Eu sei, todo Review Supremo
deve contar com uma historinha chata pra servir de preliminares a um texto
quilométrico que vai exigir duas horas do seu dia pra ser lido por completo. Mas
com Divinity: Original Sin a história é diferente.
Eu não vou contar
nenhuma historinha chata porque não existe nada pra contar: eu simplesmente vi
a capa do jogo em lojas de games, percebi que ele havia ganhado vários prêmios,
assisti a alguns vídeos de gameplay e decidi apostar na compra, pra ver se
valia a pena.
Se duvida da minha
conclusão, as palavras “review” e “supremo” podem dar uma pista do meu veredito
sobre esse jogo. Sem mais delongas, vamos começar, pra terminar logo e largar
mais cedo. Bem-vindos ao Meu Review Supremo de Divinity: Original Sin Enhanced
Edition.
ENREDO
O enredo
do jogo gira em torno de dois Source Hunters criados por você, na tela de
início. Ele fala sobre uma força maligna conhecida por Source, que é a magia que já conhecemos, só que com outro nome, e que serve de combustível aos magos desse universo. Logo de cara
dá pra notar que toda a trama é focada em magos e nas consequências do uso de
mágica. O sistema do jogo até tenta disfarçar, disponibilizando algumas classes
típicas de RPGs, como arqueiro ou guerreiro, mas não se engane: este palco foi
montado para contar uma história de magia, e das boas. E acho que não preciso
dizer o quanto isso me agrada no enredo de um jogo...
A história começa na cidade de Cyseal, com dois caçadores de Source investigando um
assassinato. Cyseal é uma pequena cidade que se encontra sitiada por um insistente
exército de Orcs que aporta na costa da cidade. Pra piorar, há uma intensa
atividade de necromantes, que insistem em fazer os mortos se levantarem de suas
tumbas, tornando as viagens além dos portões da cidade uma ousadia para poucos
(o nível de dificuldade do jogo faz questão de explicitar o quão louca é a sua
decisão de se arriscar fora da segurança dos muros do lugar).
Cyseal,
fácil fácil, é uma das cidades iniciais com o maior número de quests que eu já
vim num RPG clássico. E olhe que estou colocando nessa conta a cidade imperial
de Oblivion. Não estranhe se passar suas primeiras dez horas de jogo
vasculhando cada cantinho em busca de quests e histórias para
registrar em seu diário.
Esse Void Dragon é do mal... |
A história de Divinity
é muito boa, principalmente levando em conta o fator originalidade. Mas o
problema é que, mesmo pra um RPG, o jogo apresenta um excesso de diálogos que
pode afastar uma parcela de jogadores menos pacientes, ou fazê-los simplesmente
pressionar o botão de cancelar como se seus batimentos cardíacos dependessem disso. Definitivamente,
não é um jogo pra quem não tem paciência de ler.
Como se o problema do
excesso não bastasse, as legendas são um pouco pequenas, detalhe que certamente
vai obrigar os jogadores com visão menos privilegiada a jogar mais próximo da
tela da TV (ou dar aquela encurvada legal de coluna, caso esteja na frente do
PC).
Os fiéis leitores do
blog sabem como eu não gosto de detalhar enredo num jogo, principalmente um
RPG. Então, vou partir logo pro principal atrativo que este jogo carrega: seu
excelente senso de humor. Eu perdi a conta de quantas referências a outros
jogos encontrei ao longo das minhas aventuras no mundo de Rivelon.
Olha o safado aí de novo, se refestelando na imensidão do cosmos. |
Se você está antenado
com os jogos que marcaram o gênero nos últimos anos, vai reconhecer referências
de varrer com rodo a obras como Skyrim (descrição de um balde que pode ser
equipado como capacete: “serve pra armazenar fluidos... e cabeças”), O senhor
dos Anéis e tantas outras. E isso só pra citar as que minha limitada memória e meu parco currículo
de obras desse gênero foram capazes de reconhecer.
Então fica a dica:
preste atenção a cada detalhe que encontrar no jogo, seja diálogo, disposição
de itens ou um objeto mais diferente. Com certeza isso vai te render umas boas
risadas em momentos inesperados.
Personagens
Divinity possui uma gama
fantástica, tanto de NPCs quanto de personagens controláveis. Quer dizer, de
personagens controláveis não chega a ser uma gama, são apenas quatro (falarei um pouco de cada um
individualmente). Mas onde eu quero chegar é que os NPCs presentes no jogo
reagem às suas reações de uma forma bem satisfatória, desde o clássico “vou te
esfaquear até a morte por ter entrado no meu quarto sem permissão” até o “que
coisa feia! Um Source Hunter pegando coisas emprestado da minha loja sem pedir
permissão...”
Exemplos da interação proporcionada
pelos NPCs: se você violar a tumba de um ente querido de alguém que está por
perto, não espere sair do lugar com vida, numa boa.
Os animais do jogo,
por sua vez, dão um show à parte. Além de (alguns deles) darem dicas cruciais
para a resolução de enigmas, eles trazem vários easter eggs de outros jogos de
RPG, fazendo valer aquele pontinho suado que você gastou na Skill Pet Pal.
Não se escandalize ao
encontrar vacas falantes, ovelhas deprimidas por servirem apenas como fonte de
lã, ou um galo modelo fotográfico que posa para quadros em plena praça de Cyseal. No cemitério
da cidade, encontramos um cachorro viciado no cheiro do seu próprio dono, e nas
ruas apertadas da “metrópole”, um galo canta em alto e bom som os ideais de
Liberdade, Igualdade e Fraternidade da Revolução Francesa. Preciso dizer mais
alguma coisa? Então eu digo: NÃO JOGUE SEM O PERK PET PAL. O jogo não terá
metade da graça se você cometer esse erro.
AJUDANTES
No campo de ajudantes,
e dessa vez nada da piadinha de “atrapalhantes”, Divinity traz a menor quantidade
de personagens em um RPG que eu joguei nos últimos anos. Que eu tenha
descoberto, são apenas quatro. Uma piada de mau gosto, se for comparar aos 13
companions de Fallout 4, por exemplo.
Mas é aí que entra
aquela célebre frase: “às vezes, menos pode significar mais”.
Pelo fato de só trazer
quatro ajudantes pro seu grupo, foi possível desenvolver diálogos, quests
próprias e todo um universo de particularidades e detalhamento que seriam
impossíveis de se alcançar se esse número fosse maior.
Cada ajudante tem sua
própria quest, classe específica, diálogos exclusivos e localidades a serem
visitadas. Mas as particularidades da história de cada um você só vai conhecer
ao longo do relacionamento com tal personagem. Nada de cravar o marcador de
quest (um recurso inexistente nesse jogo) em um aliado em particular e resolver os
seus conflitos de uma tacada só. Funciona mais ou menos como no Fallout New
Vegas: o seu parceiro vai liberando informações sobre seus dramas pessoais aos
poucos, cabendo a você explorar mais e fazer seu companheiro se abrir com você.
São tantas opções que nem sei quem escolher... |
O jogo traz uma mecânica
de troca de personagens que não só funciona muito bem, como é extremamente
necessária para passar por certos desafios de lógica nas fases.
O melhor exemplo do
que estou falando é um par de pirâmides de teleporte que pegamos logo no começo
do jogo: se você for mais esperto do que eu, e dominar seu uso nas primeiras
horas de jogo, conseguirá se livrar de muita dor de cabeça ao passar por
armadilhas, lugares inacessíveis ou que você julgava impossíveis de se
alcançar.
E o mais legal nas
mecânicas de ajudantes de Divinity é a forma como o jogo faz questão de nos
lembrar que não estamos na companhia de bonecos sem vida ou vontade própria. Ele
te apresenta elementos de liberdade (uso de itens, troca de personagens,
teleportação) e te recompensa pelo seu raciocínio em usar de forma adequada
esses elementos pra burlar as intempéries dos cenários, mas também cobra um
preço por isso.
Por exemplo: para cruzar certas áreas com
armadilhas (os desenvolvedores desse game têm um indiscutível fetiche com
armadilhas, isso é fato) eu usava a telecinese para arremessar meus
companheiros de um lado a outro do cenário. Alguns deles levam isso de boa, mas
Jahan, por exemplo, não gosta nada da ideia de ser feito de bolinha de pingue-pongue
nas minhas mãos: orgulhoso que é, na terceira vez que usei esta tática ele
simplesmente me deu um baita sermão e ABANDONOU O GRUPO SEM PENSAR DUAS VEZES,
algo que condiz 100% com sua personalidade, e que me fez sair correndo pra usar
o comando de load game o mais rápido que eu pude (embalado pela trilha sonora
das minhas próprias gargalhadas).
Sem mais enrolação vamos
à lista de personagens disponíveis no jogo:
GROGNAK E HERMIONE
É claro que estes
personagens não são oficiais. É que o jogo te obriga a criar dois protagonistas do zero, logo no começo de sua jornada. Você pode escolher a classe, sexo
(apesar de que eu acho que exista uma obrigatoriedade em você optar por um
casal, pelas exigências do enredo) e algumas frescurites de aparência como:
rosto, ceroulas, cabelo e cor de pele. Mas se a sua pegada é passar horas
criando um personagem que, no final das contas, vai virar uma caricatura
horrenda de você mesmo, nem se anime: as opções de customização são poucas ao
ponto de serem irrelevantes.
Bem, como maníaco por
magos que sou, criei um casal de... magos: um mago clássico e uma Battlemage,
pra ser mais exato. E me arrependo amargamente dessa falta de variedade imposta
por mim mesmo, visto que as outras classes no jogo (Man-at-Arms, Scoundrel) são
extremamente importantes para o avançar do jogo.
Eu, lerdo pra caramba
pra lidar com certos elementos de sistema em um jogo desconhecido, só me toquei de que tinha mais dois ajudantes disponíveis desde o começo do jogo quando meu
save já calculava mais de 70 horas de extensão. Mas isso é história para outro dia,
quando eu decidir lançar um livro chamado “As
100 coisas mais estúpidas que eu fiz jogando videogames”.
WOLGRAFF
É um baixinho peludo e
careca com a maior cara de irlandês e bigode que eu encontrei no mundo de
Rivelon. Ele é encontrado em uma caverna abaixo de Cyseal. Observando seus
gestos, você descobre que ele perdeu a fala, precisando se comunicar por meio
de pergaminhos escritos com uma pena mágica roubada de um feiticeiro.
Wolgraff é um dos
melhores personagens do jogo. As brigas silenciosas entre ele e Jahan são
hilárias, já que os dois meio que não se bicam muito. O mais legal desse
personagem é que, como não fala, seus diálogos são passados para nós por meio
de descrições típicas de sessões de RPG de mesa. Eu já joguei muito RPG de
livro em uma fase da minha vida, então posso dizer que esse tipo de inclusão me
agrada bastante.
Wolgraff é da classe
Scoundrel, especialista em furtividade, uso de duas adagas ao mesmo tempo,
furto e abertura de fechaduras. Sua habilidade de saltar de um ponto ao outro
do mapa só não é mais útil que a capacidade de passar por cima de terrenos
hostis sem sofrer dano.
Sua quest pessoal
envolve a recuperação da sua capacidade de fala, quando descobrimos que ele foi
rejeitado como mago por causa desse pequeno detalhe (os arcanistas nutrem um
preconceito enorme com aqueles que não podem verbalizar feitiços). Depois que
conseguimos recuperar a sua voz, em Phantom Forest, temos a chance de torná-lo
um membro dos Caçadores de Source. O mais legal é que a quest não para por aí:
existem vários diálogos subsequentes que envolvem as reações de Wolgraff e seus
companheiros à recuperação de sua fala.
BAIRDOTR
A bela loira de nome
quase impronunciável é uma guerreira que encontramos presa em uma jaula, em
frente ao quartel de Cyseal. Descobrimos que ela teve uma criação entre animais
selvagens, detalhe esse que não rende tantos diálogos interessantes quanto eu
achei que renderia, principalmente em se tratando de um jogo com o humor de Divinity.
Confesso que Bairdotr
foi um dos ajudantes que menos participaram do meu time. Ela é uma arqueira, da
classe Expert Marksman, mas eu a tirei do bando assim que adquiri Wolgraff, por
causa da baixa taxa de acerto de seus ataques com arco.
Sua quest envolve
encontrar um mago que a educou durante sua adolescência (de nome Jareth, se não me engano). Pelo fato de podermos
equipar qualquer arma e aprender qualquer habilidade com qualquer personagem,
eu substituí as adagas de Wolgraff por uma besta de duas mãos, e mandei a bela
loira tirar umas férias no Salão dos Heróis, no Fim dos Tempos.
JAHAN
Jahan é um dos
ajudantes de personalidade mais forte e complicado de lidar. Ele é um ex-rei
que perdeu sua fortuna tentando se curar de uma grave doença. Não conseguindo
lograr sucesso, foi preciso que ele fizesse um pacto com o demônio Haraka para
continuar vivo. Com isso, Jahan foi amaldiçoado com o terrível fardo de ter que
viver pra sempre, o que despertou seu ódio e o motivou a virar um caçador de
demônios desgostoso com a vida, mas amante dos animais (pela simplicidade e
sinceridade dessas criaturas).
A quest de Jahan é bem
legal, sendo uma das mais demoradas de completar também. O problema que eu
encontrei é que, durante várias ocasiões, ao nos depararmos com demônios, Jahan
não deu um pio sobre a situação, o que destoa totalmente da motivação do
personagem. Inclusive eu cheguei a colocar ele no grupo, em algumas circunstâncias,
para ver se ativava um diálogo especial ou se ele tecia algum comentário mais
específico. Nada.
Em batalha Jahan é
especializado em Ar, mesmo com a bagunça que o sistema do jogo faz na hora de
distribuir habilidades. Sua magia de chuva é um dos recursos mais úteis do
jogo, ajudando bastante a evitar status como Burning, ou a atravessar áreas com
muitas armadilhas. Antes que eu me esqueça, ele pode ser encontrado na
biblioteca de Cyseal.
MADORA
Mesmo estando
disponível desde o começo do jogo, no bar Crab King, em Cyseal, eu demorei
quase oitenta horas pra me tocar de que poderia colocá-la no meu grupo (por
causa da minha vagareza já comentada), devido à mecânica de troca de
ajudantes do jogo: você só pode colocar alguém de fora se estiver com três
personagens em seu comando. Se a party estiver cheia, o ajudante em questão
dirá que vai esperar uma vaga aparecer. Se você não se tocar durante o diálogo,
terá que esperar oitenta horas pra trocar de personagem...
Bem, Madora é uma
guerreira (Man-At-Arms) e Source Hunter, assim como os dois protagonistas. Ela estava
na cidade de Hunter’s Edge, quando os moradores da cidade foram massacrados por
um exército de Orcs invasores. Ela precisou fugir, e por isso é chamada de
traidora e covarde por todos os sobreviventes da cidade que encontra.
Sua quest envolve duas
possibilidades: vingança ou redenção contra os saqueadores de Hunter’s Edge. Eu
te aconselho optar por redenção, visto que ela concede um troféu à sua coleção
(lembre-se que “a vingança nunca é plena, mata a alma e envenena...”).
Em batalha, Madora
conta com um leque de habilidades que quase nos faz sentir pena de seus
adversários (a razão do “quase” é que a maioria dos inimigos também possuem
essas mesmas habilidades).
Isso é hora de tirar selfie, Jahan? |
Com essa personagem eu me especializei no uso de espadas longas de duas mãos, dado o dano cavalar
que esse tipo de arma causa. Madora, de longe, é uma das melhores personagens
pra se ter no grupo, chegando até a diminuir um pouco a dificuldade de alguns
combates absurdos que existem no jogo.
Pra finalizer, vale
lembrar que podemos contratar mercenários para nos acompanhar, no Hall of
Heroes em End of Time. Nem cheguei a andar acompanhado de nenhum deles, mas
fica registrado.
Com relação aos nossos
dois protagonistas, são exclusivos deles os Traits, traços de personalidade que
você evolui de acordo com as escolhas de diálogos. Por exemplo: se você for
razoável e escolher opções pavimentadas em lógica, sua barrinha de Reason vai
se enchendo. Se você perdoa e é compreensivo, a barra de Forgiver vai
evoluindo, e assim por diante. Ser um canalha boçal ou um mocinho de
capa-e-espada só depende do seu humor.
É claro que existem milhares de outros
personagens presentes no jogo, e que merecem uma menção honrosa (como
Icara, Ahru, Cassandra, Zandalor, ZixZax e a Donzela de Ferro falante). Mas você
sabe que não tem como eu falar de cada um deles sem escrever um texto que
levaria um dia inteiro pra ser lido, não é mesmo? Sendo assim, passemos ao
próximo tema.
QUESTS
Há uma quantidade
cavalar de quests nesse jogo. Só em Cyseal, a primeira das três grandes áreas
do jogo, você já pega umas trinta a quarenta delas, sem exagero.
Só pra abrir o apetite,
a primeira quest que você encontrará será a de uma concha mágica falante que
quer receber novamente o “abraço do mar”. Você tem a opção de jogá-la na água
ou vendê-la no mercado de Cyseal, pra levantar uma graninha. Esse é só um mil
avos do tipo de loucura que te espera no restante do jogo...
Algumas dessas missões
são bastante simples, se resumindo a “trazer o item A ao NPC B, mas outras dão
uma trabalheira dos diabos pra completar. Em sua grande maioria, são muito
criativas e resgatam um senso de recompensa há muito roubado por setas
indicativas de objetivos, ou diálogos que impedem qualquer surpresa por parte
do jogador. Eu arrisco dizer que as quests de Divinity chegam ao mesmo patamar
de qualidade de jogos como Skyrim ou Oblivion, sem o menor medo de estar
cometendo um exagero.
Quando uma missão
envolver encontrar alguém ou algum objeto, não espere que uma seta indicadora
de objetivo vá te dizer o que você precisa fazer. São quests que demandam muita
investigação e que irão realmente te obrigar a procurar. E não vá achando que a
solução correta é sempre a mais óbvia, ou a mais fácil de se fazer. Como diria
Roberta Miranda, “às vezes sim, às vezes não...”
Faltou a placa de "Proibido assediar cogumelos". |
Na quest da Bruxa
Branca, por exemplo, descobrimos que ela guardou seus pertences dentro de um
baú, que pode ser encontrado em qualquer lugar do mapa. Um dos meus personagens
reclamou desse fato, ao passo que outro respondeu: “e o que você esperava? Setas no mapa marcando o lugar exato? ” É
bem assim o nível de sarcasmo e alfinetadas presentes nos diálogos deste jogo.
Já na missão do
assassinato de Jake, em Cyseal, fica claro que vários NPCs possuem sempre algo
a mais pra se descobrir. Inclusive, o jogo afirma que surgem diálogos inéditos,
caso você se aproxime das pessoas em modo furtivo (em teoria, eles falam coisas
que não falariam em sua presença). Nesta quest em especial, há uma eterna aura
de mistério e desconfiança até mesmo naquelas pessoas dispostas a te ajudar:
uma velhinha pode ser apenas isto: uma velhinha; ou pode ser uma necromante de
nível 20 que vai convocar um morto-vivo pra chutar a sua bunda até a lua, caso você
escolha a resposta errada. Conclusão: não confie plenamente em ninguém desse
jogo. Nem em gatos brancos de cabelo rastafári...
É também durante as
missões que temos um aperitivo de como é livre a resolução de quests em
Divinity. Ainda em Cyseal, existe um maluco que quer matar a Orc filha do
prefeito da cidade. Nós podemos seguir a razão, visto que a acusada do crime de
exterminar a família do cara nem era nascida na época do ocorrido; podemos
matá-la e ganhar a recompensa; ou podemos tentar falar com o sargento da cidade
e pedir a prisão do mago. A minha solução foi convencer a Orc a entregar seu medalhão
como prova de sua morte, apesar da relutância dela em entregar o objeto (uma
herança de família, se bem me lembro).
Sério: esse jogo tira onda pesado com outros jogos de RPG. |
Em uma quest que
envolvia estátuas, logo no começo, a estátua do vigia pergunta se você quer
saber como será o fim da sua aventura. Se responder que sim, o jogo te manda
direto pra tela de créditos do jogo! Não consegui segurar o riso quando, na
ocasião de realmente ter terminado o jogo (um mês depois), eu vi as letrinhas
subindo, acompanhado de uma agradável sensação de déjà-vu. Acho que foi o
melhor uso de uma tela de créditos desde o início da indústria de games, e um
dos momentos que me fizeram perceber como eu havia me apaixonada pelo estilo
debochado e excêntrico do enredo das quests de Divinity.
Noutra ocasião, uma
mulher pede pra entregarmos um testamento. Um dos nossos NPCs sugere que
alteremos o documento ou que deixemos do jeito que está. O melhor é saber que
realmente é possível, pelas possibilidades do sistema de itens, adulterar o
papel, muito embora que a ideia grotesca seja condenável aos olhos de alguns de
nossos acompanhantes.
Claro, em se tratando
de quests, não tinha como deixar de falar da cabeça falante que foi sequestrada
por um “agente” de teatro desesperado por plateia. Para avançar, temos que
encenar uma peça contando a história de Cyseal. Para tanto, é preciso encontrar,
na biblioteca da cidade, um livro narrando o fato histórico. Depois é preciso
pagar um carinha pra atrair a plateia dele direto pro seu concorrente, para que
possamos levar a cabeça (do pirata Nick) pra um local seguro. Depois disso, só
resta a Reginald (o sequestrador da cabeça falante) chorar o leite derramado no
palco vazio...
A quest da cabeça falante consegue ser bizarra e engraçada ao mesmo tempo. |
Esse tipo de reação
dos NPCs me lembrou a ocasião do Troll cobrador de pedágio e de seu filho, que
fica chorando sobre o corpo do pai depois que você se recusa a pagar a quantia
extorsiva de 1000 moedas de ouro (Trolls têm o péssimo hábito de não aceitar um "não" como resposta, e partirem pra violência). Vale ressaltar que os Trolls nesse jogo fazem
jus à fama que o nome carrega na internet. Tem um deles que chega ao cúmulo de
cobrar pedágio pra você atravessar uma ponte quebrada... O detalhe mórbido dessa
ocasião (que nem chega a ser uma quest) reside no fato de o sistema de jogo nos
permitir dar cabo da vida do pequeno Troll órfão também. E ainda somos recompensados com
+1 de Compaixão ao fazê-lo! Por abreviar o sofrimento do pequeno? Assim
espero...
Por esses detalhes dá
pra ver como seus atos interferem no comportamento dos NPCs.
Na missão dos
Imaculados, uma das mais intrincadas do jogo, temos a escolha de sacrificar uma
galinha ou poupar a sua vida (a penosa implora pra que você tenha piedade, se
você comprou a habilidade de falar com animais. Se não comprou, o apelo vai
soar como uma cacofonia de cocoricós desesperados mesmo). Optando pela alternativa
mais dramática, o corpo da galinha fica disponível como um item. Ao examiná-lo,
é possível ler a seguinte descrição: “o
corpo de uma galinha que não precisava ter morrido...” Impagável e hilário.
É esse tom pessoal, de quebra sutil da quarta parede, que permeia as excelentes
quests de todo o jogo.
Esse lugar foi projetado pelo capeta em pessoa. |
A parte de entrar no
Source Temple foi uma das que mais me fez queimar neurônios desde que comecei a
jogar RPGs. Fica a dica: mesmo com a dificuldade, não estrague a sua
experiência com este jogo usando detonados ou guias quando (perceba que eu
disse QUANDO, e não SE...) ficar preso em alguma missão. Os desafios de
Divinity não subestimam a inteligência do jogador, e são bem difíceis sim
(alguns despertaram em mim o real desejo de chorar de desespero...), mas nunca
chegam a cansar definitivamente o jogador, ou serem pouco recompensadores e
injustos.
Quer um exemplo melhor
disso? No Templo dos Mortos, somos informados de que apenas matéria orgânica
morta pode adentrar o recinto. Perfeito para necromantes e usuários de
Tenebrium, péssimo para Source Hunters como você e eu. E sabe qual a ajuda que
o jogo te oferece pra que você descubra como entrar no lugar? NENHUMA.
O jogador que se vire.
Nada de vozinha chata te ensinando coisas pelo rádio (nesse caso seria uma
projeção vocal mágica, já que estamos na era medieval) ou um comando do
joystick que te aponta a direção correta. O sufoco é certo, mas o gostinho de
vitória e o sorriso no seu rosto serão garantidos, caso você tenha paciência e
use a inteligência pra desvendar o enigma.
Isso foi o que eu tive que gastar com terapia, depois que saí do Source Temple. |
Infelizmente, nem tudo
são elogios às quests de Divinity. A missão em que temos que passar por uma
porta falante, no Source Temple, e nos submetermos a uma exaustiva bateria de
provações, deve ter sido o motivo de desistência (ou do uso de guias) de muitos
jogadores menos pacientes.
Pra passar por essa
porta faz-se necessário coletar várias Star Stones e restaurar a Tapeçaria do
Destino, que conta seu passado como guardião de uma poderosa relíquia mágica. O
problema é que o jogo não dá sequer uma pista do que fazer (apenas uns textos
vagos que podem ser comprados com a Vendedora de Segredos, no Fim dos Tempos,
que falam a respeito de lugares pelos quais você já passou há muitas horas de
jogo atrás).
Por outro lado, por
causa da falta de pistas, acabei descobrindo locais que eu não fazia ideia que
existiam, e inclusive consegui achar um jeito de impedir os ataques que estavam
sendo realizados contra o plano de existência que abriga o quartel-general de
Icara, Zixzax e da Tecelã do Tempo.
Acho que ajudar o
jogador um pouquinho não mata, mas cobrar isso dos desenvolvedores de Divinity
é o mesmo que mendigar décimos de pontos àquele seu professor carrancudo que
está louco pra te deixar de recuperação no fim do ano...
Maldita Astarte! Nem depois de morta me dá sossego. |
A main Quest do jogo é
excelente, respira por conta própria (sem cair na tentação de se “inspirar” em
clássicos como Skyrim) e precisa ser montada como um quebra-cabeças.
Você vai ter
muuuuuuuito trabalho e queimar diversas sinapses neuronais para conseguir
prosseguir na história, e provavelmente vai concluir o jogo sem ter visto tudo
que as possibilidades de enredo têm a oferecer (meu caso). Mas a sua dedicação
investigativa e empenho em resolver enigmas serão mais que recompensados.
A quest principal de
Divinity inclui nossos dois protagonistas (no meu caso, o casal Grognak e
Hermione) de uma forma original, inteligente e sem a típica bajulação do “chosen
one” tipicamente encontrada em diversos jogos do gênero. Sim, nossos
personagens têm uma importância histórica no jogo, mas isso nem de longe pode
ser considerada uma vantagem para essa dupla. Quem jogou sabe a que me refiro.
Mas, novamente, nem
tudo são flores nesse quesito. Em vários momentos Divinity abusa da paciência
do jogador (como no já citado exemplo do Source Temple e sua maratona de
puzzles meio que desconexos). Nesse jogo você vai ficar preso, só pra descobrir
a saída de um lugar ou resolução de um enigma e perceber que ficou preso de
novo. Na quest final, quando já não podemos voltar por meio dos Waypoints, a
sensação de desespero e cansaço ao ficar preso no sonho do Trife quase desaba
em cima do já calejado jogador, que não aguenta mais se deparar com portas
trancadas e botões escondidos atrás de quadros.
APRESENTAÇÃO E ATMOSFERA
A parte dos visuais foi levada muito a sério aqui. Tudo no jogo é detalhado em
um nível que beira o desnecessário, e os gráficos do jogo não vão fazer você sair
correndo pra comprar uma nova placa de vídeo, mas as fotos vistas durante o
post (capturadas da versão de PS4) não me deixam mentir quando afirmo que um
excelente trabalho foi realizado.
O design geral do jogo
consegue ser satisfatoriamente grandioso, ao mesmo tempo que não estorva a
paciência do jogador com ambientes exageradamente complexos. As “cidades” não
são necessariamente realistas, em questão de escala, mas tampouco você sentirá
necessidade que elas assim o sejam.
Nos ambientes, o jogo
apresenta desafios que realmente cobram uma maior atenção do jogador aos
detalhes. Várias vezes você vai ser pegar perguntando: “como raios eu chego ao
outro lado daquele abismo”? E como é possível destruir uma bloodstone tamanho
família, imune a todos os tipos de ataques e elementos conhecidos?
O game nos oferece uma
excelente interação com os cenários: além de poder mexer em praticamente tudo
que a vista alcança, há formas alternativas de suplantar os obstáculos
encontrados nos cenários. Por exemplo: na cidade de Cyseal, eu me deparei com
uma armadilha fatal que cuspia enormes bolas de fogo em um longo corredor. Eu podia
tentar desarmá-la com meu ladrão, mas preferi testar minha liberdade de
gameplay usando o feitiço de teleporte pra atravessar meus personagens a um
lugar seguro. Se fosse o caso, ainda tinha a opção de usar a habilidade de
absorver dano por fogo, separar meu time e usar uma pirâmide de teleporte pra
os outros cruzarem com segurança.
"Me chama de Rose, Grognak". |
Mesmo não sendo um dos
jogos mais bonitos do mercado, Divinity cativa por outras qualidades: ele
possui um visual que não é realista, mas não comete o erro de ser incomodamente
caricato. Ele foge daquele estilo meio Final Fantasy Tactics de ser, onde não
podemos controlar nosso personagem e ficamos limitados a uma movimentação do
tipo “banco imobiliário” ou Jogo da Vida (andando em um mapa de casinha em
casinha). Além disso, a animação dos nossos personagens é bem pesadona e super
bem detalhada, sendo até mais competente do que realmente precisa ser nesse
estilo de jogo tático.
Falando em
movimentação, o jogo usa uma perspectiva isométrica quase perfeita. Quase perfeita,
pois mesmo com a rotação de câmera em 360° e zoom in e out, ainda senti falta
de poder olhar de frente com meus personagens em alguns cenários. Mas fique
ciente de que esses são queixumes bobos de um jogador ranzinza e perfeccionista
que não consegue deixar de reclamar: se você é um daqueles que defende um
Fallout no estilo clássico, ou curtiu Wasteland 2 mais recentemente, Divinity é
a prova de que este estilo de câmera ainda funciona a contento.
Ângulos de câmera fantásticos. |
O mapa de Divinity,
por sua vez, é um dos mais úteis e gostosos de se usar que eu já experimentei
em um RPG. Dá pra aumentar e diminuir, criar anotações em QUALQUER ponto que
você desejar (recurso que ajuda demais na resolução de enigmas), ou
simplesmente dar fast travel a qualquer momento, por intermédio dos Waypoints
(portais). Sem falar que os elementos encontrados nos cenários (como lava, rochas ou construções) são representados no mapa de forma a não gerar confusão sobre o local no qual você se encontra. Vale lembrar que o recurso dos Waypoints pode ser utilizado não
apenas quando clicamos nos portais. Sim, eu andei pra caramba pelos cenários
gigantes antes de me dar conta disso...
Legendas minúsculas e uma janela que tapa a visualização: que feio, Larian Studios... |
Assim como as
legendas, as fotos com os rostos dos personagens, nas janelas de diálogos, são
muito pequenas e genéricas, o que atrapalha um pouco na hora de acompanhar extensas conversações. Já que falei de janela de diálogo, elas simplesmente
bloqueiam quase todo seu campo de visão quando aparecem, deixando sem sentido
alguns dos eventos mais legais do enredo. Isso parece ter sido corrigido na
continuação do jogo, até onde eu procurei saber.
Algumas mensagens,
como quando você aprende uma nova habilidade ou receita, demoram demais pra
sumirem da tela, causando certa irritação. Não chega a ser um problema sério,
claro, mas com certeza deveria constar da pauta de “coisas a consertar” do
Larian Studios, em seus projetos vindouros.
Pra não dizer que eu
não coloquei pra fora tudo que eu tinha encontrado de errado com este jogo, a
capa de Divinity é de uma tosqueira que simplesmente não condiz com a qualidade
final do game. Fica difícil entender como um jogo com um indiscutível valor
artístico em várias áreas, pode ser vendido com uma capa genérica que o deixa com
cara de jogo de baciada de fundo de prateleira.
Divinity é um jogo que
não só tem personalidade como trabalha de forma fantástica o lore criado por
ele mesmo. As piadas com o gênero e as referências a outros jogos só vão até
certo ponto, sendo ele um jogo com características de enredo marcantes que
sabem se levar a sério nos momentos certos. Mas não é isso que um jogador
desavisado vai sentir ao olhar pra capa desse jogo.
Diga se não parece aquelas capas de tower defense genéricos. |
No quesito atmosfera,
só tenho elogios a tecer: existem masmorras, cidades, campos congelados com
baixa visibilidade, campos desérticos, castelos imponentes, florestas
amaldiçoadas, e jardins da Criação perfeitamente representados pelas
possibilidades gráficas do jogo. Não sobra muito pra falar a esse respeito: a
atmosfera presente nos ambientes é construída a fim de passar a exata impressão
que aquele momento de enredo exige. Mais um ponto pro Larian Studios.
A parte sonora de
Divinity me passou a impressão que não é tão difícil assim realizar um trabalho
competente nesse quesito de um projeto, mesmo quando estamos falando de um
estúdio pequeno financiado pela boa vontade de Kickstarters.
A dublagem do jogo é
excelente. Mesmo com a repetição de alguns diálogos (parece que esqueceram de
colocar uma trava que impeça que um mesmo personagem recite uma frase que
acabou de ser dita há dois segundos), a quantidade deles é mais que
satisfatória. Há uma infinidade de vozes dubladas pra tudo, e alguns diálogos
são tão inusitados que capturam totalmente a sua atenção (como quando um
personagem se engasga de tanto rir, nos combates, depois de acertar um critical
hit no inimigo).
As vozes dos ratos são
meio irritantes, mas cumprem seu papel (bem como a dos outros animais, que possuem
vozes e maneirismos de fala condizentes com suas características animalescas).
Nível de detalhes que beira a obsessão. |
Divinity é o clássico
jogo em que você perde muito por não jogar usando fones de ouvido. Nas cidades,
por exemplo, é possível ouvir as conversas dos moradores em diferentes níveis
de intensidade, e elas vão diminuindo de volume enquanto você se afasta. É o
tipo de esmero com detalhes que te faz perceber a intenção quase palpável dos
criadores em entregar um produto refinado em todos os aspectos.
Como não podia faltar
em um bom jogo, a trilha sonora do game é soberba. Esqueça aqueles temas
clichês, típicos de RPGs medievais que você conhece. Divinity possui uma OST
excelente e original, que passeia por vários estilos, de tecno a canto
gregoriano e rock, ou mesmo um pouco de dance. Não espere entrar em uma taverna
ou castelo e ouvir uma típica música de taverna ou castelo: mesmo quando o faz,
o jogo deixa claro que está tirando um sarro com esses lugares comuns do
gênero.
SISTEMA
Divinity é uma
miscelânea de praticamente tudo que você já viu em outros jogos, uma colcha de
retalhos de outros RPGs consagrados. Mas o que eu não vou esquecer de falar é
que essa colcha é feita de retalhos da mais alta qualidade, com uma costura
feita por tecelãs da melhor categoria. Lembra daquilo que eu sempre digo, de
que não é preciso ser original para se destacar? Então, esse jogo é um ótimo
exemplo disso.
Pra ele ser um
amálgama perfeito do gênero, só faltou um jogo de cartas e um mini game de
abrir trancas. Quer dizer, acho que esse último não fez a menor falta. Pense em
um sistema de RPG e provavelmente ele vai fazer parte de Divinity: criação
inútil de itens; identificar itens desconhecidos; destrancar portas e baús;
roubar; combinar dois itens para formar um terceiro; desativar armadilhas; está
tudo lá, mesmo numa roupagem diferente.
Um dos recursos mais úteis do jogo. |
Felizmente, todos
esses elementos (ou quase todos) funcionam de uma forma que vai do satisfatório
ao espetacular: nada no sistema é feito de forma desleixada ou nas coxas.
Os elementos que estão
lá funcionam muito bem, sempre a serviço do jogador e pensando em facilitar a
sua vida. Por exemplo, ao pressionar segurar X é ativado um perímetro de pesquisa de
itens. Nele, todos os itens interativos ficarão listados pra que você possa
vasculhar. Mesmo que esteja longe, o personagem vai andar automaticamente ao
lugar e examinar. Nem precisa dizer que, em um jogo de investigação e detalhado
como esses, esse recurso me salvou de ficar preso mais vezes do que eu consigo
imaginar.
Ainda no campo do
inventário, há uma forma bem prática de enviar itens aos nossos acompanhantes,
bem como de organizar os equipamentos, pergaminhos, poções e toda sorte de
quinquilharia que você vier a coletar em sua aventura. E por falar nisso, é
incrível a quantidade de itens inusitados e absurdos que podemos carregar e
encontrar no mundo de Rivelon.
O comando Last Added adianta demais a vida. |
E o recurso que mais
me agradou no inventário dos personagens (sim, cada personagem tem um
inventário, podendo carregar por padrão 100 kg de peso) foi um comando de
organizar. Lembra quando você pegava um item em um RPG como Skyrim, e não
conseguia mais encontrá-lo em sua lista de objetos? Aqui isso nunca vai
acontecer, por causa do comando de organizar por ordem de aquisição: os itens
que você pegou por último vão aparecer no topo, facilitando a identificação e o
escambo entre ajudantes.
Vale também ressaltar
que o jogo não conta com uma estrutura tradicional de lojas. Sim, existem lojas
especializadas em armas, ou vendedores de poções, livros de técnicas ou
pergaminhos mágicos. Mas a novidade aqui é que não só as lojas vendem itens:
praticamente QUALQUER personagem pode participar de relações comerciais durante
as suas andanças. E eu usei a expressão “relações comerciais” pelo fato de ser
possível não apenas comprar ou vender itens, mas também trocar ou doar objetos
entre os NPCs do jogo. Confesso que esse não foi um recurso que utilizei muito
(assim como a criação de itens), mas as possibilidades estão disponíveis aos
jogadores mais abertos a esse tipo de mecânica.
Ganhando o debate na base do xaveco. |
Nas interações com a
janela de diálogo, há um mini game bem legal de pedra, papel e tesoura (o
famoso Jo-Ken-Po) que funciona da seguinte forma: em situações de conflito, um
NPC vai se recusar a falar com você ou deixar você passar. Na janela de
diálogo, serão oferecidas algumas opções para você convencer o personagem a
cooperar. As opções são: intimidar, conquistar e racionalizar. Depois de
escolher uma das opções, vai começar uma batalha de Jo-Ken-Po, com uma barrinha
de dez níveis. Cada vez que você ganha um round, um total de bolinhas da barra
vai se encher, dependendo do seu nível na habilidade escolhida. Isso quer
dizer, por exemplo, que se você tiver 5 no atributo Razão (como era meu caso),
só precisará ganhar duas rodadas pra convencer o NPC a te ajudar. Mas o mesmo
vale pro adversário, então é bom tomar muito cuidado. Reza a lenda que o
recurso de doar objetos serve pra “amaciar” o NPC durante estes embates, mas
isso foi algo que eu simplesmente não tive a curiosidade de testar.
Habilidades: é preciso um pré-requisito para obter algumas. |
Um detalhe bem legal
desse jogo, além da originalidade, é que existe uma lógica a ser seguida que
vai variar muito de acordo com seu adversário. Quem já jogou Alex Kid sabe como
Jo-Ken-Po é um jogo que parece inocente e fácil, mas que se trata de um
estratagema de Lúcifer em pessoa para semear a discórdia entre os homens da Terra.
A CPU sempre parece
adivinhar o que você vai escolher, e colocar o exato oposto pra te sacanear.
Mas em Divinity isso
varia um pouco. Por exemplo: se você batalhar Razão contra um mago (que precisa
do atributo Intelligence alto para executar feitiços), prepare-se para
enfrentar um oponente que varia bastante suas táticas de jogo (você coloca
papel, ele coloca tesoura. Você coloca pedra achando que ele vai colocar
tesoura, mas ele coloca papel. Aí você coloca tesoura pra se adiantar, mas ele
coloca pedra...). Mas, ao enfrentar um Orc (uma raça não muito conhecida pela
sua esperteza), ele vai ser burro e previsível, sempre escolhendo a opção mais
óbvia e esperada por você.
COMBATE
Divinity é um RPG
tático por turnos, como XCOM ou Final Fantasy Tactics. Por essa comparação você
já pode ter uma ideia do que vai encontrar pela frente. Mas gostaria de
adiantar que o combate é um dos pontos mais altos neste jogo. Ele é dinâmico,
empolgante (até mesmo pela música, que é super animada) e estratégico em um nível que eu e minha parca experiência com o gênero
ainda não tínhamos visto.
O destaque pros
entraves do jogo vai para os elementos de campo e os status relacionados a
eles. O sistema de Divinity trabalha com a existência de quatro elementos
naturais para magias e status: fogo, água, vento e terra. Fogo é
autoexplicativo. Água engloba magias de gelo, de água líquida mesmo (a
mágica de chuva é surpreendentemente útil) e cura. Ar envolve magias de
invisibilidade, eletricidade e teleporte. Já a terra abrange ataques de terra
mesmo e veneno. Também há algumas magias negras e de invocação, da classe
Bruxo/a, mas não são elementais.
A graça aqui está na
forma como eles participam dos combates: gelo cria superfícies escorregadias
que fazem seu personagem (e os inimigos) caírem e darem com a cara no
chão, perdendo a vez de agir. Fogo causa dano constante e incendeia superfícies oleosas
ou nuvens de veneno. Eletricidade paralisa, podendo ser combinado com água no
chão ou nuvens de vapor para causar uma cortina elétrica no ar. E veneno causa
dano gradual.
Sim, chuva de fogo é uma das possibilidades abertas pelo sistema de Divinity. |
Então o esquema é o
seguinte: você pode lançar um feitiço de gelo para imobilizar o oponente.
Depois que o gelo derreter, você pode usar um outro personagem para lançar um
raio e criar um tapete eletrificado, o que vai fazer com que os inimigos
desperdicem pontos de ação dando a volta no terreno, pra não levar dano. Uma
gangue de duendes kamikazes cruzou o seu caminho? Não tem problema: use sua
magia de fazer chover pra apagar o pavio das bombas que eles carregam nas
costas que fica tudo bem.
Quando estiver em
confronto, tenha em mente que uma reles poça d’água no chão ou o simples fato
de estar chovendo podem alterar drasticamente o rumo da batalha. Mas tenha em
mente também que a sua experimentação em campo de batalha vai ser recompensada
de forma quase sempre positiva: tente congelar um inimigo e depois arremessá-lo
como com Telecinese para mais detalhes...
O sistema de combate
de Divinity é muito rico, variado e criativo: mas não vá pensando que as
batalhas desse jogo vão ser como estar em um parque de diversões: a mesma gama
de possibilidades que vale pra você também vale pros inimigos, e pode ter
certeza que a malícia deles vai ser capaz de te ensinar um truque ou outro que
você nunca teria pensado por conta própria.
Nenhum elemento dos cenários está lá à toa. Acredite. |
Antes que eu me
esqueça, é preciso dar um aviso muito pertinente, que vale não apenas com
relação aos combates, mas para todo o jogo em si: quando Divinity te avisar de
alguma ameaça (como estradas assombradas por fantasmas ou campos infestados de
zumbis), LEVE O AVISO MUITO A SÉRIO. Isso porque esse jogo não é nada fácil...
Os confrontos
encontrados nos cenários podem vir de qualquer direção (desde uma malfadada
escavação de tumba até um NPC irritado com alguma coisa que você fez no
ambiente), mas siga a seguinte regra de ouro: se um inimigo estiver mais que
dois níveis acima de você, CORRA! Eu joguei no nível equivalente ao normal,
mas, dependendo do tipo de inimigo (aranhas, orcs, demônios), mesmo estando no
mesmo nível você vai levar uma surra de dar pena, se inventar de pegar certas
batalhas antes da hora.
As lutas em Divinity
podem (e vão) ser muito desafiadoras. Ignore completamente a regra dos dois
níveis que eu acabei de criar logo acima: dependendo da sua criatividade e
capacidade de improviso, é possível suplantar desafios que beiram o impossível
(como no caso dos cânions de Luculla Forest, ou Hiberheim e seu eterno status
chill...).
Cuidado por onde anda: uma inocente caverna pode se tornar o endereço da sua lápide. |
Um bom exemplo da
dificuldade dos combates é o chefe do farol, ou de lugares com superfície de
lava (existem uma tonelada de armadilhas que causam esse tipo de terreno, a
ponto de encher seu saquinho em um nível Jar Jar Binks de pentelhação).
Pra piorar, Divinity
conta com aquele problema clássico de jogos casca-grossa: se seus dois
personagens principais morrerem, é game over. Céus, como eu detesto isso num
jogo. É muito frustrante e ilógico ter dois aliados gozando da mais plena saúde
em campo de batalha e levar uma mensagem na cara de “seu grupo foi derrotado”,
sendo que o simples uso de um pergaminho de ressurreição resolveria o problema.
Há uma tonelada de
magias de cura, mas apenas uma de ressurreição, e ela só pode ser adquirida por
alguém com nível máximo de Witchcraft, e praticamente no final do jogo. Então,
aceite o fato de que passará toda a sua aventura dependendo de pergaminhos de
ressurreição. Isso sem citar o fato de que, nesse jogo, não há nada parecido
com regeneração de HP (não ao menos sem usar feitiços de cura) ou ressurreição
automática ao fim de batalhas: se morrer, seu personagem passa a ser
representado por um túmulo, e só voltará à vida com o uso de um pergaminho.
Essa magia é linda. Mas não fui eu que soltei. Eu juro! |
Apenas pra encerrar
esse subtópico, as batalhas são bem legais: as magias e técnicas são bastante
impactantes e prazerosas de se executar. Mas, para fazer jus à porção Shadow do
meu nome, vou encerrar essa parte com uma falha que os combates do game
possuem: o cursor para ataque e movimentação é bem confuso e problemático, ao
menos nas primeiras horas de jogo. E se você vier com o papo furado de que isso
é falta de teclado e mouse, eu vou te mandar catar coquinho e conversar
besteira no ouvido de outro, visto que temos ótimos exemplos de jogos desse
gênero que funcionam muito bem em consoles (como o já citado XCOM).
Qual o problema com o
cursor? Ele é muito pequeno (às vezes ele meio que se separa do alvo, virando
uma bolinha azul quase imperceptível), lento e pouco intuitivo para algumas ações
que deviam ser simples, como selecionar alvos pra atacar ou andar.
Mas Shadow, seu jegue:
pra atacar existem os comandos de L1 e R1, que saltam de alvo em alvo
automaticamente. Isso seria uma solução, se não fosse pela maldita mania do
jogo de sempre selecionar o alvo que ESTÁ MAIS DISTANTE DO SEU PERSONAGEM...
Esse cursor é motivo de muita dor de cabeça, até você pegar o jeito. |
Eu menti quando disse
que ia encerrar o subtópico com uma reclamação. Na verdade, serão duas. Apesar
de muito bom, o sistema de Divinity conta com aquele tipo de liberdade que
acaba descaracterizando as classes disponíveis pra escolher na criação de
personagens. Por exemplo: é bastante broxante jogar com um Scoundrel (o típico
ladrão) e poder usar, mesmo com a cobrança de certos requerimentos, uma varinha
mágica ou um arco-e-flecha de arqueiro.
É muito estranho ver
um ladrão usando magias de gelo através de um pergaminho que só deveria ser
compreendido por aqueles com inteligência alta, ou seja, um mago. Eu sei que
elogiei essa falta de amarras ao sistema no review do Kingdoms of Amalur, caso
você tenha lido. Mas a diferença daquele jogo é que tínhamos uma desculpa
sólida apoiada pelo enredo (o fato do personagem não ter um destino certo) para
podermos evoluir de qualquer forma, ou reiniciarmos a distribuição de pontos de
experiência.
Claro que você pode
fazer como eu, e se manter numa mesma árvore de habilidades com determinados
personagens (Grognak ficou sendo meu mago especializado em fogo e terra, e
Hermione em água), e há punições para usar habilidades pertencentes a outra classe.
Mas, ainda assim, essa falta de personalidade me incomoda um pouco.
Vale matar Trolls inocentes pra ganhar um pouquinho mais de XP? Com certeza! |
Pra encerrar o
subtópico Combate e parar de mentir pro leitor de uma vez, preciso citar um
ponto, que não chega a ser um defeito, e sim uma questão de escolha: as
batalhas de Divinity são finitas. Isso quer dizer que você não poderá ficar
entrando e saindo de ambientes para renovar os inimigos. Eles não voltam, e
seus corpos ficam no chão, como um testemunho mórbido do momento que você viveu quando
passou por um determinado lugar. E se você é um jogador veterano de RPGs, pode
começar a enxugar o suor frio que escorreu da sua testa neste exato momento.
Não se preocupe, mesmo que sua mente não tenha conseguido assimilar o terror
descrito no parágrafo acima, eu traduzo pra você: NADA DE FARMING, UPPAR OU
QUALQUER COISA PARECIDA.
Isso mesmo: muito
embora que você possa, no final do jogo, reconfigurar seus pontos gastos, a
quantidade de XP que você ganha é limitada. O que eu gosto neste sistema, já
conhecido de jogos como o primeiro Diablo, é o tom de definitividade que
permeia os jogos que optam por esse caminho. por outro lado, eu confesso que
prefiro o sistema de jogos usado pela Bethesda, no qual os inimigos de áreas
fechadas não retornam, mas os de áreas abertas sim.
OUTROS DETALHES DO SISTEMA
Há alguns detalhes do
sistema deste jogo que permeiam várias áreas que não necessariamente os
combates. Por exemplo, a interação com objetos nos cenários nas mais diversas
situações. Além de ficarem no caminho de ataques e representarem obstáculos, os
objetos também servem para os mais diversos fins: coloque um barril em cima de
uma armadilha para desativá-la; use uma caixa para manter um botão pressionado
e poder passar; acenda ou apague velas e candelabros para criar incêndios ou
resolver algum puzzle; e assim por diante.
Ainda dentro de
pequenos detalhes do sistema, as escolhas que você faz em certas quests
realmente alteram uma coisa ou outra na jogabilidade: em Hiberheim nós
encontramos um poço dos desejos chamado Walter que se perdeu do irmão (lembra
que eu falei que a zoeira nesse jogo é pesada?). Se você pagar uma determinada
quantia em dinheiro para ele (ou persuadi-lo no desafio de Jo-Ken-Po), o
canalha te concederá um desejo: acabar com a nevasca que assola a região
feérica, ou apagar o fogo que castiga as terras ao norte.
"Nossa! Quantos detalhes de sistema!" |
Divinity é um jogo que
nunca engana o jogador, ou faz promessas que não quer cumprir: se você encontra
um poço dos desejos falante que diz que vai acabar com uma nevasca, tenha a
certeza que uma nevasca está com seus dias contados (e você livre de
visibilidade zero e do status chill).
Pra encerrar a aba
SISTEMA de uma vez por todas, queria fazê-lo falando a respeito do único bug
que presenciei no jogo: às vezes, você ou um inimigo vai ficar meio que
empacado depois de finalizar uma ação. Esse é um problema que ocorre com uma
frequência suficiente para você lembrar que ele existe, mas nunca a ponto de
tirar a sua vontade de prosseguir no jogo. E é um bug que passa por conta
própria, sem precisar reiniciar o console ou colocá-lo de cabeça pra baixo,
então...
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE DIVINITY:
ORIGINAL SIN
Você tem a confirmação
absoluta da incompetência da imprensa de games quando acontece de um jogo tão fabuloso
quanto Divinity passar completamente despercebido pelos veículos de mídia da forma como passou. Ele é
o caso daquele jogo que é lançado totalmente sem nenhum alarde, deixando pra
marcar presença apenas no final do ano, em alguma posição obscura de “Surpresa do
Ano” em listas típicas desse período.
Projetos como esse são
a prova mais pragmática de que é mais que possível haver um meio termo
lucrativo entre um jogo criativo, de orçamento modesto executado com amor, e
um arrasa-quarteirões de 100 funcionários movidos a 200 milhões de dólares de
orçamento.
Divinity renova a
esperança daquele jogador cansado dos golpes e artimanhas utilizados por uma indústria
mal-agradecida que, às vezes, só consegue enxergar seu consumidor como uma
possibilidade viva de extrair mais lucro. Ele fura a fila dos RPGs medíocres,
passando na frente de seus irmãos de gênero, entregando um produto com total
esmero e vontade visível de fazer bem feito pela simples vontade de ver algo de
qualidade sendo enviado às prateleiras.
"E aí, Guardiã, tá a fim de fazer uma sacanagem com a humanidade?" |
NOTA FINAL: 9,0
Claro que ele não é
perfeito. Alguns probleminhas precisam ser corrigidos para que o jogo possa
disputar o páreo de melhor série de RPGs da década. Mas, mesmo com falhas,
Divinity é o jogo que eu gostaria que fosse usado como molde para os RPGs
feitos daqui pra frente.
Sim, há alguns
tropeços na experiência que é Divinity. As batalhas finais, por exemplo, são
tão apelativas que quase me fizeram desistir de jogar, pois ficou claro o
dedinho dos desenvolvedores em garantir que o jogador não teria sossego nem
mesmo nos minutos finais de gameplay.
Mesmo no nível 19,
sendo que o máximo é 20, o jogo não desiste de espezinhar o jogador com uma
sucessão de batalhas exaustivas, intercaladas com enigmas desnecessariamente
burocráticos pra um final de uma campanha que durou mais de 116 horas. Se não
tivesse acabado no momento certo, acho que eu começaria a desenvolver um
sentimento de raiva e frustração contra esse jogo, tamanho o sofrimento e
provações que eu passei ao longo da aventura.
Não é a batalha mais difícil do jogo, mas prepare-se pra passar sufoco. |
Também não consigo
deixar de pensar que Divinity implora por elementos de jogabilidade tais como
um mini game de cartas, ao estilo Gwent (se ele não se acanha em copiar
elementos consagrados, por que parar por aí e deixar de plagiar um que é bom e
funciona?). Mas o caso é que o jogo manda bem em tantos departamentos, que só
nos resta especular sobre como ele poderia ser melhor do que já é, e suspirar
pela já existente continuação do game (ainda não tem confirmação pra consoles,
infelizmente).
E é isso, clientes
cativos do Mais Um Blog de Games. Espero que tenha conseguido tecer um texto
agradável de se acompanhar, ao mesmo tempo que indiquei um jogo que a maioria
dos jogadores não faziam ideia de que era tão bom. Obrigado pela atenção, e nos
vemos no próximo post.
Au Revoir!
Cara, continue com seu blog, amei o jogo, a postagem e você, embora não o conheça
ResponderExcluirOi, Shadow. Cara, sensacionais os seus reviews! Sério, absurdos, matéria de altíssima qualidade, parabéns.
ResponderExcluirGostaria de entrar em contato com você por e-mail...é possível?
Um abraço!
Mateus
Mateus, obrigado pelos elogios. Você pode entrar em contato com meu assessor pelo seguinte email: welbenn@bol.com.br. Mas adianto que parcerias eu não estou fazendo no momento, por falta de tempo.
ExcluirObrigado, Gustavo. Nem se preocupe que eu não tenho a mínima intenção de abandonar o blog. Faz parte da minha vida.
ResponderExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
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