Jogos de videogame, volta e meia, são alvo de toda sorte de
acusações por parte daqueles que (em geral) não compartilham do mesmo amor que
nós por esse meio de entretenimento.
Jogos fazem apologia à violência. Jogos alienam. Jogos
servem como cano de escape da realidade. E jogos desestimulam as interações
sociais entre crianças e jovens.
Alguns desses fatores podem até se confirmar como verdade,
mesmo com a palavra “jogos” podendo ser substituída por “filmes” ou até mesmo,
em uma comparação mais radical, “drogas”.
Mas, dessa última acusação eu discordo veementemente.
De forma alguma não me atenho ao argumento da facilidade de
interação devido a modernidades como conexão de banda larga e internet em geral. Me atenho às
interações mais básicas mesmo, que eram fundamentadas ao mesmo tempo em que a
nossa própria personalidade vai sendo construído durante a infância e
pré-adolescência.
Mas o que quero dizer é que muitas das pessoas (algumas
conheço há uns dez anos, no mínimo) com as quais mantenho uma séria e duradoura
relação de amizade, eu conheci por causa de jogos eletrônicos, por meio de
antigos e divertidíssimos rituais: levar uma “fita” de SNES para a casa de um
conhecido; organizar campeonatos de jogos, com preferência para o “multiplayer”
(como Super Mario Kart, Street Fighter ou Mortal Kombat); praticar muito
bulling aos perdedores (no sentido “saudável” da palavra, se é que existe) e
voltar para casa com a “fita” em questão e um grande sentimento de vitória ou
derrota, além da pavimentação de boas amizades.
E olha que aos rituais não estou incluindo as freqüentes
visitas às casas de jogos, ambiente mais que perfeito para interagir
socialmente e discursar sobre qual arma evolui mais rápido as matérias do
Cloud.
Sinto muito, Liara: vai ter que comprar seus próprios games de Playstation 14... |
(não) Deixando o saudosismo de lado, posso dizer que gostava muito
dessa época. Época essa que, se depender de uma certa empresa multinacional
cheia de cifras nos olhos, está para acabar.
Isso porque a toda-poderosa Sony anunciou o desenvolvimento e
patente de uma “nova” tecnologia que impede o uso de jogos usados em diferentes
consoles. Nova entre aspas mesmo, pois a ideia é mais do que antiga. A de
tentar tolher a liberdade do ser humano, pelo menos, é.
E esse tipo de prática não só vem dando muito certo como
parece estar sendo aceita sem muita resistência por aqueles que veneram a
liberdade de desbravar extensos mundos digitais no cantinho de seus quartos. É
só parar e se lembrar do exemplo não muito distante do jogo Diablo 3,
lançado no ano passado: a campanha principal, mesmo sendo offline, só pode ser
aproveitada se o jogador dispor de uma conexão de banda larga. Seria essa uma
medida para garantir uma espécie de controle de qualidade ou suporte aos
jogadores? Ou uma espécie de “trava ideológica” para assegurar que os gamers
conheçam o jogo da forma que seus criadores o idealizaram? Ou seria, ainda, uma
medida própria da empresa para burlar práticas de pirataria com seus produtos visando o benefício próprio?
Eu fico com a terceira opção.
A Sony tenta se justificar, afirmando que o objetivo é “restringir de forma confiável o mercado de
jogos de segunda mão. Como resultado, o comércio de jogos usados será
suprimido, o que por sua vez reforçará o retorno de parte do lucro das vendas
de volta para os desenvolvedores”.
Diante de tamanho despautério, adoraria que me explicassem o
sentido do trecho “forma confiável”
e também me traduzissem o sentido da parte final da declaração.
Mas traduzir algo tão óbvio é tarefa das mais fáceis, então eu mesmo faço: A LIBERDADE DO JOGADOR EM USUFRUIR DE UM
OBJETO DA FORMA QUE LHE CONVIER EM TROCA DE
MAI $ LUCRO$ PARA UMA INDÚ$TRIA BILIONÁRIA QUE (MESMO SE
CANIBALIZANDO) VAI MUITO BEM DA$ PERNA$.
Provavelmente tal medida não causará muito impacto em países
mais desenvolvidos culturalmente, onde games podem ser comprados ao equivalente
que o brasileiro costuma pagar em uma entrada de cinema. Jogadores de PC,
acostumados às maravilhas do Steam, dificilmente tomarão conhecimento da
proporção e do perigo que este precedente abre. Mas, como eu mesmo acabei de
dizer, tudo isso pode ser mesmo apenas uma questão de precedentes. É só se
lembrar o que estavam tentando fazer com o Steam aqui no Brasil e o leque de
(preocupantes) possibilidades se abre como uma planta carnívora faminta prestes
a acabar com o livre-arbítrio que todo possuidor deve ter sobre um bem
possuído.
A SONY QUER FALIR
Um minuto de silêncio... |
O título acima foi um comentário que li no mesmo site onde
tomei conhecimento da notícia (como sempre, Omelete.com.br). E não acho exagero
por parte de seu autor não.
Se a Nintendo se acha gabaritada a decidir pelo consumidor e
a Microsoft tenta (e consegue) ganhar mercado da maneira que pode, a Sony vem
apresentando uma clara postura de arrogância e autoritarismo, dignos de uma empresa de
ego inflado por ter subido ao pódio durante duas gerações seguidas (PS1 e PS2,
só pra deixar claro) e que ainda não percebeu que não é mais assim que a banda toca.
Munida de super computadores abarrotados de recursos
natimortos e reconhecimento de mídias irrelevantes, a empresa parece não ter
consciência da realidade nos tempos atuais.
O consumidor seja de games, música ou qualquer outro meio de
entretenimento, está cada vez mais "promíscuo" quando se trata de dar suporte à
empresa X ou fabricante Y. E quer saber? É assim que a roda do capitalismo
gira: a procura é o que dita as leis, e não a oferta de empresas prepotentes
que não levam em consideração o fator mais importante quando se lida com seres
humanos: a imprevisibilidade.
É essa a forma que a indústria (generalizando mesmo, pois se
os jogadores não abominarem a ideia, certamente a prática será o padrão) tem de
combater a pirataria e proteger os direitos de seus produtos? Tolhendo os
direitos de quem, justamente, sustenta e dá suporte à indústria?
É certo que fatores como pirataria e mercado de usados
contribuem para o surgimento de tais artifícios, mas investir em tecnologias
com o propósito de encarcerar os consumidores que “andam na linha” não me
parece ser uma das melhores formas de lidar com o problema.
Ah, e vale lembrar que a nova tecnologia da empresa também se
alastra a filmes, músicas e aplicativos de toda espécie... Fica a oportunidade de reflexão no ar...
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