser e ouvir as trilhas sonoras de todos os jogos da série é algo que não tem preço. Sem contar os visuais, um dos jogos mais bonitos já feitos nessa geração. Mas vá com baixas expectativas.

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