Doom foi o jogo que praticamente
estreou o gênero FPS em uma das décadas mais fecundas para a indústria dos
jogos eletrônicos. Lançado em 1993 para PCs, PCs e também para PCs, o game
causou polêmicas religiosas entre os desocupados do mundo todo e encantou quase
todos os jogadores da época com um jogo ao mesmo tempo rudimentar e viciante,
perfeitamente executado em sua simplicidade.
Era cunhada a
expressão “clone de Doom” no jargão dos jornalistas de games daquela década. Então,
como se sobressair naquela maré de jogos que se “inspiravam” fortemente no
clássico mega fucking eterno da Id Software e conseguir seu próprio lugar ao
sol? Era possível se fundamentar apenas no gênero, evoluir tudo que havia sido
estabelecido em Doom e, de quebra, lançar um jogo que entraria pra história dos
videogames por mérito próprio?
A resposta pra essas
perguntas abriria caminho na base do pé-de-cabra, cinco anos depois, sobre a
alcunha de um termo da física conhecido como Meia-Vida, ou Half-Life.
HISTÓRIA (9,2)
Esse aspecto do jogo
pode ser resumido de uma forma bastante direta e simples: HALF-LIFE NÃO POSSUI
HISTÓRIA. Ponto. Certo, vou dar uma pausa pro fã da série enxugar a gota de
suor da testa e começar de novo, sem pegadinhas dessa vez.
Half-Life conta a
história de Gordon Freeman, um cientista que está a apenas três dias da
aposentadoria quando um acidente na instalação na qual ele aparentemente
trabalha vira sua vida de cabeça pra baixo. Eu sei, Gordon não está pra se
aposentar. Mas eu disse que não haveria pegadinhas, e não que não faria piadas
com clichês de um gênero.
Quando eu falo “acidente”
não me refiro a um trabalhador que perdeu a mão no maquinário da instalação
científico-militar. Me refiro a uma porra tecnológica que gira, brilha, faz “vroooom”
e abre portais interdimensionais que trarão monstros sedentos pelo sangue dos
cientistas nerds do complexo.
Eu sei que Half-Life não é um
jogo com pretensões de ser de terror, mas a cena do
reator/gerador/máquina-científica-da-porra é assustadora, principalmente pra
mim que tenho certo “desconforto” com maquinários grandes em ambientes
tecnológicos. Não sei explicar direito, mas sei que a culpa é do filme Superman 3. Acho que a cena bizarra abaixo pode dar uma pista do porquê (hoje ela é bem tosca, mas tente enxergar pela ótica de uma criança de 6 anos):
Sabe aqueles jogos que
possuem uma narrativa indireta, sem cutscenes ou diálogos que interrompem a
ação do jogador? Half-Life é o pai de todos eles: mesmo sem dizer um A, Gordon
Freeman participa de uma história que se conta por ela mesma, usando fatos
práticos ao invés de linhas de diálogo. Bem depois do começo vai ter um soldado
que soltará a frase: “Freeman, certo?
Tenho uma mensagem pra você: certifique-se de que você não vai...” tiros...
Aqui é usado com maestria um elemento que em alguns jogos é um baita clichê, o
do protagonista silencioso que é narrativamente carregado nas costas pelos
NPCs.
"Ei, quatro olhos: desce daí se não eu vou chamar a segurança!" |
O mero som de uma
conversa incompreensível, vindo de uma T.V chiando, te dá a certeza de que você
não está enfrentando nada desse planeta, ou que as criaturas que invadiram a
Black Mesa, de certa forma, parecem se divertir com a carnificina humana.
E não pense que a
ausência de diálogos por parte do nosso protagonista faz de Half-Life um jogo
menos impactante. Em um dado momento vemos um carinha pendurado no cabo de um
elevador parado. E é incrível como o jogo consegue fazer com que você se
importe com um NPC genérico, mesmo sem Gordon esboçar um pio sobre as situações
bizarras encontradas na base. Sobre os eventos, tenha em mente que todo mundo se ferra nesse jogo. É
inacreditável isso. Tal vertente narrativa me lembra muito a franquia Alien nesse
aspecto, e qualquer coisa que se pareça com Alien (e que demonstre o mínimo de
personalidade própria, claro) merece um lugarzinho especial no meu coração.
Foi AQUI que as fezes foram atiradas no condensador cósmico... |
O tema principal do
enredo é a tecnologia e como a merda pode atingir o ventilador sem nem se dar
ao trabalho de explicar o porquê. Mas há um momento em que o jogo simplesmente se
esquece dos monstros de filmes sci-fi
e se joga num tiroteio frenético contra soldados (que visivelmente querem
eliminar as testemunhas da surumbamba toda que aconteceu na Black Mesa).
Isso geralmente, em
meus textos, seria razão pra um jogo perder alguns pontos no quesito enredo, se
não fosse pelo fato de que Half-Life acerta (narrativamente) até quando não
está sendo ele mesmo (há uma parte nervosa em que temos que fugir de um bombardeio
de um helicóptero...). Mesmo que eu não goste de admitir, o militarismo aqui
não só é justificado como funciona muito bem nas mecânicas de jogo. Não é à toa
que Counter Strike é um mod de Half-Life, pra quem não sabia de mais essa.
Pensamentos: "tenho a ligeira impressão de que alguém aqui não vai muito com a minha cara..." |
Uma coisa que eu achei
meio estranho, e que (pelo menos nesse primeiro jogo) não foi explicado é o
interesse dos militares em dar cabo de Freeman (é engraçado como todos na base
parecem conhecer o cientista...): pelo jeito que eles se empenham em matá-lo, ele
só pode estar carregando uma Alien Rainha na barriga sem saber. Não consigo
pensar em outro motivo pra querer dar fim a um cientista nerd mudo que só quer
encontrar a saída do lugar e picar a mula de lá o quanto antes.
O final do enredo nem
chega a ser um final como estamos acostumados a ver em um jogo. Ele dá apenas
pistas do que aconteceu na instalação, deixando mais perguntas que respostas:
Freeman foi usado pra limpar a bagunça na Black Mesa? O vazamento dimensional
foi acidental ou planejado por forças superiores? Onde fica aquela dimensão de
onde saíam as criaturas? O que é a tal fronteira mencionada pelo G-Man na tela
final, do trem? E qual o papel dele no futuro da série? Aos mais ansiosos,
apenas uma tela preta com os passos de Gordon e o rolar dos créditos...
APRESENTAÇÃO (8,5)
Uma das coisas que não
consegui evitar de me incomodar com foi a falta de variedade nos NPCs. Será que
a Black Mesa faz experimentos de clonagem também ou sou eu que estou sendo
exigente demais com um jogo de quase vinte anos de idade? De qualquer forma, o que
mais vemos nos cenários são infinitogêmeos dos guardas de segurança e dos
cientistas colegas de Freeman, o que me fez lembrar o desenho Pokemon e da
enfermeira Joy. O pior é que, além de serem iguais, eles chegam ao cúmulo de
repetir até as falas: “estou muito
ocupado agora pra conversar com você” (em pé, batendo papo com um outro alguém...).
Eu tenho noção de que
a versão da Steam foi melhorada, mas os gráficos me pareceram excelentes, mesmo
pra época: bocas se mexem; gravatas balançam sobre o peito dos cientistas; as
texturas são de boa qualidade; cadeiras e outros objetos se movem; painéis
explodem e soltam fumaça; partículas e destroços voam de coisas explodidas.
A diferença não é tão grande. O original era muito bonito também. |
A atmosfera,
mesmo sendo de alto nível, ativará certos alarmes de lugar-comum na sua mente:
não tem como não lembrar de Alien ao ver um cientista com uma criatura agarrada
à sua cabeça. E como era de se esperar, o clássico que abriu este texto, Doom, também
marca presença no campo das influências, com uma significativa participação espiritual
em elementos que, é lógico, não cabe elencar aqui a fim de não matar o leitor
de tédio.
Da parte sonora não
tem muito o que falar, visto que eu não sei o alcance das melhorias realizadas
pela versão da Steam. Mas o que me foi mostrado é o suficiente pra concluir que
a dublagem presente no jogo atual é excelente. Half-Life, mesmo sem pretender,
acaba sendo um jogo meio de terror em alguns momentos, justamente pelo seu alto
acabamento sonoro: nas vozes robóticas dos alto-falantes e da seu traje; na estática
dos comunicadores inimigos; nos gorgolejados de monstros que, às vezes, você
não consegue identificar de onde vem; entre outros.
As armas são bastante
impactantes, com um acabamento sonoro marcante. As estações de cura e kits
médicos fazem um som de “fixin” que podia ser utilizado como ferramenta terapêutica
em tratamento de pessoas com ansiedade crônica. Os passos do personagem variam
de acordo com as diferentes superfícies. De fato, a indústria dos games estaria
bem mais evoluída se Half-Life tivesse sido definido como o padrão de qualidade
mínima pra um FPS ser produzido dali em diante.
SISTEMA (9,7)/JOGABILIDADE (6,5)
Um aviso, antes de
começar esta que será a parte mais extensa do texto: ao jogar Half-Life sua tolerância
será testada constantemente. Os comandos de Save e Load ficarão salvos na sua
memória muscular como ações tão corriqueiras quanto andar e atirar no game. Tenha
ciência disso antes mesmo de começar a jogar. Pois bem...
As primeiras dez horas
de jogo são de uma inocência quase pueril: você avista os monstros de longe e
tem tempo pra planejar seus tiros de uma distância segura. Eles mal chegam a
representar uma ameaça e aparecem em lugares de fácil localização. Com o
avançar do enredo se prepare, pois o game praticamente se transformará num
exercício sádico de masoquismo autoconsciente.
O começo desse jogo é bem
legal e tranquilo, sem muito estresse, mas custava dar dicas das teclas que
serão mais usadas? Eu lembro que passei meia hora rodando até descobrir que a
roupa de Freeman era ativada com a letra E. Não custava nada colocar um
daqueles guardas genéricos pra dar algumas dicas do que fazer, como na parte em
que um deles só deixa você passar se já estiver trajando a roupa (pena que ele
não se dá ao trabalho de te informar esse detalhe, ele está muito ocupado barrarando seu avanço). Esses pequenos detalhes eu adicionei com um propósito em
mente: saiba que sua jornada na Black Mesa não será nada fácil...
O começo é de boas: tem até um lounge pra relaxar. |
Enquanto jogava, eu estava
fazendo algumas anotações e reclamando muito da falta de dicas, aí me dei conta
de que os jogos atuais talvez tenham me deixado mal-acostumado com tutoriais
que me tratam como um retardado incapaz de descobrir algo por conta própria, ou
mensagens de ajuda irrelevantes que me privam das delícias proporcionadas pela
sensação de descoberta.
Half-Life é um jogo de
19 anos de idade que não está nem um pouco preocupado em carregar o jogador
pelo braço. Se você quiser se dar bem sem precisar recorrer a guias na
internet, é preciso prestar MUITA atenção aos ambientes. Entenda isso antes de
dar new game e sua jornada pelo game será bem menos turbulenta.
Mas é fato: com ou sem
queixumes eu tinha que perseverar. Meu subconsciente gamer sabia que havia algo
de muito bom por trás daqueles corredores iniciais meio sem graça, povoados por
cientistas de feição semelhante. Há uns 15 anos, durante minha breve carreira
de jogador de PCs, eu havia experimentado o jogo original e passado da primeira
parte. Por que eu não conseguiria agora, depois de ter derrotado toneladas de
FPSs ao longo desses anos? O que meu eu do passado tinha que o atual não tem
mais? A resposta foi libertadora: Half-Life não é um FPS convencional. É um
daqueles jogos que você não descreve, você joga e vê do que ele é capaz pra te
surpreender. Simples assim.
Uma coisa é certa: tédio é a última palavra que virá à sua cabeça quando o assunto é design. |
Com o passar das horas
eu fiquei me perguntando: como é possível que um jogo tão velho traga contextos
e situações mais originais do que 90% dos jogos que eu joguei na atualidade?
Como exemplo posso citar aquela parte em que descemos em uma plataforma e fica
chovendo aqueles carrapatos com garras (Lamar...) sobre nossas cabeças. Isso pra
falar de uma vírgula de um dicionário de situações que vão fazer você dar
risadas nervosas de estupefação diante da tela do seu PC.
Sobre a jogabilidade
diretamente, eu sei que o que eu vou dizer vai soar como uma trombeta blasfema
do apocalipse aos ouvidos dos jogadores de PC, mas eu não curto a jogabilidade
de mouse e teclado em FPSs. Pronto, falei. Entretanto, tranquilizo os leitores
ao afirmar que as mecânicas de tiro e troca de armas de Half-Life são soberbas.
Só vai levar cinco minutos pra um jogador de consoles incorrigível como eu
pegar o jeito, muito embora que a disposição dos controles desse jogo não seja
das mais favoráveis a longas sessões de jogatina.
A jogabilidade das
armas é excelente. É inacreditável como um jogo de quase duas décadas pode ter
armas de fogo tão precisas, impactantes e prazerosas de usar (muito embora que
não faça muito sentido um nerd como Gordon Freeman achar diversas armas
espalhadas por uma instalação científica e, de quebra, saber usar cada uma
delas como um especialista de guerra).
Um dos maiores ícones da indústria dos games... |
Isso sem parar pra ser
redundante ao falar da variedade delas (tem uma arma que... bem... abelhas
teleguiadas... granadas de besouro... é...). Eu sei, Half-Life ainda é um jogo então
não faz sentido ficar discutindo o sexo dos anjos de cientistas nerds treinados
em armamento militar pesado. E, pela qualidade das armas e das mecânicas de
combate, não é de se espantar que o game foi usado pra construção do mod de
Counter Strike.
Pra continuar, vou dar
início à sessão de queixumes que tenho planejado desde que iniciei meu jogo, há
uns dois meses mais ou menos: por que precisamos praticamente encostar o bilau
de Gordon nas maçanetas das portas pra elas abrirem? Sim, parece um queixume
sem sentido. E seria, se eu não tivesse ficado preso em mais de um momento do
game por não ter me dado conta disso (algumas comportas vermelhas, mais longe
no jogo, simplesmente não parecem que vão se abrir quando você chega perto).
Sem necessidade de legendas: a imagem já tem tudo a ver com meu texto. |
Já a movimentação de Gordon
é um caso pra se tratar em particular: ele se move como um carro de bate-bate desgovernado.
Tente alinhá-lo com uma janela (pra atirar em algum inimigo), pular de uma
escada ou cruzar uma ponte estreita e saberá do que estou falando. Some isso a
um jogo de tiro com fortes inclinações ao gênero plataforma e você terá uma
ideia do sofrimento que eu passei em certas partes. Esse queixume não é à toa
não, visto que a jogabilidade e a experiência final de jogo são muitíssimo
prejudicados pela movimentação brusca do protagonista: dê um toque em qualquer
direção e ele avança como um carro sem freios com graxa nos pneus, fato esse
que vai ser responsável por muitas mortes desnecessárias e telas de
carregamento e save quase compulsivas.
Pra piorar, o jogo
exige uma intuição exagerada em alguns momentos (pela dificuldade nos
controles), como na parte do frigorífico na qual temos que: pular (barra de
espaço), abaixar (control direito) e entrar em uma tubulação de ar para
alcançar uma plataforma móvel. Não deveria ser normal em um FPS ficar preso num
ambiente devido a elementos de jogo de plataforma. Tampouco um jogador no ano
de 2017 faria ideia que encontraria algo do tipo num título de 1998.
A cada pulo, uma morte quase certa. |
O pulo, ainda em
tempo, é praticamente inútil, e só vai servir pra você passar direto por uma
superfície (por causa dos patinetes compulsórios que Gordon carrega amarrados
nos pés) e se estatelar lindamente num abismo. Várias vezes você vai morrer por
causa da síndrome de Donkey Kong que acomete o jogo: você prepara carreira pra
pular e, quando chega na borda de uma plataforma, os pés de Gordon ficam presos
com cola no chão e ele cai feito uma pedra.
Como as minhas
análises têm a pretensão de serem as mais completas possíveis, não posso deixar
de passar a crítica de que a versão da Steam conta com load. Sei que são
bastante curtos, e que eles fazem parte da programação do jogo, mas eles
existem a ponto de interromper a sua exploração nos ambientes. É bem incômodo rodar um jogo de 1998 (num
notebook comprado em 2016) e ainda ter que aguentar esse tipo de coisa. Independente da potência da sua máquina, o mal do load é uma maldição atemporal que sempre vai acompanhar o jogador, não importa pra onde ele corra.
Falando em problemas com pulo, acho que esse cientista também sofre da síndrome de Donkey Kong... |
Half-Life é um jogo
que constantemente desafia o jogador a descobrir o que fazer pra passar de
determinada parte (como na ocasião de quebrar os vidros de uma porta com o
pé-de-cabra, só pra dar um de bilhares de exemplos). Isso é um enorme ponto
positivo dessa obra. O problema é que muitas vezes ele não dá condições pra que
uma tarefa seja realizada a contento, tornando a sua experiência mais
frustrante do que realmente precisava ser.
Por exemplo: eu achava
que na hora de subir ou descer escadas (que geralmente vão te “surpreender” com
inimigos esperando pra comer seu fígado vivo no andar de cima/baixo) os
comandos de andar eram invertidos. Depois fui me dar conta de que as setas de
movimento deixam de exercer sua função básica (controlar sua direção) e assumem
nova função: se você estiver em uma escada e estiver olhando pra baixo, Gordon
vai pra baixo MESMO QUE VOCÊ PRESIONE SETA PRA CIMA! Ou seja: o que controla o
movimento é a câmera, não as setas de navegação. Bizarro.
Half-Life é um jogo
ávido por ver o jogador se dando mal. E ele não se preocupa nem por um segundo
em esconder isso. Lembra daquela frase de Ken Levine, de que prefere irritar o
jogador ao protagonista? Então, com certeza Half-Life foi um dos jogos que com
certeza ele jogou na sua carreira gamer. O jogo chega ao abuso de pedir que
você salte em um poço radioativo pra prosseguir no cenário (na parte de religar
um gerador). Não leve os desafios propostos a você na brincadeira, pois às
vezes a solução que parece mais absurda (do ponto de vista das possibilidades
de gameplay) é EXATAMENTE a que precisa ser realizada pra você continuar.
Morram queimando no inferno, seus FDPs! |
A parte dos tentáculos
verdes que ficam batendo no chão só pode ter sido idealizada por Lúcifer em
pessoa. Muitos dos entraves encontrados no jogo não têm nada a ver com desafio,
e sim com torturar o jogador. Você vai parar de contar a quantidade de mortes
quando alcançar essa parte do foguete. Isso se tiver paciência suficiente pra
chegar aqui sem cheats...
Half-Life é um jogo
bastante cansativo no tocante ao gameplay e comandos. Um jogo que não mede
esforços pra estressar o jogador ao máximo (como na parte dos trilhos de trem).
Exemplificando, um soldado diz que um carrinho de trem vai nos levar “direto”
pra saída da Black Mesa. Isso depois de sermos jogados em um labirinto infernal
de trilhos que só pode ter sido arquiteto pelo Belzebu em seu dia de folga.
Vinte horas de jogo depois eu pensei: “direto pra saída” meu rabo, seu FDP mentiroso
desgraçado...
Definitivamente ele não
é um daqueles títulos pra jogar nos dias em que você está de mal com a vida. A
integridade física do seu mouse e monitor corre sérios riscos, caso você
insista.
Um lugar tranquilo, ideal pra curtir a aposentadoria... |
Os desafios são tão
exigentes que vai chegar uma hora em que você se sentirá um rato de laboratório
preso no ego dos desenvolvedores sádicos da Valve: um corredor cheio de
explosivos; uma sala com turrets; poços de água eletrificada; se não fosse pelo
recurso de save anywhere, Half-Life seria um jogo IMPOSSÍVEL de se completar
por vias normais. De fato, o sadismo presente nesse game é de um nível quase
japonês de doença mental. A Black Mesa parece ter sido financiada pelo criador
dos Jogos Mortais, pois a instalação é sedenta por sacanear o jogador e acabar com a vida dele a
qualquer custo.
Acho que o termo
“segurança do trabalho” é um nome profano nos corredores daquele lugar, um nome
a ser evitado a todo custo pelas bocas dos cientistas do local, visto a
abundância de ambientes inóspitos que enfeitam as dependências da Black Mesa.
De fato, Half-Life possui uma das explorações mais canalhas que eu já vi em um
FPS. No capítulo Surface Tension o
jogo chega ao cúmulo de colocar a saída de uma área ESCONDIDA entre duas rochas
(no caminho com um campo minado). Mamão-com-açúcar, não acha? É só ignorar a
PORRA DO TENTÁCULO GIGANTE TENTANDO TE ESMAGAR e procurar com atenção, não é
mesmo?
Agora eu te pego, seu P@#R@... |
Mas que tal tentar
isso com monstros saindo de todo buraco que você imaginar, soldados querendo
seu brioco embrulhado pra presente e um helicóptero com mira automática
sobrevoando a sua cabeça sem dar um segundo de trégua? Depois que você acha o
lança-misseis e o momento da vingança finalmente chega, já é tarde demais: seu
juízo já foi pro saco, e acertar um tiro no bicho com essa arma exige um
exercício de paciência que você dificilmente terá a essa altura do campeonato.
Falando em inimigos
normais, não demora muito pro jogo abandonar a sutileza que vinha demonstrando
nos combates e apelar pra alguns recursos baratos, típicos de outros clones de
Doom, como o teleporte de inimigos nas suas costas ou a “legião de fãs” que
aparece pra “pedir seu autógrafo” depois que você pressiona um botão ou
alavanca.
Como eu já tinha
falado no início, a falta de tutoriais é um chute no saco do jogador. Mas até
certo ponto ela é praticamente inofensiva. O mesmo não posso dizer do momento
em que ganhamos o detestável Long Jump,
um comando bastante estúpido acionado com as ações de se abaixar, andar pra
frente e pular. A tempo, esse recurso possui uma física risível, com Gordon
quicando nas paredes como um balão de gás depois de executá-lo, nos trechos do
Lar de Gornach.
Tem jogos de plataforma difíceis, tem jogos de plataforma impossíveis. Depois deles tem Xen... |
Não sei se o jogo
original, em disco, vinha com manual de instruções ensinando essas coisas, mas
você sabe que está diante de um jogo que não vai com a sua cara no momento em
que precisa recorrer à internet pra aprender um comando que o próprio jogo tinha a obrigação de te ensinar.
Entretanto, pra não
dizer que todos os momentos de jogabilidade com o jogo foram um problema ,
preciso dizer que Half-Life não deixa você odiá-lo por muito tempo. Pra cada raiva
que o jogo te faz passar ele se desculpa com uma novidade na jogabilidade que
vai te fazer tirar o chapéu pros desenvolvedores da Valve. Por exemplo: em Xen
você não está mais na Black Mesa. Cheguei lá com um HP suicida de 5 pontos e
fiquei imaginando o que faria pra recuperar minha vitalidade, visto que o lugar
não é uma instalação científica com estações de cura nas paredes. Então, você
tem um minuto no seu dia pra ouvir a palavra do Poço de Lázaro? Entendedores
entenderão...
Pra um final boss, até que não foi tão difícil assim. |
Daquele ponto em
diante, e há poucas horas de jogo atrás, eu consideraria Xen um dos cenários
mais terríveis que já tinha visitado em um FPS. Isso se eu não tivesse comido o
pão que Gonarch amassou pra chegar até lá. No lugar, que parece uma locação
vazada de um episódio de Além da Imaginação,
impera um total clima de “onde diabos
estou agora” a cada teleporte alcançado. “O que será que as mentes doentias da Valve prepararam pra mim dessa vez?”
Por incrível que
pareça, os momentos finais do jogo foram os que eu menos fiquei preso. Isso
talvez seja um reflexo de um cérebro calejado por incontáveis situações de
confinamento, estresse e de não fazer ideia do que precisava pra continuar. Já
o chefe final, aquele troço que atira portais em você, é o arquétipo dos chefes
finais burocráticos dos jogos da década de 90: esquemático, com várias etapas e
confuso de saber como derrotar. Ou seja: tudo que o jogador menos queria,
depois de mais de 30 horas de um gameplay sofrido e fustigante como o desse
primeiro Half-Life. Felizmente o passeio de trem com o G-Man mais que compensa
todo o esforço.
A ENTREVISTA DE EMPREGO MAIS SOFRIDA
DE TODOS OS TEMPOS...
Depois que comecei a
jogar Portal e Half-Life eu finalmente entendi o porquê da Valve ainda não ter
lançado um Half-Life 3: essa empresa não faz jogo por fazer, ou apenas porque
pode. Ela faz jogos para se destacarem como fenômenos na indústria dos games,
mais ou menos como a Blizzard e seu destruidor de vidas sociais chamado
Overwatch. Aliás, a Valve me lembra o diretor de cinema Quentin Tarantino: dá
pra contar nos dedos das duas mãos os seus jogos lançados, mas, quando ela faz
um jogo a indústria para pra ver do que se trata.
NOTA FINAL: 8,4
Half-Life se mostrou um
jogo tão estressante quanto recompensador pra mim. Várias vezes me peguei pensando
em desistir dos desafios, mandar a complacência silenciosa de Gordon Freeman
pro raio que a parta e assistir ao final do game pelo Youtube. Mas preferi o
caminho dos teimosos e persisti. Confesso que foi mais por causa da expectativa
de jogar o segundo jogo na ordem correta do que por apreço pelo primeiro em si.
Metalinguística na veia: uma válvula dentro de um jogo da Valve! |
Eu tenho noção do
impacto que o jogo causou na indústria, assim como também sei que Half-Life
figura nas listas de melhores FPSs de todos os tempos mundo afora, mas é uma
pena que o jogo seja tão mesquinho e descaradamente feito pra desagradar o
jogador. É um jogo que você começa amando e termina... amando também. Só que o
conteúdo no meio desse longo caminho é uma tortura que parece que não vai
acabar nunca. Ele parece ter autoconsciência de sim mesmo. SABE que é
detestável e não está nem aí pra sua opinião.
Half-Life foi um jogo
que, ao longo das minhas 30 horas, dividiu bastante minha opinião: ora com um
design de fases inteligente que exige criatividade e inventividade do jogador;
ora estorvando a minha paciência até quase o limite da desistência (aquela
portinha fechada em um lugar aparentemente sem saída; um caminho absurdo que
parece dar em lugar nenhum; aquele botãozinho sacana malandramente escondido
atrás de uma mesa; ou uma sequência enervante de obstáculos que eu só esperava
encontrar em jogos da franquia Donkey Kong ou Super Mario...).
Sendo assim, minha conclusão
é a de que ele é como aquele professor chato que você odeia mas que, no final
das contas, serviu pra ter tornar um aluno mais forte, mais preparado pras
dificuldades da vida. Sabe aquele filho que leva uma surra do pai como castigo
e grita, chora, esperneia, mas quando a raiva passa ele percebe que o castigo
foi pro seu próprio bem? Então, foi mais ou menos assim que eu me senti com
relação à experiência de jogo que Half-Life tinha guardado pra mim.
Você alcança a superfície várias vezes, só pra se ver preso de novo... |
No cômputo final das
coisas, achei ele um jogo desnecessariamente grande, com um exagero de partes
chatas pra se cruzar. Fico pensando em que momento do desenvolvimento os
designers pensaram: “nosso jogo não está bom
o suficiente. Precisamos colocar uma parte com esteiras rolantes, fogo e água
tóxica pra melhorar a experiência do jogador e o jogo ficar perfeito!”
Minha sincera opinião? Não, Valve, um jogo não precisa causar úlceras no jogador
pra ser perfeito. É VOCÊ que é doente mesmo...
Em seus momentos
finais, Half-Life se revela um jogo quase intolerável de se continuar, regado a
muitos comandos de Save e Load a cada passo que você dá. De fato, uma
experiência planejada pra contrariar o jogador do começo ao fim. Se você possui
baixa tolerância a tentativa-e-erro com games, passe longe desse aqui. Esteja avisado.
Agora que já pus todo
o mimimi pra fora, posso afirmar que Half-Life foi um dos jogos mais criativos
e desafiadores que eu já joguei na vida. Apesar de todos os queixumes que o
leitor teve que suportar durante este texto (não foi fácil pra mim jogar, por que
você achou que eu faria uma análise fácil do leitor ler?), a experiência com
esse jogo é única.
Nessa parte eu já tava treinado, resolvendo os enigmas no piloto automático e de primeira. |
De fato, fiquei com
muita dúvida se faria uma análise normal no caso dele ou se encaixaria o jogo
em um Meu Review Supremo. O fator decisivo
para optar por não fazê-lo foi o fator replay: Half-Life é um título
obrigatório para quem curte jogos de tiro. Uma lição de casa que PRECISA ser
feita por um jogador que se propõe a escrever sobre jogos e sobre a indústria
de games. Entretanto, um dos requisitos para um jogo ganhar um Review Supremo é
o seu fator replay. E, cara, esse primeiro Half-Life é um jogo que eu não quero
jogar de novo nem que ele venha banhado de ouro e em 4K, rebolando na minha
frente...
Uma expressão apenas
seria capaz de substituir as várias linhas acima e relatar tudo que eu passei com
esse jogo: AMOR E ÓDIO. Em alguns momentos de jogo eu odiei, verdadeiramente,
as artimanhas criadas pelos desenvolvedores para irritar, contrariar e
estressar o jogador. Mas depois do final e da “oferta que eu não poderia recusar” feita pelo G-Man, eu não me
aguentei: fui correndo ligar o PS3 e dar new game no Half-Life 2 da coletânea
The Orange Box. Sendo assim, esperem que o futuro vai presentear os leitores do
blog com a análise do segundo jogo também.
E é isso, pessoal.
Espero que tenham gostado do texto, seja você um fã antigo (que sofreu com o
jogo na época de seu lançamento) ou um novo adepto da franquia assim como eu. Nos vemos no post de análise do segundo jogo, e até a próxima.
Au Revoir!
Bom review, porém, devo adicionar mais alguns "poréns"
ResponderExcluirA movimentação do personagem é mt boa se considerar os padrões da época, vide Quake e seu personagem bêbado alucinado, que só sabe correr de lado. A parte de subir e descer escadas eu até entendo, mas tbm cabe uma consideração a epoca do jogo, mesmo um jogador mais casual vai se acostumar rapidinho com isso.Quanto a dificuldade, não faz sentido reclamar disso em pleno 2017, com FPSs ridiculamente fáceis e casuais, HL é único justamente por ser exigente com o jogador.No mais, é um jogo praticamente perfeito, merecia um 9,9 fácil, visto que ele atropelou todos os games da época e acabou com aquele ciclo vicioso do Doom e seus clones, além de ter sido o responsável por dar ao mundo o melhor FPS competitivo de todos os tempos (CS caralho)
Enfim, eu poderia escrever um review inteiro aqui, mas o seu já cobriu tudo sobre o jogo, abraços
Eu entendo que as pessoas que jogaram dentro do contexto certo (leia-se: no ano de lançamento e com um PC à altura) tenham esse sentimento de achar HL um jogo perfeito. Eu tenho plena noção do impacto e da influência que o jogo causou (e causa até os dias de hoje) na indústria de games, MAAAAAAAAAAAAAS nem mesmo o mais ferrenho fã da Valve pode negar que HL é mesquinho além da conta e super estressante em 80% de sua duração. Eu não reclamo de dificuldade em jogos à toa, Jonathan. Eu sempre jogo no nível hard pra cima. Inclusive jogos como Doom eu já terminei nos níveis mais altos de dificuldade. O problema com HL, como já adiantei, é que ele é desnecessariamente esquemático (muitas vezes você só consegue passar de uma parte depois de dar load 10 vezes e memorizar onde os inimigos vão aparecer) e feito de propósito pra estressar o jogador. Acredite, eu adorei o jogo, tanto que comprei ele pra PS2. Em outras épocas eu nem chegaria a finalizá-lo e provavelmente daria uma nota bem mais "baixa" que 8.4, mas lembre-se que números não expressam a realidade e opiniões são subjetivas. Enfim, concordo com 90% do seu comentário e entendo seu ponto de vista. Obrigado pela opinião relevante aqui no blog.
ExcluirTer um bom texto desse para ler numa manhã/tarde calma chega ser um presente para fãs do game ou para quem gosta de ler sobre games e afins.
ResponderExcluirSou fã de Half-Life e acho que o seu desapontamento das fases grandes se dá em partes pelas fases grandes mesmo e pelo dinamismo dos jogos atuais.
Os games atualmente vêm focando fortemente na diversão e no dinamismo. Isso tem um lado ótimo porque temos nossa diversão aumentada; mas, por outro lado, creio que tira nossa paciência para jogos mais antigos de ritmo lento e burocrático.
As queixas não são por causa do ritmo não, Laércio. Eu gosto de jogos com ritmo mais lento. Agradeço pelos elogios e desculpe pela demora na resposta. O blogger tava enviando os comentários pra caixa de spam sem me notificar por email.
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