A Capcom é uma empresa que age através de testes em seus consumidores.
Depois de praticamente
criar o gênero de jogos de luta, com seu Street Fighter 2, de 1991, ela decidiu
pôr à prova a tolerância dos recém conquistados fãs da série em pagar pelo
mesmo jogo várias vezes, com leves diferenças na quantidade de lutadores entre
cada versão.
Com a popularidade de
grandes franquias como Megaman (Rockman no Japão), Ghouls and Ghosts (desde a
era dos 8-bits) e Resident Evil na metade da década de 90, o céu era o limite
em suas tentativas de descobrir a melhor maneira de arrancar dinheiro fácil dos
jogadores, visto que seu método antigo (arcades com uma alta dificuldade, planejada
para incentivar a inserção de fichas) já havia saído de moda há alguns anos.
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Raros momentos de terror... |
Já na era dos
128-bits, com o PS2, a Capcom começou a perceber que o gênero do horror de
sobrevivência, o mesmo que havia colocado a empresa nos holofotes das grandes
desenvolvedoras de jogos novamente, não rendia o que todos os nichos de jogador
poderiam lhe proporcionar. Do ponto de vista meramente mercadológico, é
claro...
Resident Evil 4 foi um
jogo indiscutivelmente bom, apesar da sua porção “Resident Evil” ser altamente
discutível. E ele serviu para dar a resposta que a empresa parecia procurar
havia um bom tempo: os jogadores estão dispostos a pagar por um jogo mais
voltado à ação, apenas com leves elementos de horror colocados aqui e ali? Um total
de 5.9 milhões de cópias vendidas é um indício da resposta que os consumidores
dariam ao questionamento da desenvolvedora.
Mas não havia
problemas nenhum com essa estratégia, certo? Enquanto os jogos apresentassem a
alta qualidade que vinham mostrando até o quinto episódio da série, uma mudança
de nicho de consumidor não poderia representar um problema tão sério assim para
a franquia. Um dia tudo muda, e a série Resident Evil clássica contava com alguns
problemas que precisavam ser sanados, ao custo de centuplicar as quantidades
de munição nos cenários, itens de cura e sequências de ação nas fases.
Infelizmente, jogos
como Resident Evil 6 vieram para dar a temida resposta positiva à pergunta do
começo deste parágrafo.
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Dá Hadouken, Ryu! Quer dizer, Akuma! |
Na mesma geração do
Playstation 3, chegou a vez da Capcom investir na franquia Street Fighter mais
uma vez. Depois de jogos de qualidade duvidosa, como o 3rd Impact e o remake em
HD do Street Fighter 2, era o momento do ícone dos jogos de luta ressuscitar o
interesse dos jogadores pelo gênero, que vinha definhando com o passar dos
anos, e com a mudança do modo de se jogar videogame: ninguém mais ia a casas de
jogos para disputar versus, mas isso não queria dizer que a cultura de
competitividade em jogos de luta estava perdida para sempre.
Street Fighter 4 foi
um enorme sucesso. Com versões para PC, Xbox 360 e Playstation 3, a primeira
versão do game vendeu aproximadamente 3.3 milhões de cópias ao redor do globo. Nada
mau pra um gênero totalmente fora dos holofotes da indústria e do gosto dos
jogadores da atualidade.
Com um robusto modo de
treino e desafios, um time invejável de 26 lutadores e um dos melhores visuais
e jogabilidade já feitos para um jogo desse estilo (o primeiro texto do blog
foi justamente sobre esse jogo. Clique AQUI para ler), Street Fighter 4 foi
lançado com a pretensiosa tarefa de trazer os fighting games de volta ao centro
das atenções, ao mesmo tempo em que popularizaria o gênero entre os jogadores
mais jovens, e faria deslanchar de uma vez por todas as competições em
campeonatos mundo afora. Milhares de sticks profissionais da Mad Catz seriam
vendidos em nome da boa competitividade online.
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Com erros de ortografia, ainda assim verdadeiro. |
Mas, ao que me parece,
se tornar (novamente) o carro-chefe de um outrora bastante popular gênero de
jogos não era o suficiente, e a Capcom ainda relançaria seu arrasa-quarteirões em
outras três ocasiões futuras.
Com Super Street
Fighter 4, a série alcançaria um novo patamar de qualidade, com uma dúzia de
lutadores a mais, bem como um novo Ultra Combo para cada um deles. Roupas alternativas
também seriam adicionadas, via DLC, aos montes. Some isso a novos cenários, um
sistema de luta um pouco mais balanceado, e não é exagero dizer que apenas uma minúscula
minoria sentiu a ausência do excelente modo Challenge do jogo original (que foi
simplesmente removido desta e das versões vindouras).
Além disso, os novos
lutadores não contavam com um excelente e bem-animado final no modo história. No
lugar disso, uma série de slides estáticos com uma narração amadora como áudio
de fundo. Mas quem se importa? O mais legal do fenômeno Street Fighter, na nova
geração, era você tentar se aproximar de nomes como Daigo Umehara, Xian ou
Infiltration no ranking online de jogadores, não é mesmo?
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Foi aqui que as pessoas perceberam que a Capcom estava falando sério. |
Não satisfeita com as
mais de 1.9 milhões de cópias vendidas com a “nova” versão de seu produto, a
Capcom agora ataca de Super Street Fighter 4: Arcade Edition, que adicionava
QUATRO novos lutadores (Yun e Yang, clones um do outro; e Evil Ryu e Akuma,
idem) e um modo de espectador.
Precisa dizer que os novos lutadores contavam
com introduções e finais estáticos, muitas vezes representadas por uma foto
apenas? E que não havia modo de desafios para esses mesmos quatro lutadores (que,
a meu ver, na verdade são apenas dois)?
Em resposta a sua
possível pergunta sobre a receptividade do jogo pelos fãs, o número de 1.1
milhões de cópias deve saciar a sua curiosidade. Mas isso também é irrelevante.
Mais um teste de tolerância dos jogadores (o de jogar um game com cada vez
menos modos offline) tinha sido bem sucedido. E a Capcom, com certeza, usaria
essa base de dados na confecção de seus produtos futuros.
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Uma criança conseguiria pensar em uma lutadora mais original que Decapre. |
O golpe derradeiro no
bolso dos jogadores viria sob a forma de Ultra Street Fighter 4, seguido de
diversas piadas sobre a extensão e a mutabilidade de seu título. Os lutadores
adicionados dessa vez seriam apenas quatro, novamente (Poison, Hugo, Rolento e
Decapre, uma versão Frankenstein da Cammy, que esbanja 0% de carisma e
criatividade). Mais 500.000 cópias vendidas (fora a problemática versão do PS4) dariam a
certeza absoluta à Capcom de que o futuro pertencia às competições online. E atitudes
covardes e desrespeitosas contra os fãs da franquia.
No dia 16 de fevereiro
de 2016 (coincidentemente, o mesmo mês de lançamento do segundo jogo, o que
começou toda a história), a Capcom lança o Street Fighter 5, para PC e
Playstation 4 apenas. Isso mesmo que você leu: quem comprou todas as versões do
quarto jogo, no Xbox 360 (acredite, tem gente louca a esse ponto), levou uma
bela rasteira por parte da desenvolvedora, e sem direito a pressionar dois
botões para recuperação rápida. E quando olhou para cima, encontrou apenas o
dedo do meio em resposta a seus questionamentos de fã, por parte da Capcom.
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Cammy está fazendo com Ryu o que muitos gostariam de poder fazer a Yoshinori Ono. |
Careço da vontade de
discorrer sobre o conteúdo de Street Fighter 5, ou sobre a falta dele no jogo,
pois já fiz isso no post Super Street Fighter 5 Beta (que ironicamente eu tinha
intitulado, anteriormente, de “Entrando no Ringue com o Pé Esquerdo”). E sim: a
piada de considerar o jogo uma versão de testes ainda era uma novidade quando
eu a fiz. Para ler ou reler, clique AQUI.
Como não poderia
deixar de ser, grande parte da imprensa caiu matando em cima do produto final
que a Capcom entregou com seu Street Fighter novo. Isso pra falar daqueles que
não tiveram a sua opinião comprada, como o terrível IGN, que deu nota 8.0, e
arrolou como ponto positivo as tão criticadas partidas online do game; ou
aqueles que se sentem reféns da troca de favores (early access e cópias gratuitas
para análise), como o brasileiro Tech Mundo Games, que deu uma absurda nota 9,0 com
base em promessas de um jogo completo no qual ainda não havia colocado as mãos,
previsto para encontrar a plenitude dentro de um ano.
Um dos que ficaram
insatisfeitos com o trabalho porco que a empresa insiste em cobrar cheios
U$60,00 em seu lançamento foi o Angry Joe, um Youtuber americano que não tem
papas na língua quando se trata de colocar o dedo na cara de desenvolvedoras
desonestas como Activision, EA, e a própria Capcom.
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É mais ou menos isso que eu tento fazer no meu blog. |
Angry Joe, em seu
excelente vídeo de mais de vinte minutos, falou tudo que tinha a ser dito sobre
o Street Fighter 5. Eu colocaria o link do vídeo aqui, com o maior prazer, se
não fosse pelo pequeno detalhe de que a Capcom deu uma flag de direitos
autorais no vídeo do Joe, poucos dias depois do upload. E o mais irônico disso
vem agora: A PRÓPRIA CAPCOM CONDECEU UMA CÓPIA E UM TRAILER DO JOGO AO
YOUTUBER, PARA UTILIZAÇÃO EM SEU REVIEW. Apenas para puni-lo por dizer a verdade e manifestar a própria opinião em vídeo. E não se rebaixe tentando entender essa lógica. Executivos engravatados não se enquadram na mesma espécie de ser humano que eu ou você.
Discussões acerca da
lei de Fair Use à parte, Angry Joe fez um vídeo de retratação que pode ser assistido AQUI, sem legendas em português, infelizmente. Ou então assista diretamente pela janela abaixo.
Com olhos vermelhos
de pura revolta contra a Capcom Japan (segundo Joe, a responsável pela atitude
infantil de censurar quem atesta o óbvio), o analista de jogos argumenta sobre
vários assuntos pertinentes ao desenvolvimento e lançamento do Street Fighter
5, como a desculpa da Capcom para aceitar o dinheiro da Sony pela exclusividade
no PS4 (uma atitude revoltante e desprezível de uma empresa que sempre cobra
tanto de seus fãs).
É triste ver uma
empresa que já foi responsável por tantos bons jogos, e que muito recentemente também
ficou a cargo de não deixar a peteca do gênero luta cair (carregando nas
costas, praticamente sozinha, um estilo que já havia sido dado como morto), reagir
dessa forma à desaprovação dos consumidores a um produto visivelmente inacabado como, indiscutivelmente, é o caso de Street Fighter 5 na forma em que ele se
encontra no momento.
Mas o mais triste
mesmo é ouvir pessoas partindo em defesa de publishers como Capcom, EA e
Square-Enix, que a longo prazo estão destruindo a forma como se joga e se
adquire videogame, com práticas insidiosas que desafiam as mais básicas noções
de comércio como as conhecemos, desde o seu surgimento.
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Eu sei, baixinho, eu também vou sentir falta de algumas franquias dessa empresa... |
As desculpas da Capcom
simplesmente não colam, e eu sinceramente não aguento mais esperar pelo
lendário “retorno às origens” da série Resident Evil.
Alegar falta de
dinheiro para custear um Street Fighter 5 multiplataforma é algo que soa
simplesmente mentiroso, pra dizer o mínimo. Não dá pra esquecer os recordes de
vendas na PSN de jogos como Resident Evil e Resident Evil 0 em seus remakes em
HD, quando eu paro pra pensar nesse assunto.
Mas esse tipo de
postura covarde com os fãs é apenas a gota d’água em um jarro que já estava
quase transbordando.
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Não vou bater o martelo definitivamente, pois opiniões mudam, mas dificilmente retornarei a essa franquia novamente. Parabéns, Capcom: você conseguiu afastar mais um de seus fãs. |
Quando do lançamento
de Street Fighter 4, a minha maior dúvida era se, algum dia, a Capcom
conseguiria repetir o sucesso e a qualidade alcançados com aquele título.
E o pior disso tudo é
que o meu ceticismo realmente parece ter sido desafiado neste caso, visto que
Street Fighter 5 parecia ser um excelente jogo, do ponto de vista puramente
técnico e de jogabilidade. E nem precisava a Capcom tolher seus vários modos de
jogo para coagir os jogadores a ingressar no online. Todo o mundo gamer faria
isso com um sorriso no rosto, ela pedindo ou não, caso o produto final tivesse
saído a contento.
Bem, isso não mais me
importa. Salvo raras exceções (de um ou outro jogo refeito em HD), não tenho mais
estômago para financiar o mau caratismo de empresas como a Capcom, por meio do
meu dinheiro gasto em seus produtos.
Aqui o ideal passa por
cima do material, e eu faço uma escolha totalmente consciente de não mais
endossar esse tipo de atitude.
R.I.P, Capcom.
Obrigado pelos excelentes momentos da minha vida que estiveram relacionados a
alguns de seus jogos. E dê um alô à Konami por mim, quando a vir.
Au Revoir...
Au Revoir...